Vuelta: o engripado João Almeida cai na geral em dia de domínio da Jumbo de Vingegaard, Kuss e Roglic
Tim de Waele/Getty
Na duríssima 13.ª etapa, com chegada ao alto do Tourmalet, o português partiu para a jornada doente e pagou a fatura, perdendo muitos minutos e caindo para 10.º. Também Evenepoel, vencedor de 2022, teve um dia péssimo, dizendo adeus às hipóteses de triunfo, numa tirada que confirmou o poderio da Jumbo: Vingegaard ganhou e Kuss conservou a liderança, com Roglic em 2.º e o dinamarquês em 3.º na geral
As horas que antecederam o começo da etapa 13 da Vuelta foram de sofrimento para João Almeida. Dores de garganta, desconforto, uma noite mal passada seguida de uma manhã igualmente complicada. Foi feito um teste de covid, a maldita covid que o tirou do Giro 2022 quando seguia em 4.º, mas o resultado foi negativo.
O diagnóstico, segundo revelou João Correira, empresário do caldense, à Tribuna Expresso, ditou que o português tem gripe. Uma doença em dia de uma das duras tiradas do ciclismo internacional em 2023.
Fisicamente longe do ideal, o homem da UAE-Emirates, 6.ª à geral à partida para a jornada, começou logo a sofrer no Aubisque, a cerca de 90 quilómetros da meta, colocada no alto do Tourmalet. O ritmo infernal da Jumbo-Visma fazia vítimas e também Remco Evenepoel, vencedor da edição de 2023 da Vuelta, perdeu o contacto com o grupo principal na madrugada do percurso — ao GCN, Patrick Lefevere, patrão da Soudal - Quick Step, disse que o belga “estava bem” quando falou com ele antes da etapa, não tendo conhecimento de qualquer problema de saúde.
Almeida deixaria mesmo o grupo de Evenepoel para trás, lutando por não perder muito o contacto com o grupo da frente. O belga desligar-se-ia da disputa, ficando a cerca de seis minutos quando ainda faltavam cerca de 50 quilómetros, enquanto o português manteve, durante muito tempo, cerca de 1:20 minutos para os melhores.
Depois da penúltima ascensão, João Almeida, sozinho, teve de percorrer o terreno plano entre Spandelles e a base do Tourmalet. Sem ajuda e perseguindo há mais de uma hora, as forças abandonaram, definitivamente, o caldense, afetada pela doença, pela dureza, pelo ritmo da Jumbo, um pesadelo para um dos mais consistentes corredores de grandes voltas da atualidade.
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Realizando uma espécie de via sacra Tourmalet acima, João Almeida perderia 6:47 minutos para Jonas Vingegaard, o primeiro a chegar ao topo. Fisicamente diminuído, o português demonstrou, ainda assim, a sua combatividade, evitando sair completamente das contas por terminar num lugar honroso. O caldense, que batalhou durante quase 100 quilómetros a perseguir o grupo da frente, caiu para 10.º.
Após cortar a meta, Almeida descreveu as horas anteriores como “provavelmente, o pior dia na bicicleta” que já teve, falando das “dores no estômago ou no nariz” que sente. “É o que é no ciclismo”, disse, indicando a vontade de ainda ajudar Juan Ayuso a tentar complicar a vida à armada da Jumbo.
Com Remco Evenepoel a fazer ainda pior, desaparecido, na dianteira dançava-se ao ritmo da Jumbo-Visma. Vencedores do Giro com Roglic e do Tour com Vingegaard, os neerlandeses querem fazer história ao tornarem-se a primeira equipa a subir ao lugar mais alto do pódio nas três grandes corridas da temporada e, num cenário mítico, aproximaram-se muito desse objetivo.
Juan Ayuso, Enric Mas ou Marc Soler tentaram, sem capacidade, contrariar a ditadura da Jumbo-Visma. Foram os três ases dos neerlandeses que brilharam no Tourmalet: Vingegaard foi primeiro, Kuss segundo e Roglic o terceiro. Na geral, Kuss, o super gregário, o norte-americano que tantas vezes foi decisivo para as vitórias de outros, mantém mais de 90 segundos de vantagem para os dois habituais líderes.
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O perfil da etapa convidava a heróis, a epopeias, a grandes aventuras para a posteridade. Com o Aubisque, primeiro, e o Tourmalet, depois, tínhamos um traçado que intimida ciclistas desde os primórdios das competições que enfrentam homens que pedalam máquinas de duas rodas não motorizadas.
Foi em 1910 que, pela primeira vez, o Aubisque e o Tourmalet foram escalados em corridas de ciclismo, então no Tour. Quando Adolphe Steinès, assistente de Henri Desgrange, o jornalista que foi o primeiro diretor da Volta à França, visitou a zona do Aubisque antes da passagem da prova pela montanha, o diretor das estradas da zona não queria acreditar. “Levar os corredores até ao topo do Aubisque? Vocês em Paris são completamente loucos”.
Quando a caravana estreou a ascensão do Tourmalet, o espanto foi semelhante. Octavo Lapize, vencedor daquela tirada 10, gritou para os organizadores enquanto escalava o colosso: “Assassinos, vocês são uns assassinos!”.
Perante tantas dificuldades, o fogo-de-artifício começou muito antes da meta. Almeida e Evenepoel não aguentaram, com a diferença de que o português batalhou para minimizar perdas e o belga cedo se desligou da competição. Remco viria a ceder 27 minutos para Vingegaard. É, agora, 19.º.
Na ascensão final, Jonas Vingegaard arrancou para o triunfo a 8 quilómetros do fim. Ninguém acompanhou o bicampeão do Tour, que ganhou 30 segundos a Kuss, que continua a sonhar com um improvável lugar no alto do pódio de Madrid.
Bem perto de Kuss, a 33 segundos de Vingegaard, chegou Roglic, o esloveno que quer a quarta vitória na geral da Vuelta. O trio está, também, destacado na liderança da classificação.
Faltam oito etapas para o fim da Vuelta, mas será preciso que muita coisa muito estranha suceda para que a Jumbo - Visma não vença a corrida. Será por Kuss, o gregário que está a ter licença para voar a solo, por Roglic, o predador que pode chegar aos cinco triunfos em grandes voltas, ou Vingegaard, o mais forte em corridas de três semanas na atualidade? Iremos saber a resposta em breve.