Ser candidato à vitória numa Grande Volta envolve toda uma gestão de esforço. Remco Evenepoel arrasou a concorrência na primeira etapa do Giro, um contrarrelógio mesmo à sua maneira, deixando desde logo João Almeida a 29 segundos e Primoz Roglic, o outro dos maiores favoritos, já a 43 segundos. E essas são as vantagens que o belga quer manter, na verdade, aumentar. Vestir de rosa na primeira semana torna-se, até, uma cruz.
Contradição? Não. Porque o esforço de defender a camisola de líder durante dias e dias não é necessariamente desejável para quem quer estar em primeiro no final das três semanas. A rosa é uma cruz porque pressupõe mais trabalho para a Soudal-Quick Step na gestão da corrida. Desgasta o seu líder mas, principalmente, os colegas de quem Remco vai precisar, e muito, quando o terreno empinar a sério. Por isso, ao olhar para a etapa 4 do Giro, 175 quilómetros entre Venosa e Lago Laceno, a equipa de Evenepoel viu uma excelente oportunidade de se descartar da maglia rosa.
Com mau tempo, um sobe e desce constante e três contagens de montanha de 2.ª categoria, a última das quais na meta, eram expectáveis ataques. Uns foram permitidos pela Soudal-Quick Step e outras equipas com favoritos, outros não. A meio da tirada, um grupo de sete homens, nenhum deles verdadeiras ameaças aos principais candidatos no futuro, foi autorizado a fugir e cedo se percebeu que a vitória seria para um deles. O triunfo na tirada acabaria por cair nas mãos do francês Aurélien Paret-Peintre (AG2R Citroen), o primeiro em Grandes Voltas, com o norueguês Andreas Leknessund (Team DSM), o homem que o seguiu à chegada, a colocar-se no topo da geral.
João Almeida no meio do pelotão, num dia em que foi preciso recuperar da queda da véspera
LUCA BETTINI/Getty
O grupo dos favoritos chegaria mais de dois minutos depois, com Remco Evenepoel a conseguir o seu objetivo, essa aparente contradição: perder a camisola rosa. Na última subida, não houve ataques entre os homens com ambições, talvez demasiado temerosos com o que esta Volta a Itália ainda vai dar: muito contrarrelógio e muita (e terrível) montanha, com muito pouco espaço para descansar. Nesse mesmo grupo chegou, aparentemente sem problemas de maior, o português João Almeida (UAE Emirates), numa tirada de sobrevivência depois de uma queda na véspera o ter deixado mal-tratado do lado esquerdo do corpo. O português, tal como Remco, desceu na classificação geral, é agora 4.º, a um minuto certinho de Leknessund, mas sem perder tempo para os principais rivais.
Num Giro que logo às primeiras etapas se apresentou em terreno acidentado, os próximos dois dias poderão trazer alguma calma. Na quarta-feira, o pelotão vai pedalar entre Atripalda e Salerno, 171 quilómetros com apenas duas contagens de montanha de 3.ª categoria pelo meio, a última das quais bem longe da meta. Os sprinters poderão sonhar assim com um raro dia de glória nas estradas transalpinas. E Remco Evenepoel com uma jornada sem holofotes em cima ou esforços desmedidos. As grandes dificuldades voltam na sexta-feira, com uma etapa de montanha já para duros, com chegada em alto.