Naquela interseção temporal entre o final do século passado e o início deste, o sprint era quase uma sinfonia. Orquestras afinadas e em completa sincronização levavam o mais talentoso dos ciclistas embalado até à meta, a velocidades que deveriam ser ilegais, à espera do ataque final, um clímax retumbante, fatal. Foi assim, protegidos por enormes comboios de temerários companheiros, que Mario Cipollini venceu 42 etapas no Giro ou Alessandro Petacchi levantou os braços em 22 ocasiões também na sua prova caseira. Eram altos, fortes, poderosos. Muito italianos.
E depois havia Robbie McEwen. Bem mais franzino e baixo que os transalpinos colegas de labor e loucura, o australiano era uma espécie de espectacular e aprazível falha no sistema. Ele não tinha a explosão ou os operários que gravitavam em torno de Cipollini ou Petacchi, mas tinha a ratice, era um guitarrista a solo num panorama de bandas filarmónicas. Vinha lá de trás, tantas vezes por conta própria, outras vezes com um ou outro colega, e surpreendia toda a gente na meta. As 12 vitórias no Giro e mais uma dúzia no Tour, onde foi três vezes vencedor da mítica camisola verde dos pontos, estão aí para o provar. “Eu era freestyler mais por necessidade”, confessa-nos, “porque não tinha uma equipa com esses comboios”. Para logo a seguir atirar: “Às tantas resultou melhor para mim”.
É possível.