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Daniil Medvedev, o tenista que odeia terra batida, ganha um dos principais torneios de terra batida do calendário

O russo de 27 anos venceu pela primeira vez um torneio no pó de tijolo, e logo um Masters 1.000. Na final de Roma, bateu Holger Rune por duplo 7-5 e admite agora que, depois de anos e anos de costas voltadas, talvez possa formar uma relação de amizade com a superfície. É um dos nomes a ter em atenção para Roland-Garros

Lídia Paralta Gomes

Justin Setterfield

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Todos temos embirrações muito próprias e a de Daniil Medvedev toda a gente conhece. Para se ser um dos melhores tenistas do mundo é preciso jogar decentemente em todas as superfícies, mas o russo tem uma pública desavença com a terra batida.

“Na primeira semana em que jogo em terra batida, eu odeio tudo à minha volta. Odeio estar em court, que é muito raro comigo. As minhas pancadas, os meus movimentos, o meu físico, nada se adapta à terra batida”, assumia Medvedev em 2021, ano em que foi pela primeira vez n.º 2 mundial e venceu o seu primeiro título do Grand Slam, no US Open.

O palmarés, esse sim, adapta-se às declarações de desamor de Medvedev pelo pó de tijolo. Até esta semana, tinha apenas uma final na superfície, em Barcelona 2019, onde perdeu para Dominic Thiem. Em Roland-Garros, o seu melhor resultado são uns quartos de final, em 2021. Há um ano, jogou pouco em terra batida, perdendo logo na 1.ª ronda em Genebra e chegando ainda assim à 4.ª ronda no Grand Slam francês.

Mas é possível que esta relação difícil esteja a amolecer. Daniil Medvedev, o tenista que odeia terra batida, acabou de vencer um dos principais torneios de terra batida do calendário.

O longilíneo e aparentemente atabalhoado natural de Moscovo é campeão do Masters 1.000 de Roma, depois de derrotar na final o enfant terrible Holger Rune, com um duplo 7-5, conquistando assim pela primeira vez um torneio na superfície que tanto desdenha.

Frente ao dinamarquês, que este ano validou o título em Munique e que havia já jogado uma final de um Masters em terra batida (Monte Carlo, derrota para Andrey Rublev), Medvedev soube dar estocadas definitivas nos momentos certos (quebrou Rune duas vezes a 6-5, fechando assim os sets) e os maus momentos que teve, principalmente no 2.º set, em que Rune entrou muito bem, foram rapidamente ultrapassados.

Alex Pantling

Num court massacrado pelo mau tempo que fustigou Roma ao longo da semana, a vitória de Daniil Medvedev ainda se torna mais surpreendente, num campo pesado, ainda mais lento e húmido, onde na véspera já tinha eliminado um dos favoritos, Stefanos Tsitsipas.

No final, o sempre desconcertante russo tinha na cara a surpresa escrita. “Normalmente odeio, odeio jogar em terra batida, não me sinto bem, nada funciona, podia continuar aqui para sempre”, começou por dizer, sublinhando, no entanto, que já em “Madrid e Monte Carlo” se tinha sentido bem: “Não fiz grandes birras”, atirou.

Já em Roma, conta, sentiu-se logo em boa forma nos treinos. “Até disse ao meu treinador: ‘Não sei o que se passa, mas sinto-me fantástico’”, continuou.

Com este triunfo, Daniil Medvedev entrará em Roland-Garros, daqui a uma semana, com um estatuto que, provavelmente, não esperaria. Num torneio que não terá Rafael Nadal, estará com Novak Djokovic e Carlos Alcaraz na lista de grandes favoritos. Na próxima atualização de ranking, será número 2, apenas atrás do jovem espanhol.

Estaremos, portanto, a assistir ao início de uma linda amizade entre Daniil Medvedev e a terra batida, ao jeito de Rick Blaine e do Capitão Renault em “Casablanca”. Sim, mas com parcimónia. “Amizade sim, mas eu não amo. Eu gosto é de piso rápido”, respondeu o moscovita, há muito radicado em França, curiosamente um país de pó de tijolo.

“Mas definitivamente gosto mais agora”, rematou, como quem não nega à partida uma ciência que está a começar a conhecer melhor.