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Quem quiser jogar pares com Jack Sock ponha o ☝️ no ar

Ténis

Julian Finney/Getty

Era o tenista com pior ranking de singulares na Laver Cup, mas o americano, que fez anos durante o torneio, foi convidado a viajar para Londres pelo que é na variante onde tem quatro Grand Slams conquistados apesar de já ter repetido que não é esse o seu foco

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Diogo Pombo

Diogo Pombo

em Londres

Jornalista

Um boné define ninguém se a análise permanecer no literal. Não passa de um mero objeto que visa proteger a cabeça humana do sol e providenciar sombra nos olhos caso o usufruto respeite o seu propósito. Depois, se dispensarmos a formalidade que levou à sua criação, um boné também pode ser um acessório de estilo, moda ou conforto que continua sem definir a pessoa em quem poisa. Pode, contudo, deixar pistas e o modo como Jack Sock maneja o seu tapa-crânios sintoniza-se com tudo o que de não verbal há nele.

A postura do americano é desfiltrada, em court ou fora dele. Exibe uma moleza de quem não quer saber onde está, o porquê de estar e o que tem de fazer, mas isso é quinésica, toda a pessoa comunica sem abrir a boca, outro tema é a cinésica e aí não há quem possa com Jack Sock se a conversa sobre movimento tocar apenas nos momentos em que o ténis se joga aos pares. Dividindo um lado da rede com outro jogador, o caminhar desengonçado e as poses descontraídas continuam a existir em Jack, sempre de boné posto sem sol dentro da Arena O2.

A pala omnipresente para trás, por vezes a tocar-lhe na traseira do pescoço, é um bom avaliador da sua disposição. No sábado, surge recostado na cadeira da sala de imprensa da Laver Cup, inclinado para trás e com o acessório meramente repousado na cabeça, sem lhe encaixar, que nem uma criança reguila; este domingo, reaparece revigorado, o boné já posto à medida e ele com os cotovelos assentes na mesa e comprometido às perguntas que lhe fazem. Havia um justificativo para diferença de atitudes na basilar condição de quem faz vida do desporto: na véspera perdera, agora já vencera.

Jack Sock é o tenista com pior ranking de singulares na Laver Cup onde todos residem entre os 30 primeiros da hierarquia ATP, menos ele, habitante do seu 128.º degrau abaixo da superfície, mas não terá sido pelas suas façanhas solitárias em campo que o convidaram para estar em Londres. Com a sua dentadura de cima a empurrar os lábios para fora e os olhos de bonacheirão, o americano joga pela na Laver Cup pela quarta vez em cinco edições e nesta, claramente, para ser o centro do jogo da cadeira na equipa do Resto do Mundo.

Os três encontros de pares do torneio têm-no como único corpo constante e a sua companhia vai rodando pelos outros que equipam de vermelho. “Nunca é fácil jogar com alguém pela primeira vez”, constata, na evidência ignorada todos os dias porque “houve três novas parcerias”. E Jack Sock encolhe os ombros enquanto o diz. “Não me senti desconfortável com qualquer um deles, já joguei com muitos tipos ao longo da minha carreira e tive sucesso com vários”, lembra o dono de quatro Grand Slams em pares (dois US Open e dois Wimbledon) e em tempos (2018) residente na vice-liderança da classificação mundial.

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John Walton - PA Images

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GLYN KIRK/Getty

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Julian Finney/Getty

O americano viveu de tudo neste fim de semana londrino. Respeitou o máximo possível a ocasião de lhe caber, com Frances Tiafoe, jogar frente a duas lendas vivas para despedir uma delas, ganhando a Rafael Nadal e à apoteose que nunca se demoveria de Roger Federer (tirou o boné para o cumprimentar no final, haja respeito), depois perdeu diante Novak Djokovic e Matteo Berretini exibindo a sua versão mais errática com Alex de Minaur ao lado, e, por fim, venceu o mesmo italiano e Andy Murray, formando dueto com o mais talentoso Felix Auger-Aliassime. “Todos os três são do topo do mundo, todos são inacreditáveis no ténis”, reconheceu.

No torneio que se propõe a ser singelo no ténis, proibindo a entrada dos treinadores de cada jogador no balneário, tornando rivais em companheiros de equipa por uns dias e dando a cada uma sensação de jogar por algo que não ele próprio, Jack procedeu a simplificar que foi uma questão de haver “algum ajustamento” para “se ire conhecendo mutuamente”. No seu pulso gerador de rotações na bola já medidas, em alguns períodos, como superiores às de Nadal, o señor top spin, Sock acabou por ser um aglutinador. Uma arma valiosa da Team World para quando o ténis tivesse que ser mais jogado em equipa.

Duas vitórias companheirescas em três possíveis após entrar a perder contra Casper Ruud, o número dois mundial, logo na partida inaugural da Laver Cup, o aniversariante entre os convivas que chegou às três décadas vividas, no sábado, ficou como o maior responsável pela manutenção dos selecionados internacionais à tona da disputa da vitória. Jack Sock garante que irá “continuar a rasgar até que as ancas e os joelhos cedam” enquanto professa a sua fidelidade aos singulares, mesmo que o incluam nas discussões sobre os melhores tenistas do planeta no jogo a pares - entre eles, o amigo Nick Kyrgios, com quem já ganhou um torneio (em Lyon, 2018), partilha horas em consolas e é quase um equivalente no que toca à indiferença para os cânones do ténis.

Na tarde de domingo, com a agenda cumprida na Laver Cup, ei-lo no banco da equipa do Resto do Mundo a desempenhar o seu papel de motivador, torcendo por Tiafoe durante a prolongada batalha do compatriota com Stefanos Tsitsipas, em que acabaria por confirmar a primeira vitória (salvando quatro match points pelo meio) na história do torneio para a Team World. Em modo cheerleader, Jack Sock mantinha o boné, mas de pala para a frente, para a luz de um jogo de singulares onde crê “ainda ter muito ténis para dar” não lhe ferir a vista.

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