Perfil

Entrevista a Ivan Ljubicic, o treinador de Federer, após a despedida: “Acho que ele não terá um trabalho. Sobretudo, vai desfrutar da vida”

Ténis

Mike Egerton - PA Images

Só tem mais dois anos de vida do que Roger Federer, mas retirou-se há uma década dos courts com 13 derrotas em 16 jogos contra quem viria a ser seu pupilo. Em entrevista à Tribuna Expresso, em Londres, o último treinador do suíço e confesso fã de xadrez comparou-o a Mikhail Tal, desfez-se em elogios ao agora ex-tenista e garante que, apesar de fazer tudo parecer fácil, “ele não fazia as coisas casualmente”

Partilhar

Diogo Pombo

Diogo Pombo

em Londres

Jornalista

Ivan Ljubicic é uma figura difícil de saltar à vista. De costas largas, alto (1,93 m), com careca integral e morfologia corpulenta, os tempos do bósnio a bater bolas ficaram em 2012, quando se retirou aos 32 anos, quase menos dez do que o suíço cujo nome mais se tem pronunciado por estes dias. Quando se poupou a mais aventuras nos courts, Ljubicic jogara 16 vezes contra Roger Federer e o serviço-martelo e as pancadas brutas de direita apenas lhe valeram três vitórias contra ele.

Três edições volvidas do calendário anual recebeu um convite do tipo que hoje tem como “melhor amigo”. Federer ia com 34 anos e, mesmo no final de 2015, começaram a trabalhar juntos na cooperação que encaminharia o suíço rumo ao ressurgimento da sublimidade demonstrado na terceira idade da carreira: ganharam três Grand Slams (dois na Austrália, um em Wimbledon) da coleção de 20, congeminaram um upgrade à sua esquerda a uma mão para atacar mais cedo a bola top spinada de Nadal e conseguiram que Roger se tornasse o mais velho de sempre (36 anos e 10 meses) a liderar o ranking mundial.

É natural que Ivan Ljubicic prefira, sem pestanejar, ter treinado o suíço a defrontá-lo em campo. Já tanto tempo a privarem de perto fá-lo desenvolver o discurso muito mais sobre a pessoa que há em Federer antes de o tenista, dimensões da mesma figura impossíveis de dissociar porque “o ténis traduz a personalidade e o caráter”. Perante tamanho legado de jogador, falar de quem é Roger antes de se equipar é tarefa fácil para o seu treinador.

Encontramo-lo de camisa e casaco nas catacumbas da Arena O2, em Londres, a rondar as zonas da imprensa descontraído após uma noite de reduzido sono devido ao caldeirão de emoções na véspera. Hoje com 43 anos que são apenas mais dois do que o seu ex-instruendo, Ivan Ljubicic explica como a fome de Roger Federer em “tentar coisas novas” e atrevimento a “inventar coisas malucas” o manteve no topo durante tanto tempo.

Primeiro que tudo, está recuperado da noite de ontem [sexta-feira]? Conseguiu dormir bem?
Dormi bem, mas pouco [ri-se], tudo ok. Foi emocional e intenso, de alguma maneira estávamos preparados para isto, mas nunca estás realmente pronto. Foi bom... Sabíamos que este momento viria eventualmente e foi um grande final de ano, de uma rivalidade, de algo que seguimos durante 20 anos. Depois destes dois tipos terem andado atrás um do outro, vê-lo assim no court, a chorarem juntos, foi muito bom.

Enquanto treinador, quem é o Roger Federer para si?
É fácil de responder: é o meu melhor amigo. Partilhamos tudo, mesmo. Não o vejo como Roger Federer, o jogador de ténis. Ele é um amigo que é extremamente bom no que fez, uma pessoa fantástica, alguém em quem podes confiar e partilhar tudo o que queiras, está lá sempre para ti enquanto amigo, mas mesmo sempre, não importa o que esteja a acontecer. Isso é quem ele é, portanto, é fácil estar na companhia dele e de o ter perto. Por isso, quando sentimos que ele precisa de ajuda ou de apoio, estamos lá sempre também para ele.

De que maneira a pessoa que o Roger é afetou e moldou o tenista que ele sempre foi?
Bom, não podes desconectar esses dois lados. No court, tu és quem és, não podes ser mole fora dele e, quando entras em campo, tornares-te uma besta. Simplesmente não funciona assim. O ténis traduz a tua personalidade e caráter, o que vês no campo é quem o Roger é. Claro que, cá fora, ele demonstra um pouco mais as emoções, é mais social - aliás, ele é muito social, é muito brincalhão e adora dizer piadas, fazer coisas engraçadas. Nesse sentido, é muito fácil estar com ele.

Artigo Exclusivo para assinantes

No Expresso valorizamos o jornalismo livre e independente

Já é assinante?
Comprou o Expresso? Insira o código presente na Revista E para continuar a ler
  • Se depender de Djokovic, a maratona apressada será a próxima invenção do ténis
    Ténis

    Não competia há dois meses e, logo no mesmo dia, agendaram-lhe dois jogos seguidos. Com tão-só 20 minutos de intervalo entre o fim de um e começo do outro, Novak Djokovic deixou de apenas aconselhar outros tenistas da sua equipa da Laver Cup para ser ele o alvo de incentivo dos outros (ou para Roger Federer lhe servir de aguadeiro). O sérvio contou 2h33 quase consecutivas em campo, ganhou ambas as partidas e acabou a fazer figas para que, um dia, o suíço regresse aos bons velhos tempos

  • A chorarem e de mãos dadas, “qualquer noite” que Nadal e Federer passem juntos “nunca parece ser tempo suficiente”
    Ténis

    A confissão veio do suíço, algo taciturno e solene na última vez que falou perante jornalistas após uma partida onde “ajudou muito não estar sozinho" no court. O espanhol revelaria que viajou de propósito só para jogar com Roger, admitindo que “uma parte” da sua vida “também vai embora” com a despedida de Federer. As lágrimas, assim como a história feita no ténis, foram de ambos

  • Até já Roger, ultrapassaremos isto de alguma forma
    Ténis

    Federer nunca quis um conto de fadas e não o teve no último jogo da carreira, na Laver Cup, factualmente falando. Perdeu, esvaindo-se em lágrimas no final enquanto Rafael Nadal, o maior rival tornado amigo, com quem jogou em pares na despedida, chorava como um bebé. Aos 41 anos, um dos maiores tenistas da história, provavelmente o mais elegante a alguma vez pisar um court, despediu-se em apoteose: “Estou feliz, não estou triste. Foi uma noite fantástica”. Crónica e reportagem em Londres

  • No que bem podia ser a Federer Cup, tudo se juntou para ver “a habilidade natural para beijar a bola com a raquete” uma última vez
    Ténis

    Nas horas que antecederam a despedida de Roger Federer dos courts, na Laver Cup que, por culpa da ocasião, virou momentaneamente o foco do ténis em Londres (e no mundo), os elogios em massa ao suíço que está a viver o torneio dando “alcunhas a todos” e “sempre a rir-se” em modo “pateta” sucederam-se durante todo o dia. Reportagem da capital inglesa, onde decorre o torneio que acolhe o último jogo da carreira do tenista suíço