A acusação contra César Boaventura que não envolve o Benfica
“Comecemos pelo caso recente de César Boaventura. Com todo o respeito que o Ministério Publico [MP] nos merece, não concordamos com a acusação. Ou melhor, concordamos com tudo o que está lá, mas entendemos que falta uma peça central do puzzle. Ou seja, o MP está a acusar o mensageiro, mas não está a acusar o verdadeiro mentor e beneficiário de todo este esquema de crime organizado. Como tal, não é uma decisão tomada a quente, mas sim por todo o nosso gabinete jurídico: vamos pedir a abertura da instrução deste caso. Analisámos com muito cuidado todo o processo e de facto analisamos que o próprio MP reconhece que Boaventura tinha uma relação de grande confiança e proximidade com Luís Filipe Vieira, que falavam constantemente quer por telefone, quer SMS’s sobre assuntos do futebol e de outro tipo.
Também constatamos que o MP refere que César Boaventura tenta corromper quatro jogadores e que se os jogadores fizessem o que ele tinha oferecido, ia despender 480 mil euros. O MP considera que Boaventura, num hobby pessoal, sente-se na disponibilidade de gastar 480 mil euros para a sua equipa ganhar. Não faço ideia se queria que o Benfica vencesse o campeonato. Na cabeça de qualquer pessoa isto não faz sentido. Custa a acreditar que um empresário esteja na disposição de gastar 480 mil euros para o Benfica vencer um jogo. Inclusive, há uma escuta em que Boaventura diz a um jogador que o próprio presidente ‘está na disposição de te oferecer 40 mil euros se fizeres isto, isto e isto’. Está na acusação, diz mesmo o nome do presidente do Benfica. Achamos que neste processo o mensageiro está acusado, o principal beneficiário, neste caso Luís Filipe Vieira e a Benfica SAD, não estão. Achamos que é um erro, esperamos que seja corrigido. Isto é apenas um processo de vários que estão na ordem do dia.”
O papel de Rui Costa
“Acredito que o presidente Rui Costa não se tivesse envolvido e não sabia do que se passava, mas agora sabe. Penso que muito mais importante do que aquilo que dizemos é o que fazemos. Não basta dizermos que somos diferentes, temos de o mostrar. E muitas vezes são estas decisões ou não decisões, que nos marcam para a vida. Penso que independentemente do momento, esteja-se a ganhar ou perder, é preciso demonstrar com atos que somos diferentes. Discordo do presidente Rui Costa quando disse, num discurso qualquer há poucos meses, a apelar a todos os benfiquistas para se manterem imunes a todo este ruído exterior. Não é ruído exterior, é ruído bem interior e ensurdecedor. Não basta dizer que pensa o lado do bem, é preciso demonstrar. O que é preciso? O presidente Rui Costa sabe.”
Pode o Benfica ser castigado como a Juventus (menos 15 pontos na Série A) foi em Itália?
“Não quero aqui responder e desmoralizar milhões de pessoas que se levantam todos os dias e lutam para tentar chegar ao final do dia de cabeça erguida e tentar subir na vida. Quero acreditar que neste país a Justiça funciona, que não tem medo do impacto do clube ser grande ou pequeno, seja Benfica, FC Porto ou Sporting. Quero acreditar que a Justiça se faz lá fora. Quando olhamos e vemos a Premier League, vejo centenas de comentadores a dizer que ‘aquilo é que a liga’, mas não tem César Boaventura, não tem Paulo Gonçalves, não tem presidentes a corromper árbitros. Aquela liga é limpa. Não vale a pena preocuparmo-nos com direitos de centralização quando assobiamos para o ar e temos corrupção do pior do que há no futebol português. Quero acreditar que a Justiça tem força e coragem para fazer. Se o país não acredita na sua própria Justiça é muito difícil crescer aqui e ver os meus filhos crescerem aqui.”
O processo ‘Saco Azul’ e os ecos que vê com o caso Apito Dourado
“No caso do Saco Azul temos um clube onde há um esquema falso de faturas para libertar mais de €1 milhão em cash. Para emprestar de um amigo do anterior diretor financeiro do clube. Depois há pagamentos para um árbitro então ainda no ativo, Bruno Paixão. Para quê €1 milhão em cash? A Benfica SAD vai ser acusada de evasão fiscal. Mas para quê que era o dinheiro? Que a investigação não fique pela evasão fiscal. Ainda recentemente tivemos um clube, a Juventus onde foram retirados 15 pontos por evasão fiscal. Não foi por corrupção desportiva, pela qual desceu em 2006. Por manipulação de dados financeiros e evasão fiscal foram retirados 15 pontos e todos os administradores suspensos. O Sporting foi obviamente, e não interessa quem era o presidente da altura, uma das principais vítimas deste esquema criminoso. Desportivamente e do ponto de vista financeiro. O Sporting não se contenta e vai lutar na justiça por isto. Isto é um nojo, não há outra forma de o classificar. Um nojo não diferente do Apito Dourado, um nojo que não pode ter lugar no futebol português e que a justiça tem de limpar.
Espero que não haja clubite na justiça e não tenham medo. Não pode. Porque há 20 anos vemos uma das maiores vergonhas da justiça desportiva e não só. Continuamos a fingir que não existiram… aquelas escutas são reais. E há um presidente de viva voz a corromper árbitros e políticos. Não haverá um juiz que respeite e me faça convencer isto. Não vou mudar de opinião, seja condenado 2/3 vezes. Aquele senhor jamais poderia dirigir o que fosse do ponto de vista desportivo. Passado 20 anos, estamos a passar pelos pingos de chuva num caso vergonhoso.”