Rúben Amorim, qual dono de uma bola de cristal, lembrou esse jogo. De véspera, para ninguém esquecer. Há três anos, na estreia da Taça, o Sporting foi a Alverca, a casa de um clube que andou pela primeira divisão nos anos 90, mas que estava então no terceiro escalão. Precisamente como o Varzim, clube habituado a andar por ares mais rarefeitos da pirâmide do futebol português e que agora passeia pela Liga 3. A surpresa foi então grande, o Sporting perdeu por 2-0, nunca se encontrou, a vitória do Alverca chocou apenas quem não viu aquele jogo.
Este domingo, em Barcelos, casa emprestada do Varzim, o filme foi o mesmo.
O Sporting está fora da Taça de Portugal ao primeiro jogo, segunda derrota consecutiva, tombado por um Varzim organizado, que não só aproveitou a total falta de inspiração leonina como criou as suas próprias oportunidades, vencendo com justiça uma equipa perdida em campo, mesmo tendo Amorim não abdicado de muitos dos habituais titulares. O problema nem sempre será Esgaio ou jogar-se com menos um desde muito cedo. Às vezes, é mesmo não ter resposta para equipas que se fecham bem, um dos pecados do Sporting de Amorim.
É claro que entre esta derrota e o desaire de há três anos há diferenças. Esse Sporting de 2019 tinha Ilori, Idrissa Doumbia, Eduardo Henrique. Jesé jogou no ataque e o capitão foi Miguel Luís. Este Sporting não tem desculpas, mas os factos são dolorosos e transparentes como cristais: os leões são a oitava equipa da I Liga a cair na 3.ª eliminatória da Taça de Portugal e vão embora por demérito próprio, depois de um jogo pobre, com zero dinâmicas e onde apenas nos primeiros 15 minutos pareceram estar lúcidos.
Mas mesmo na 1.ª parte, já o maior perigo tinha rondado a baliza de Franco Israel. Pouco depois da meia-hora de jogo, o guarda-redes Ricardo Nunes, ex-FC Porto e que sabe o que é ganhar a Taça, com a Académica, viu Onyeka na esquerda, com o nigeriano a encontrar Joãozinho na área. O guardião uruguaio do Sporting foi essencial, atrapalhando o atacante do Varzim.
MANUEL FERNANDO ARAUJO
Com a frustração do Sporting, crescia o Varzim. À lentidão e previsibilidade da sua equipa, Amorim respondeu lançando Pote após o intervalo, mas pouco mudou: o Sporting tinha muita bola, mas não sabia o que fazer com ela. Sucederam-se os cruzamentos sem critério, os cantos mal marcados, um festival de falta de imaginação, talvez até de frescura mental, após semanas de grande insatisfação em Alvalade, com a dupla debacle com o Marselha e outras exibições insuficientes. E quanto mais bola, mais o jogo do Sporting foi empobrecendo, ficando mais estéril: não houve uma ocasião de golo digna desse nome, um momento de espanto, de frisson.
E nos intervalos do atabalhoamento leonino, o Varzim fez pela vida. Já depois de várias situações em que cheirou o perigo (Bruno Bernardo e Joãozinho estiveram perto de marcar), aos 70’ surgiu mesmo o golo. Na sequência de um livre lateral, Paulinho falhou o corte e o capitão João Faria estava no sítio certo para emendar, talvez com a coxa, talvez com o joelho, a anatomia aqui pouco importa.
Daí para a frente, aumentaram os níveis de desespero do Sporting. Amorim, no jogo aparentemente sem bola de cristal, lançou Rochinha e Jovane, que só vieram contribuir para o caos tático instalado, para as más decisões, até para uma simulação grosseira e infantil do ex-V. Guimarães dentro da área, que não ajudou a equipa, intranquila durante todo o jogo e perdida na reta final.
Posto isto, o resultado não poderia ser muito diferente. O Varzim segue em frente e o Sporting sai de cabeça baixa, numa das exibições mais desastrosas da era Amorim, que precisa rapidamente de uma vitória para sair desta espécie de buraco negro onde o Sporting parece estar cheio de vontade de entrar.