Quando os jogadores voltaram para o balneário, no intervalo, as estatísticas contavam uma história implacável: 71% de posse de bola para o Sporting (12-1 em remates e 20-1 em ações na área adversária). O jogo dos vice-campeões nacionais até estava fluído, os rapazes da casa iam encontrando maneira de furar o meio-campo do Desportivo de Chaves e levar a bola para onde tentaram sempre: o corredor lateral.
Depois, cruzaram. E cruzaram, cruzaram, cruzaram, como se lá houvesse um número 9 a salivar por meter a bola dentro da baliza. Não está. O ataque, moderno e líquido, contava com Rochinha (tão perto do golo, aos 38'), Marcus Edwards e Francisco Trincão, que veria Nélson Monte roubar-lhe um golo quase em cima da linha, aos 44’. Pedro Gonçalves, depois de algum debate público sobre se estara apto a substituir Matheus Nunes, foi mesmo recrutado para jogar perto de Manuel Ugarte no meio-campo. E foi dos pés dele, de Gonçalves, que saiu o real veneno da equipa de Rúben Amorim: dois grandes remates, duas grandíssimas defesas de Paulo Vítor, uma delas fez tilintar o poste esquerdo da baliza.

Gualter Fatia
Ou seja, o Sporting estava esmagadoramente por cima do jogo. Os visitantes não davam três passes seguidos e iam insistindo na bola longa. O problema dos cruzamentos é que seguiam longe da relva, para três ou mais homens que nem por isso são grandes cabeceadores ou homens com um killer instinct tremendo na área, como dizia antigamente José Mourinho. Parecia que o plano estava perfeito, ainda por cima com tanta gente na área, mas que o cruzamento não era efetuado da zona certa. Isto é, para causar real embaraço aos flavienses, teria de ser eventualmente sacado mais perto da linha e mais perto da baliza, para depois fazer-se um passe rasteiro para trás, convidando ao passe para a baliza.
Mas o Sporting ia revelando outros problemas, apesar de estar tão por cima. Citemos Tomás da Cunha, o cronista da Tribuna Expresso:
Curiosamente, depois do intervalo, houve mesmo alterações na defesa. Luís Neto, errante com a bola e a oferecer poucas soluções criativas (quando os centrais conduzem a bola, atraem a atenção dos médios rivais, soltando os colegas naquela zona), deu o lugar a Matheus Reis, que fez Gonçalo Inácio saltar para o lado direito. Na primeira ação do Sporting, Nuno Santos contou com o overlap, como se dizia noutros tempos, de Matheus Reis. Identificou-se então que faltava causar mais desconforto nos corredores e chegar mais à frente ou com mais vantagem.
Do lado do Desportivo de Chaves entraram, aos 46', Nwankwo Obiora, que no final do jogo Vítor Campelos garantiria que deu "mais estabilidade" ao meio-campo da equipa, e ainda Juninho Vieira, que ofereceu outra "velocidade".
Paulo Vítor e Adán tiveram de intervir no início do segundo tempo, a remates de Edwards e de Héctor Hernández (isolado como um náufrago numa ilha, que defesa do espanhol), lançado pelo mexido e atrevido Batxi, com um penteado a fazer lembrar Ibrahim Ba. Os cruzamentos sucediam-se do lado do Sporting, com Esgaio e Nuno Santos a insistirem nesta manobra. Apesar de tanta gente por dentro, e com tanta qualidade técnica, não houve ali criatividade suficiente para furar por dentro. Ou, lá está, atrair até poder servir com vantagem os alas.
Pouco depois de Morita entrar por Ugarte, o Chaves chegou ao golo, de uma maneira pouco provável. Batxi bateu o livre e Steven Vitória, de cabeça, conseguiu, a uma distância assinalável, fazer a bola sobrevoar Adán. O central canadiano celebrou fingindo bater uma tacada de golfe.
Mas o desastre caseiro não se ficou por aqui. Kevin, um homem que tratava de garantir a fiabilidade do trinco da porta do meio-campo flaviense, descobriu Juninho na frente e este, galgando metros de uma forma impressionante, superou a defesa leonina e meteu a bola na baliza, 2-0.

Carlos Rodrigues
A partir daqui, foi um desvario. Gonçalo Inácio foi dando sinais de instabilidade, chocando mais tarde até com Adán, num lance que ameaçou o 3-0 para os visitantes. Rúben Amorim, numa estratégia antiga, recuperou a fórmula Sebastián Coates a avançado quando faltavam 25 minutos para o final, o que é tremenda e assombrosamente intrigante a este nível, mesmo que tenha dado alguns resultados na época do título. Não só pela falta de soluções no banco, mas também pelo convite a mais cruzamentos ainda ou, pior, pela impotência e falta de ideias para mais. Ou, talvez, tratar-se-ia de um mero match entre o que havia sido produzido na primeira parte e agora um jogador adequado para o desafio aéreo. Mas a bola não entraria. O golo não caiu do céu, não chegou dos insistentes cruzamentos.
Jerry St. Juste entrou por Esgaio e Trincão, mais talhado para o drible e desequilíbrio, foi puxado para o lado direito, para servir com outra qualidade. Nesta altura, Pedro Gonçalves perdera toda a influência que demonstrara no primeiro tempo. Do lado do Desportivo, iam ficando na retina ações de Langa, o lateral esquerdo, Batxi, Benny e João Mendes. O lateral direito João Correia também somou boas intervenções.
Rodrigo Ribeiro, o miúdo da formação, entrou para o ataque do Sporting, numa altura em que o Chaves já era uma resistente muralha composta por 11 lutadores (seriam 10, após expulsão de Patrick, aos 90'+3). Paulo Vítor ia segurando ou sacudindo quase todos os cruzamentos e investidas dos caseiros.
Os mais de 30 mil adeptos em Alvalade estavam a prestes a testemunhar a segunda derrota consecutiva do Sporting, mas também a primeira vitória do Chaves naquele campo. Os leões somam quatro pontos em 12 possíveis e os assobios ouvidos no final do jogo lembravam isso mesmo. Resta saber como será a reação: haverá mexidas na ideia, nos protagonistas ou até haverá um derradeiro ataque ao mercado?