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A revisão da entrevista de Fernando Santos: Ronaldo não é “ele e mais 10”, a seleção “nada resultadista” e a porta aberta para Rafa voltar

A menos de uma semana de anunciar os 26 convocados para o Campeonato do Mundo, o selecionador nacional deu uma entrevista à “Sport TV” na qual também falou da lesão de Pepe, alongou-se sobre o seu caso com o Fisco e sintetizou-se acerca dos direitos humanos no Catar. E Fernando Santos garantiu que “a ambição natural” é lá ir em busca da conquista do Mundial

Diogo Pombo

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

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“Há um mês”, situou Fernando Santos, “estávamos a falar de uma questão completamente diferente”. A pergunta tocara no inevitável mamute intangível na sala, a mais previsível das questões. Cristiano Ronaldo é tema omnipresente, mas é-o hoje pelo seu inédito estado no Manchester United que só na última semana parece ter vindo a amainar: apenas seis jogos a titular em 15. Eram três em oito no final de setembro quando fez 180 minutos pela seleção contra a dócil Chéquia e a acessível Espanha, que se atreveu a arriscar em Braga e ganhou a Portugal para reclamar o lugar na fase final da Liga das Nações.

Não foi a questão inaugural, tão pouco a segunda ou alguma das cinco primeiras na entrevista da “Sport TV” ao selecionador nacional, de sexta-feira à noite, mas a atual engrenagem do abonador de 117 golos em 191 internacionalizações, e o estado a que chegará ao seu quinto Campeonato do Mundo, era tão certa de ser tema quanto o sol abrir a pestana ao dia seguinte.

Nesse derradeiro par de jogos oficiais pré-Mundial, as críticas rodearam o capitão da seleção e o selecionador. Mas a situação mudou “a partir do momento em que falou com o treinador [Erik ten Hag, do Manchester United], jogou a titular na Liga Europa e no campeonato”, defendeu Fernando Santos na entrevista. “Antes, podia-se colocar a questão de como estão os ritmos de jogo, devido à pouca utilização, [agora] essa questão coloca-se cada vez menos e, se continuar a jogar, ainda menos.” Depois de ritmos, porém, virá sempre a forma dos jogadores, o rendimento que apresentam, o que dão à seleção no campo. “Houve um momento com o Cristiano em que fiquei preocupado, se tivesse a treinar sozinho era difícil”, concedeu Fernando Santos, segundos à frente, quando o futebolista falado já era outro.

Algo, porém, diferiu e muito da toada e registo que eram quase dogmáticos no discurso público de Fernando Santos em outras primaveras, quando disse: “não me parece possível dizer hoje que há jogadores que são eles e mais 10”. Fernando Santos aplicou-o especificamente a Ronaldo, certamente presente na lista da próxima quinta-feira, depois de proferir a frase sobre Rafa, o mais destacado jogador português a jogar em Portugal esta temporada e o único internacional que não pode ser chamado.

Em setembro, o atacante renunciou à seleção por “razões do foro pessoal” no arranque de uma época na qual voa, com 11 golos e quatro assistências no Benfica, cheio de arranques explosivos, adversários tirados da frente num ápice e jogadas fomentadas a jogar ao centro do campo, entre linhas e atrás de um avançado - numa zona, num contexto e com um sistema que jamais encontrou na seleção nacional com Fernando Santos.

O selecionador garantiu à “Sport TV” que “não existem dossiers fechados” com ele, soprando o pó aos exemplos passados com Tiago e Ricardo Carvalho (retornados à seleção quando assumiu o cargo) e garantindo que, se o telefone tocasse e fosse Rafa a querer um tête à tête, “perguntava a hora e o local” para a conversa. “Estamos a falar de alguém que vem comigo desde 2016, sempre foi selecionado. Convoquei-o sempre em 2016, em 2019, em 2021 e em 2022”, explicou. Quando confrontado com a forma de Rafa e se, como tem jogado nos últimos meses, seria titular, o treinador retorquiu: “Este Rafa como está a jogar no Benfica e como jogou sempre”.

O advérbio não é o mais adequado ao jogador se aliado à seleção: tem 23 das 25 internacionalizações da carreira com Fernando Santos e 718 minutos jogados desde 2015, tendo sido titular apenas em sete partidas.

Thomas Eisenhuth/Getty

Os convocados e o jogar para ganhar

Em nada se alongou o selecionador quanto à presença de quem fosse na convocatória. Admitiu que “praticamente 90% das decisões estão tomadas” quanto aos 26 convocados a anunciar na quinta-feira, 10 de novembro, pelas 17h30. “São mais as certezas do que as dúvidas”, confirmou. Fernando Santos confessou temer a “imprevisibilidade das lesões” nos três jogos que faltam até à seleção entrar em estágio na Cidade do Futebol.

A única menção com um quê de calcificação é a de que três dos quatro defesas centrais que pretende levar já estarão “mais perto”. O restante ainda não sabe - e a pergunta surgiu após revelar que Pepe é “um dos casos” que a Unidade de Saúde e Performance da seleção continua “a monitorizar ao minuto”. Fernando Santos espera “não ter uma surpresa desagradável” e o central que terá 40 velas por soprar no bolo de aniversário em fevereiro está a ser “seguido com muita atenção”, com um “diálogo constante” com o FC Porto.

De um quarentão se pulou para os 18 anos de adolescência de António Silva, sobre quem o selecionador evadiu a pergunta, remetendo-se à divagação teórica sobre convocatórias e jogadores convocáveis - “ninguém virá à seleção por ser do empresário ou do clube A ou B” - antes de sugerir que o central do Benfica não terá de fintar a idade, lembrando como Renato Sanches tinha 18 anos quando, em 2016, se prolongou em campo durante o Europeu conquistado em Paris. Indo mais além no paralelismo, também o médio vivia a primeira época na equipa principal do Benfica.

Seja chamado quem for, esteja disponível quem tiver, Fernando Santos realçou à “Sport TV” a sina que atribuiu à seleção sob o seu comando: ter como objetivo conquistar o Mundial. “É o que todos desejamos, é a ambição natural, mal seria se depois das conquistas que tivemos não fosse essa a ambição. E fundamenta-se no mesmo pressuposto de quando cheguei cá, em 2014. Mantendo a mesma ambição, nada me leva a pensar o contrário”, explicou o selecionador nacional.

Para que tal seja um cortejo real, importará como se joga, ao contrário do gritado, entoado e celebrado naquela noite de Paris, em 2016, quando a seleção escalou ao cume da Europa. Confrontado com as críticas ao estilo de jogo de Portugal e a um eventual resultadismo, Fernando Santos defendeu que “não há treinador no mundo que não queira ganhar e sabe que, para ganhar, tem de jogar bem”.

Entre recorrer a exemplos do antigamente, apoiando-se, sem desenvolver o argumento, no número de centrais (apontou que a seleção joga com dois e o PSG com três) na linha defensiva das equipas para recusar a referida crítica - “não há aqui nada de resultadista, eu jogo com dois centrais para os dois laterais subirem bem, são todos ofensivos, como se pode dizer que somos uma equipa só resultadista?”.

O caso com o Fisco e os direitos humanos e o Catar

O calor tórrido e não inesperado no verão do Catar levou a FIFA a empurrar o Mundial calendário acima e a realizá-lo no inverno, em busca de temperaturas mais amenas nos termómetros do país onde milhares de trabalhadores migrantes já terão morrido. As críticas ao desrespeito do governo do Catar pelos direitos humanos são uma constante e o selecionador nacional, questionado sobre o tópico, evocou quem é e como é. “Pelas minhas convicções, toda a gente sabe qual é o meu posicionamento. Sempre fui um defensor dos direitos humanos, até pela minha convicção religiosa”, disse à “Sport TV”, assertivo no discurso.

Fernando Santos afirmou estar “perante um facto” de ir guiar uma seleção na fase final de um Campeonato do Mundo, “é nisto que se tem de centrar” e, depois, cada qual “se revê nos seus valores”. E o selecionador repetiu-se, enaltecendo a postura apesar da sucintez e de nem arranhar a superfície do tema em questão: “Os meus valores são incondicionalmente a favor dos direitos humanos”. As palavras surgiram no mesmo dia em que se conheceu uma carta enviada por Gianni Infantino, presidente da FIFA, às 32 seleções que jogarão o Mundial, apelando a que se dispensem a comentar assuntos cataris e se “foquem no futebol”.

Em 2021, uma contagem do “The Guardian” e da Amnistia Internacional estimava em 6.500 o número de trabalhadores mortos desde a atribuição do torneio ao Catar - não relacionados, obrigatoriamente, com a construção de estádios. Sobre as instraestruturas em específico, o treinador esteve no país “este fim de semana e está a funcionar bem, está tudo pronto”.

Sobre o seu caso com o Fisco e a Autoridade Tributária, aprofundou a sua defesa e explicação das divergências noticiadas, em maio, pelo Expresso, confessando que “dói muito” porque ouviu “muita mentira” e “distorce a opinião pública das pessoas”. Fernando Santos assegura que “não [foi] acusado de fraude fiscal” e afirma ter recorrido nos tribunais porque não lhe parece “legítimo, a algum português, pagar 80 e tal % de imposto”.