Patrice Lagisquet, selecionador nacional de râguebi: “Não podes subir o nível se trabalhas o dia inteiro e ainda tens um treino à noite”
19.03.2023 às 10h00
NUNO FOX
Tem 60 anos e está em Portugal há quase quatro porque dois amigos o convenceram a apresentar-se ao presidente da federação de râguebi. Teve de fazer um CV pela primeira vez na vida e, no dia seguinte, ligaram-lhe. Em entrevista à Tribuna Expresso, Patrice Lagisquet, o treinador que qualificou a seleção para o segundo Mundial na sua história, defende que a mentalidade do jogador português está a mudar e explica como o país pode “construir coisas” com o novo boom de atenção à modalidade, mas não sabe se continuará a ser selecionador após o torneio
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Há bastante luz, mas o sol semicerra a pestana da tarde, já não irradia no campo do Complexo Desportivo Nacional do Jamor onde restam três jogadores a investirem na sua relação com os postes. O canhoto Jerónimo Portela, médio de abertura, é um dos que pontapeia bolas ao alvo. Nas margens do relvado, sobre o qual se elevam bancadas de pedra, Patrice Lagisquet tem um boné branco a tapar-lhe a careca enquanto priva com outro jogador da seleção nacional na descontração de um final de treino.
Quando nos vê para lá da vedação, cruza a fronteira e aproxima-se, pergunta se está atrasado. Não senhor, há é um adiantar da hora e ele ri-se, pedindo que o sigamos com a naturalidade de um afável anfitrião que escancara o seu lar. É este francês, de 60 anos, que a seleção nacional seguiu a partir do verão de 2019 até à farra conseguida no Dubai, em novembro último, onde Portugal venceu o play-off de apuramento e conquistou a derradeira vaga para o Mundial. Pela segunda vez na história, os portugueses vão jogar o maior torneio de râguebi.
É já sentados num gabinete, com o seu portátil repleto de autocolantes e a descontração no ar de uma sala onde outros elementos do staff técnico estão a trabalhar, que Patrice Lagisquet gaba o potencial dos jogadores portugueses, rápidos, técnicos e velozes no carinho pelo jogo à mão que ele partilha - nos anos 80 e 90, era um ponta a quem “os ingleses” chamavam de “The Bayonne Express”, marcador de ensaios pela França que encantava pelo estilo de râguebi técnico que apresentou nos Mundiais de 1987 e 1991. “Sou muito feliz e sortudo por ter tantos jogadores capazes de o jogar”, confessa, sobre o talento que hoje trabalha para serem uma ameaça a cada bola em que logram acionar Rafaele Storti, Rodrigo Marta, Tomás Appleton ou Nuno Sousa Guedes.
São eles alguns dos talentosos da geração que, 16 anos contados, logrou colocar Portugal no segundo Mundial da sua história. Alguns filhos ou familiares dos autores da proeza de 2007, os nomes mudaram, mas uma flagrante evidência não: o râguebi ainda é amador no país, a seleção faz muito com pouco, a profissionalização uma miragem. “O râguebi português não estava preparado para receber todos os miúdos que chegaram aos clubes e ajudá-los a serem jogadores. Eram demasiados, não tinham estrutura, nem treinadores suficientes”, retrata Patrice Lagisquet do que sabe, viu e aprendeu desde que chegou à seleção. Haverá tempo para pensar na nova oportunidade de fazer do Mundial um trampolim oval.
No domingo (19h, Sport TV), a hipótese será a de vencer o Seis Nações B, na final que Portugal joga em Badajoz contra a Geórgia, a seleção europeia mais mordedora dos calcanhares da meia dúzia de países do continente que são matulões no râguebi. Haverá um reencontro no grupo do Mundial. “Sabemos que nos respeitam. Antes tinham a certeza que nos iam derrotar nos últimos 20 minutos dos jogos porque eram mais poderosos, agora percebem que é diferente”, vaticina o selecionador, que tem o seu objetivo bem presente - dar “as condições” para os portugueses “jogarem ao seu melhor nível” e estarem entre as 15 melhores seleções do mundo.
Como foi a festa no Dubai, depois de garantida a qualificação contra os EUA?
A festa foi boa, divertimo-nos, mas acabámos talvez mais cedo do que esperávamos. O sítio onde fomos fechou às 3h da manhã, mas sei que alguns jogadores descobriram outro que só fechava às 6h [ri-se]. Mas, para o staff, já chegava.
Antes de assumir o cargo de selecionador, o que conhecia do râguebi português?
Não conhecia bem o campeonato, sabia que tinha defesas rápidas com capacidades e que estava a fazer coisas incríveis no râguebi de praia, a jogarem e a placarem na areia, porque uma vez vim com a seleção basca a Cascais, jogámos na praia e foi o râguebi mais difícil que alguma vez tentei na vida. Em França, quando jogamos na praia é touch râguebi, sem placagens. Mas antes de aceitar vir, sabia que o râguebi português se tinha qualificado para o Mundial de 2007, quando eu treinava em França e trabalhei como consultor para o L'Équipe. O importante para mim foi saber que havia muitos bons e jovens jogadores, além de vários outros com potencial que jogavam em França e tinha um pai, avô ou bisavô português. Sabia que podíamos construir uma equipa forte.