O antigo campeão do mundo, Steve Thompson, admite: “Desejo nunca ter jogado râguebi”. O ex-internacional inglês venceu o Mundial de 2003, mas não se lembra de ter lá estado. Thompson sofre de demência precoce.
A confissão do antigo atleta surge numa altura em que a Universidade de Glasgow publicou um estudo que afirma que os antigos internacionais de râguebi estavam sujeitos a um risco dramático de sofrerem de demência, Parkinson ou doença neuronal motora, o que coincide com as últimas pesquisas feitas no futebol e no futebol americano. Os problemas cerebrais no râguebi estão a ser formalmente investigadas e os autores dos diversos estudos pedem medidas urgentes.
Na quarta-feira, Thompson descreveu à “BBC” o impacto da sua doença degenerativa no dia-a-dia: “Eu diria que não, não valeu a pena, porque preferia não ser um fardo para a família. (…) Tem havido um problema, a andar por aí, mas agora rebentou. Tive três pessoas a contactarem-me no último fim de semana, estão com problemas, a divorciar-se”.
Em janeiro de 2020, fez-se uma primeira intervenção em relação ao futebol, depois de se ter descoberto que antigos profissionais tinham 3,5 vezes mais probabilidades de sofrer de uma doença cerebral degenerativa, com ainda mais tendência no caso da doença de Alzheimer. Tendo em conta a doença neuronal motora, as hipóteses são 15 vezes maiores em antigos jogadores de topo.
“Já não é possível ignorar este problema que ameaça vidas e as suas ramificações nos desportos de contacto. O râguebi está agora ao nível do futebol nos desportos que podem causar lesões cerebrais”, disse Judith Gates, fundadora da organização Head for Change. Com Dawn Astle, a cientista alertou o Conselho das Lesões Industriais, um organismo independente que reporta diretamente ao governo britânico.
“Em 1995, com o início da era profissional, com um aumento de impactos nas cabeças, (…) é difícil prever quantos incidentes e subsequentes doenças cerebrais vão aumentar em estudos vindouros”, diz Gates, que deixa um aviso: “Os organismos responsáveis pelo desporto têm de cumprir o dever de cuidar dos jogadores. Amanhã será tarde demais para os jogadores de hoje”.
Richard Boardman é advogado e lidera um processo contra a World Rugby. Para Boardman, “o problema das lesões cerebrais traumáticas no desporto está numa escala epidémica e é uma ameaça existencial a todos os níveis, seja elite, amador ou juvenil”.
Eanna Falvey, responsável clínica da World Rugby, argumentou que o organismo investiu mais de 10 milhões de euros em estudos e estabeleceu um grupo de trabalho independente para avaliar novas pesquisas e potenciais alterações ao jogo. “Vamos continuar a trabalhar na tentativa de tornar o nosso desporto o mais seguro possível para jogadores de todos os níveis”, garantiu.