Jack Dunne, 23 anos, 1.90 m de altura, é o reforço mais sonante dos Exeter Chiefs, equipa da Premiership, o campeonato inglês de râguebi. Pouco ou nada dirá, mesmo a quem segue a modalidade, mas a importância de Dunne é outra e poderá vir a marcar uma nova era no desporto: quando se estrear pelo clube, será o único jogador abertamente não-hétero da liga.
Antes de Jack, dois jogadores de râguebi marcaram a modalidade pela sua sinceridade ao assumirem-se como gays: Gareth Thomas e Sam Stanley. A eles pode juntar-se o árbitro Craig Maxwell-Keys. Dunne assume a sua admiração por estes nomes, e promete usar a sua atitude para ajudar outros atletas com dificuldade em assumir a sua sexualidade.
“Esperemos que, quando houver mais uma ou duas pessoas [assumidas], comece a sentir-se que isto é algo que elas podem dizer sem ser nada de especial”, disse o atleta, que se assume como bissexual, à BBC Sport. “Para outros homens que sejam gays ou bissexuais, será bom ver pessoas como eu e, esperemos, isso dar-lhe-á alguma confiança para serem capazes de ser quem são”, completou Dunne, antes de avisar: “Se as pessoas me insultarem, isso é problema delas”.
Recentemente, o antigo colega de equipa de Dunne no Leinster, da República da Irlanda, Nick McCarthy, assumiu a sua homossexualidade. O jogador do Exeter diz que foi bastante mais complicado abrir-se com a família do que com os companheiros de balneário. “Nenhum dos meus colegas, no Leinster, teve qualquer problema com isso, todos me apoiaram, não foi nada que me preocupasse muito”, contou, acrescentando: “Eu convivia bem com isso [a bissexualidade] há cerca de cinco anos, por isso não foi uma grande coisa assumir-me publicamente”.
Jack não se importa de ser visto como exemplo, mas quer ser julgado apenas como jogador de râguebi. O seu novo treinador, Ali Hepher, tem-se mostrado impressionado com as capacidades do atleta: “Ele tem estado fantástico com o grupo e eu gosto verdadeiramente de o ver a correr e a treinar e jogar”.
Ao longo dos anos, o râguebi britânico tem tido alguns jogadores assumidamente LGBTQI+. Pelo contrário, o futebol inglês tem apenas um: Jake Daniels, 17 anos, atleta do Blackpool. O jovem assumiu-se publicamente em maio e foi o primeiro a fazê-lo desde Justin Fashanu, em outubro de 1990. Dunne admite que ficou impressionado com a coragem de Daniels, num desporto com poucos nomes LGBTQ+ que sirvam de inspiração.
“Foi muito corajoso da parte do Jake, uma vez que o futebol é provavelmente um pouco mais conhecido pelo abuso por parte dos adeptos, por vezes passando das linhas, por isso tenho muito respeito pelo que o Jake fez”, disse Dunne, que prosseguiu: “Eu encorajaria todas as pessoas a serem elas próprias, e se for certo ou não para elas assumirem-se profissionalmente, devem ser elas a decidir. (…) Nalguns círculos, [assumirem-se publicamente] pode não ser a decisão mais inteligente”.
A Tribuna Expresso falou com Filipe Gaspar, da gentopia - Associação para a Diversidade e Igualdade de Género, co-organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+ do Porto. O ativista recebe a notícia com alguma felicidade: “Fico contente por Dunne ter sido bem recebido pelos colegas. O desporto é um meio mais fechado. Claro que há sempre as microviolências da parte do público”.
Gaspar admite que é preciso coragem para assumir a bissexualidade em particular: “A bissexualidade é um bocadinho invisível. É muito confundida com uma heterossexualidade ou uma homossexualidade mal resolvidas. Mas existe em grande escala”.
“Nestas situações, há também perigos para os clubes que contratam atletas LGBT, como é o caso, pois podem perder patrocínios e mesmo adeptos”, acrescenta o membro da gentopia, que vê a situação como um contributo positivo para o futuro, e não apenas na competição desportiva.
“É importante para que o desporto seja mais inclusivo. É este o caminho, até para que o público perceba que a comunidade LGBT pode contribuir de forma positiva em todos os setores da sociedade. Dunne está num lugar privilegiado e pode ajudar outros atletas. Vão-se abrindo caminhos para que estas saídas dos armários sejam normalizadas. No desporto, tal como nas artes, encontramos exemplos a seguir”, concluiu Filipe Gaspar.