Não deveria, mas os períodos eleitorais tendem, por defeito, a levar à tona coisas menos estimáveis nos humanos. Como pingos de azeite que se isolam se deitados em água, a corrida por um cargo de poder pode arrastar as pessoas para a lama com maior frequência do que raridade. O burburinho a envolver André Villas-Boas em rumores de querer ser presidente do FC Porto é antigo, quando em outubro assumiu essa intenção à Tribuna Expresso antes de tornar oficial a candidatura já se esperava que o fizesse e ele, em janeiro, dizia ao que ia: “Queria marcar esta candidatura e campanha pela positiva. Entrar num bate-boca dessa natureza não valoriza o FC Porto.” A intenção do treinador foi de pouca dura, não sendo a culpa apenas dele.
Desde então, a troca de bicadas e críticas em rajada têm-se sucedido entre o vencedor de quatro títulos pelos dragões em 2010/11 e Jorge Nuno Pinto da Costa, com os pudores a minguarem progressivamente. Com o tempo, Villas-Boas foi falando num clube que vive “por gratidão” a uma “gestão sem nexo”, que parece “um quintal” com “galinha dos ovos de ouro” para algumas pessoas e está a ser “tomado” por um “nevoeiro denso” e onde se cometem “atos bárbaros de gestão”; do outro lado, quiçá com maior afinco e regularidade, o presidente com 42 anos de cargo ia dizendo que o ruivo técnico é “suportado por inimigos” do FC Porto, que “não basta dizer que se sonhou com cadeiras de sonho que hoje pode estar ali e amanhã acolá” ou “sem ter nenhum segurança” a acompanhá-lo quando apresentou a candidatura, esta uma bicada de deselegância.
Porque quando Villas-Boas assumiu a sua candidatura ou já muito se falava nela, o muro da sua moradia foi vandalizado e o vigilante do condomínio agredido, que o levou a contratar segurança privada. Têm sido meses de cedência ao bate-boca público, inicialmente a evitar, ao qual Pinto da Costa, ainda na semana passada, acrescentou um “vai chamar pai a outro” durante a apresentação do “Senhor Presidente - O Campeonato de uma Vida”, documentário em que o ‘adversário’ eleitoral surge a dizer que em tempos escreveu a presidente como nunca o fez para o próprio progenitor. Até que esta quinta-feira, quase a um mês das eleições, o perecer da vida entrou na campanha.
Quem lhe abriu a porta foi André Villas-Boas, em entrevista ao “Público” e à “Renascença”, ao dizer que Pinto da Costa “não está em condições de presidir mais quatro anos ao FC Porto”. Ao desconstruir a frase, entendeu-se o seu ponto: “Parece-me cada vez mais evidente que algumas pessoas, de certa forma, se estão cada vez mais a aproveitar da debilidade do presidente e, digamos assim, da sua incapacidade actualmente. (...) O que se avizinha no FC Porto pós-2024 é uma linha de sucessão direta para um dos seus vice-presidentes, pessoas essas que vão ser apresentadas a dez dias das eleições e ficaremos a conhecer essa linha de sucessão direta que parece estar presente.” Resumindo as entrelinhas, Villas-Boas falou da idade de Pinto da Costa e do dia em que a sua saúde o possa impedir de exercer o cargo que hoje ocupa.
Aos 86 anos e a tentar a eleição para um 16.º mandato, o presidente dos dragões responderia no próprio dia em que as declarações do treinador foram conhecidas. Na quarta-feira, meras horas depois, Pinto da Costa reagiu numa ação de campanha. “Hoje, o candidato, o sr. Villas-Boas, disse que eu estava cansado, que estava gasto, que era uma candidatura para sair e fazer de um dos meus vice-presidentes um presidente”, disse. “Eu não sei se estou gasto, mas ainda falo para vocês sem precisar que me digam o que vou dizer e sem estar com o dedo a seguir linhas”, ripostou, perante os jornalistas, ao abraçar o tema sem hesitações.
Pinto da Costa explicou que “enquanto Deus” lhe “der vida” não se importa “de lugar sempre pelo FC Porto”. A 27 de abril, um sábado, haverá as eleições - em que o empresário Nuno Lobo é o terceiro candidato - e o presidente portista deixou uma garantia: “Se tiver que morrer durante um mandato, para mim não é um problema. O problema é que o FC Porto seja dos sócios, continue a ganhar.”
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