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Duarte Gomes

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

No golo anulado a Toni Martínez frente ao Arouca, a bola vem de um adversário. E porque é que esta foi uma boa decisão do árbitro?

Duarte Gomes explica o lance aos 73 minutos do FC Porto-Arouca de quarta-feira, em que Toni Martínez marcou, mas viu Tiago Martins anular-lhe o golo, mesmo que a bola tenha vindo do pé de Sylla. As regras mudaram para esta época e o antigo árbitro internacional explica porque é que esta jogada é ilegal

Duarte Gomes

Quality Sport Images/Getty

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Tentem lembrar-se do golo anulado ao FC Porto (jogo de quarta-feira no Dragão, com o Arouca, para a Liga Bwin), marcado por Toni Martinez.

O lance aconteceu ao minuto 73 e foi mais ou menos assim:

- Pepê estava com posse de bola mas não a passou para a frente, onde estava o espanhol em posição irregular. Tocou-a lateralmente, surgindo aí o pé de Sylla (tentava o corte) a desviá-la na direção do adversário.

Aparentemente o lance teria tudo para ser legal: o último passe tinha sido feito por um defesa e não pelo colega de equipa, logo a posição de fora de jogo não devia ser sancionada.

Mas a verdade é que isso mudou recentemente e é importante que as pessoas tenham noção disso.

A razão pela qual IFAB e FIFA decidiram clarificar este tipo de situações deveu-se ao aparecimento de lances com maior maior visibilidade, como o do golo validado a Mbappé no jogo com a Espanha (Liga das Nações) ou o anulado a Benzema na final da Champions League (contra o Liverpool). As duas decisões geraram alguma controvérsia e muito ruído, não ficando claro o que era um toque intencional ou um desvio acidental no defesa.

Assim, no final da época passada (e com efeitos práticos a partir desta), foi publicado um esclarecimento com os fatores que se deve ter em conta para determinar a diferença entre "ressalto" e "passe deliberado".

Para que nos situemos, a letra da lei determina o seguinte:
- Se a bola resvalar/ressaltar num defesa e seguir para o adversário que está em fora de jogo, o lance tem que ser punido como tal (conta o toque anterior, do colega do avançado);
- Se for tocada/jogada deliberadamente pelo defensor e só depois seguir para o adversário, deixa de haver irregularidade (segue jogo).

O que dizem então as novas instruções?

Para que se considere que um jogador tocou/jogou "deliberadamente", é necessário que ele tenha ou possa ter o controlo da bola ao passá-la para um colega, ao ganhar a sua posse ou ao jogá-la com os pés ou com a cabeça.

Na prática, um defesa só joga a bola de forma deliberada quando se enquadra nos critérios ali designados. Sempre que isso não acontecer, considera-se que houve um mero desvio ou ressalto no corpo, não um passe intencional.

IFAB e FIFA foram ainda mais longe, indicando que os árbitros devem considerar:

1 - A distância da bola e o facto do jogador ter visão desimpedida da jogada (ou seja, o facto da bola vir de longe e o jogador poder acompanhar visualmente o seu movimento, torna mais forte a possibilidade de a jogar deliberadamente);

2 - A previsibilidade da direção da bola (se for uma bola inesperada ou imprevisível, é provável que ele não a toque/jogue de forma deliberada);

3 - A velocidade da bola (quanto mais rápida, menor a hipótese de a jogar deliberadamente; quanto mais lenta e expetável, maior a possibilidade de a tocar/jogar intencionalmente);

4 - O tempo que o jogador teve para coordenar os seus movimentos (ou seja, se não tiver tempo de pensar e agir, de comandar os seus gestos e movimentos corporais para abordar o lance, não se considera que jogou a bola de forma deliberada).

Como se percebe, estas indicações acabam por "proteger" a equipa que defende em matéria de fora de jogo:
- Quando a bola toca em último lugar no defesa, o avançado só não é sancionado se ele tiver tempo para reagir, para ver a bola partir, para antecipar a forma de a jogar, para coordenar os seus movimentos e perceber como quer abordar o lance, etc).

Qualquer contato que não ocorra nessas condições, será sempre considerado como casual (o que implica a punição do adversário por fora de jogo).

Tendo em conta esta informação, revejam o lance em apreço e pensem: a equipa de arbitragem tomou ou não tomou a única decisão possível?

Sim, tomou. À luz destas recomendações (mandatórias), o fora de jogo foi bem assinalado.
NOTA - Aceitar é uma coisa, concordar é outra, mas isso são contas para outro rosário.