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No banco com os misters

O Tondela na vanguarda do futebol: “Agora temos uma 'videowall' para os treinos. Quando cheguei, nem câmara de filmar havia”

Na verdade, como o próprio admite, "o departamento de análise do Tondela é o Ricardo Alves". Mas foi este analista de 27 anos, que vai para a quarta época em Tondela, que montou uma 'videowall' para a equipa utilizar nos treinos, à semelhança daquela com que Julian Nagelsmann surpreendeu o mundo do futebol quando estava no Hoffenheim. Apreciador da análise minuciosa do jogo desde adolescente, Ricardo é um verdadeiro faz-tudo e ri-se com as provocações dos colegas: "'Eh pá, ó Ricardo, como é que fazes isso tudo?' Estou com a mão direita a segurar a câmara, com a mão esquerda no computador e com o auricular para transmitir informação lá para baixo. Faz-me estar mais preparado para o futuro"

texto Mariana Cabral e fotos Rui Duarte Silva

RUI DUARTE SILVA

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Tendo em conta que foi ele um dos primeiros a montar um ecrã assim para os treinos, imagino que sejas fã de Julian Nagelsmann.
[risos] Sim, sou fã, particularmente pelo aproveitamento da tecnologia no mundo do futebol, de modo a alcançarem os melhores resultados possíveis, tanto a nível individual, de desenvolvimento dos jogadores, como a nível coletivo, neste caso cumprindo o objetivo do jogo, que é ganhar jogos. Porque, cada vez mais, sabemos que os analistas, além do conhecimento do jogo, têm de ter outro domínio, que é o da parte tecnológica, para saberem utilizar e desenvolver as mais diversas técnicas em prol do jogo da equipa.

Foi da videowall que Nagelsmann montou no Hoffenheim que surgiu a ideia de fazer o mesmo no Tondela?
Sim, foi. Já andava há algum tempo a pensar como poderia fazer algo do género, por curiosidade e por querer inovar, procurar fazer algo mais. Mesmo quando conseguimos trazer uma coisa nova, já estamos a pensar em trazer outra coisa nova. Sempre quis perceber como é que eles fizeram e como conseguem inovar. Ok, se calhar não temos as melhores condições para ter algo exatamente igual, mas como é que podemos adaptar e fazer algo similar? Conseguimos pôr mãos à obra e pôr a ideia em prática.

É a mesma ideia, mas em termos práticos é diferente?
Claro que tem algumas lacunas, porque não é uma verdadeira videowall, mas funciona, dá para utilizar. A ideia está lá e com o tempo penso que conseguiremos desenvolvê-la ainda mais.

Foi necessário convencer a direção, pelos custos associados?
Basicamente isto é um reaproveitamento. O maior custo para o clube foi colocar ali o ecrã, anteriormente, porque é ali que passa o resultado e publicidade durante o jogo. Ou seja, o clube teve esse custo quando colocou o ecrã, mas agora, para utilizar para o treino, não teve quase custo nenhum. Só mesmo algumas ferramentas específicas. Como é que posso fazer a análise ao vivo do treino para depois aplicar? Esses softwares de análise de jogo, esses sim, já têm um custo.

Qual utilizam?
Nós utilizamos o Angles, neste momento, mas há o Sports Code, o NacSport e o velhinho Longo Match, que toda a gente conhece, pelo menos no mundo do futebol. E depois há outros softwares como o Coach Paint, que serve para fazer aquelas animações, para tornar o vídeo mais atrativo e para identificar melhor os comportamentos da equipa.

Esse que utilizam, o Angles, é de codificar o jogo?
Sim, exatamente, é para análise. E depois também utilizamos o Coach Paint, para fazermos as animações mais dinâmicas.

Para cumprir as tuas funções, servem?
Sim, estão ótimos. Lá está, isto vai ao encontro da questão de há pouco. Vou para o meu quarto ano aqui e quando comecei em Tondela...

O que é que havia nessa altura?
Pois, não tínhamos nada. Eu é que tinha de trazer o meu computador, usava o Longo Match, que na altura era gratuito, e para montar os vídeos usava, por exemplo, o Movie Maker ou o Adobe Premiere. Nem câmara de filmar havia. A que havia era a do diretor de comunicação da altura, que tinha tempo limite de utilização, porque depois do jogo ele precisava dela para filmar a conferência de imprensa. Agora obviamente nota-se grande evolução: temos um computador para a análise, temos programas de análise e animação, temos uma torre de observação no campo de treinos, temos a nossa videowall para os treinos e temos análise ao vivo, que antes não fazíamos, portanto agora ao intervalo o treinador tem clipes de vídeo se quiser mostrar.

Ele vê os clipes e decide?
Sim. Na época passada, tinha um adjunto ao meu lado e ele saía antes do intervalo para preparar as coisas no balneário para o treinador ver. Nós já filtrávamos a informação, porque sabemos que o tempo é escasso e temos de apresentar coisas concretas ao treinador para ele decidir se quer apresentar algo à equipa ou a um grupo de jogadores, a nível setorial ou a nível individual.

Têm uma televisão no balneário para mostrar as imagens?
Olha, nos jogos fora estamos sempre dependentes do balneário visitante. Em casa, sim, tínhamos tudo montado, com um projetor e uma tela, para mostrar a informação caso o treinador achasse necessário.

Lembras-te de alguma situação em que isso tenha acontecido?
Mostrámos uma ou outra vez. Claro que isto depende sempre de treinador para treinador. Mas o que mostrávamos mais ao intervalo era a informação para o treinador, para aclarar as ideias dele, antes de falar com os jogadores.

Apresentar essas imagens aos jogadores era mais raro?
Sim, foi muito mais raro. Também tínhamos o envio de informação com o jogo a decorrer, ou seja, comunicávamos com o banco do ponto em que estamos no estádio, para eles terem mais informação. Como estamos noutro patamar, a visão é diferente.

RUI DUARTE SILVA

Aqui em Tondela a perspetiva nem é muito elevada.
Não, há outros estádios em que há melhor perspetiva. Mas estamos em constante comunicação com o banco, a transmitir informação sobre determinadas ações do jogo. Depois são eles que decidem o que fazer com essa informação.

Consegues fazer uma análise com base numa transmissão televisiva, que habitualmente tem um ângulo mais fechado?
Há transmissões e transmissões, há umas que têm uma boa perspetiva e há outras em que há mais dificuldades. O que nós, analistas, fazemos, já que nos conhecemos uns aos outros e temos os contactos dos colegas, é ligar a pedir as gravações em plano mais aberto, para termos uma visão mais global do jogo. Fazemos isso sem problema.

A utilização desta videowall é feita numa perspetiva mais estratégica, para mostrar o adversário? Imagino que não treinem aqui no estádio muitas vezes.
Normalmente vínhamos um ou dois dias, quando era a parte mais estratégica. Infelizmente acabámos por aplicar pouco a tela, porque também só a tivemos numa altura pós quarentena de covid. Ou seja, nos primeiros jogos ainda tivemos intervalos de semana a semana, mas depois o calendário apertou. Nós tentámos aplicar nesses primeiros jogos em que tínhamos mais tempo de preparação.

Qual foi a primeira vez?
Foi na semana do jogo contra o Sporting [o Tondela perdeu 2-0 em Alvalade]. A partir daí passou a ser mais complicado, tendo em conta o espaço temporal e também a nossa situação no campeonato, porque aí as coisas já passaram por uma parte mais motivacional e de gestão de grupo e da informação que íamos dar ao grupo.

O que mostraram então nessa semana antes do jogo com o Sporting?
Na verdade tentámos mostrar no jogo anterior, contra o Aves, mas na altura em que foi, em que o tempo estava muito quente e com muito sol, verificámos que a nível da luminosidade do ecrã havia problemas de visualização. Tivemos de fazer pequenas alterações ao nível das definições do ecrã e depois na semana do Sporting já estava tudo pronto. Aí mostrámos alguns pormenores a nível de bolas paradas, durante o treino. Acabámos por perder contra o Sporting.

RUI DUARTE SILVA

Pronto, só se pode concluir que o ecrã não funcionou.
[risos] Não é bem isso...

Estou a brincar.
Sim, claro. Mas o que digo é que depois o tempo de preparação ficou cada vez mais curto e o campeonato a acabar. Para não estar também a sobrecarregar os jogadores, quisemos libertá-los de demasiada informação, para gerir bem o grupo.

Qual foi a reação dos jogadores nessa primeira experiência com o ecrã?
No início pareciam um bocado... Ficaram ali parados a olhar, a estranhar um bocado. Mas foi bom, porque foi uma novidade. Alguns deram os parabéns. Para mim foi um motivo de orgulho, foi o alcançar de algo novo. Acho que temos de ser assim no trabalho, temos de querer sempre inovar. Trazer isto para aqui foi muito bom. Dá para ver o passo que demos em relação aos anos anteriores, quando não tínhamos uma câmara específica, não tínhamos uma torre de observação, não tínhamos softwares e agora temos uma videowall. Acho que é muito bom, é dar um grande passo em frente.

O departamento de análise do Tondela é o Ricardo Alves?
[risos] Sim. Quando cheguei ao clube, foi com o objetivo de criar esse departamento. O departamento foi criado, mas, para já, é só mesmo uma pessoa, que sou eu. O departamento de análise é o Ricardo Alves [risos].

Como é que vieste parar ao Tondela?
Em 2016... Pronto, é aquela coisa: nós estudamos, fazemos a nossa formação académica e depois pensamos: "Então e agora?" Sou de Coimbra, portanto estudei em Coimbra, na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, tirei a licenciatura em Ciências do Desporto e Educação Física e depois segui a especialização em treino desportivo, na mesma faculdade, com especialização em futebol, na análise do jogo. Nesse ano acabei a minha tese de mestrado a pensar: "E agora?". Andava sempre atento às propostas de emprego, normalmente mais no estrangeiro, onde há mais oferta e divulgação. Na altura, também tinha falado com um professor da faculdade, o professor doutor Ricardo Rebelo, porque ele estava num clube do Campeonato de Portugal, como treinador de guarda-redes, e explicou-me como funcionava lá a análise, porque talvez houvesse possibilidade de ir lá fazer esse trabalho. Mas, passado alguns dias, ia haver uma conferência de guarda-redes bastante conhecida em Poiares e ele disse-me que iria lá estar o treinador de guarda-redes do Tondela, que era o mister Pedro Jorge, com quem ele se dava muito bem e que lhe tinha dito que o Tondela não tinha ninguém para a análise e observação. "Há aqui uma janela de oportunidade, portanto faz um projeto, mete o trabalho que tenhas feito, em disco e em papel, e entregas tudo em mão", disse-me ele. E foi o que fiz. Por acaso já estava inscrito nessa conferência, fui lá e entreguei as coisas em mão. Passado uma ou duas semanas, a época até já tinha começado, entrou em contacto comigo o mister Nuno Pereira e o mister Petit, que estavam na altura no Tondela, e eu vim cá. Fiz um jogo amigável, entreguei o trabalho, eles voltaram a chamar-me e mantive-me no clube, a partir daí. Depois o mister Petit saiu, entrou o mister Pepa, em 2017/18, e, no ano seguir, em 2018/19, saí para o Campeonato de Portugal, para o Oliveira do Hospital, comandado pelo mister Miguel Valença.

Saíste para o Oliveira do Hospital porque querias ter mais trabalho de campo?
Não, na altura foram decisões que não dependeram só de mim. Basicamente foi por isso.

No Oliveira do Hospital eras adjunto?
Sim, era o braço direito do Miguel Valença, mas também tinha a responsabilidade da análise de jogo. Mas claro que estava muito mais no terreno. Tivemos uma grande época, fomos considerados uma das sensações. Era uma equipa que tinha vindo do distrital e fizemos uma grande época, ficámos em 6º, também fizemos um bom registo sem perder.

Antes de entrares no Tondela já tinhas experiência no treino?
Sim, sim.

Faz-te falta a intervenção no treino ou preferes estar na análise?
Claro que a minha formação é como treinador. Na universidade não nos formam especificamente como analistas ou treinadores de guarda-redes ou o que seja. Formam treinadores e depois nós, tendo em conta o nosso gosto, vamos para uma ou outra coisa. Comecei ligado ao treino nos escalões de formação, ainda tinha 18 ou 19 anos.

Mas sempre tiveste o gosto pela análise?
Sim, sempre tive o gosto pela análise. Antigamente os jogos da Champions e da antiga Taça UEFA, e mesmo alguns da Liga portuguesa, eram em sinal aberto, então lembro-me de ver os jogos todos que podia. Na altura era futebol quase toda a semana e o que é que eu fazia nessa altura: pegava num bloco de notas e ia fazendo o que achava ser a análise de jogo.

Com quantos anos?
Já não sei bem, mas lembro-me que já estava no secundário. Lembro-me de ver o Arsenal do Wenger, o Barcelona do Guardiola, o United do Alex Ferguson - esse eu seguia sempre -, o Inter do Mourinho, o Real do Mourinho... Talvez tivesse 15 anos.

RUI DUARTE SILVA

Um analista é um treinador que analisa através do vídeo?
Sim, é um treinador mais vocacionado para a análise do jogo. Claro que agora tem de ter, além da sua formação de base, conhecimento tecnológico. Lembro-me de ter ouvido o Tiago Leal, analista do Paulo Fonseca, a falar sobre isto: não só tem de conhecer o jogo, mas também o treino, a comunicação - para transmitir a informação necessária aos treinadores e também aos jogadores, caso seja necessário também - e a área da tecnologia, porque é necessário dominar os softwares de análise.

O que é codificar um jogo?
Codificar um jogo é, basicamente, cortar o jogo por clipes, em cada momento do jogo: organização ofensiva, organização defensiva, transições defesa-ataque e ataque-defesa, e esquemas táticas.

Isto durante o jogo?
Sim, durante o próprio jogo.

Então o teu guarda-redes sai a jogar e tu...
[interrompe] Inicio a organização ofensiva. Neste caso tenho de carregar numa tecla chave que já tenho programada. Isto é um bocado... [risos] Eu rio-me por causa do que os colegas das outras equipas me dizem. Eles olham para mim: "Eh pá, ó Ricardo, mas como é que tu fazes isso tudo?" Estou com a mão direita a segurar a câmara, com a mão esquerda no computador para cortar os vídeos e depois ainda estou com o auricular para transmitir informação lá para baixo [risos]. "Estás aí a fazer o trabalho que no nosso departamento se calhar é feito por três pessoas." É assim, tem de ser e sinceramente isto faz-me estar completamente preparado para as coisas. Tento ser o mais objetivo e o mais prático possível para fazer isto bem. Se calhar o que me parece difícil no início da época, para me habituar ao ritmo de trabalho, depois com o passar do tempo chega a ser uma coisa normal. Se calhar para quem vê de fora não é, porque faço a análise do adversário, a análise da própria equipa, caso o treinador a peça, a análise no dia do próprio jogo, depois também há os compactos de vídeo com cinco ou seis clipes, com aquelas animações, que são apresentados aos jogadores, depois ainda há os relatórios individuais dos jogadores do próximo adversário... Se calhar as pessoas ficam admiradas, mas para mim parece-me algo normal. Faz-me estar mais preparado para o futuro.

Que conselhos podes dar a quem não esteja no futebol profissional e queira fazer análise de forma mais pormenorizada?
Mesmo falando em equipas que não são profissionais, acho que a partir do momento em que há uma câmara, há um conjunto de possibilidades que se abrem. Há programas gratuitos na internet, é uma questão de se procurar. Por exemplo, quem tiver um computador Windows, sabe que tem uma ferramenta que é o editor e aí consegue-se cortar um vídeo ou até agrupar vários vídeos num único vídeo. Dá para fazer animações também, mas claro que aí é um processo mais moroso, porque se calhar é preciso fazer um print, guardar no Paint, depois colocar no vídeo... Mas, neste momento, tendo em conta a revolução tecnológica, acho que só não faz análise de jogo e só não apresenta um bom trabalho quem não quer. Com a facilidade que nós temos de informação à nossa frente, acho que é fácil fazer esse trabalho. Claro que há limitações nas ferramentas gratuitas, se calhar com os meus softwares pagos eu exporto 50 clipes num segundo. Noutro se calhar demora 15 minutos, como já me aconteceu anteriormente, mas são passos que temos de dar. Para quem quer seguir essa vertente, acho que é um passo que se deve dar, porque assim estaremos mais preparados no futuro. E também nos podemos dar a conhecer, porque eu também me dei a conhecer nas redes sociais, a partilhar o meu trabalho. Só não se mostra quem não quer.

Esse trabalho de que falas, foste fazendo e aprendendo, ou aprendeste com alguém?
Há bocado falava daquelas análises que fiz quando era mais novo... Quando estava a fazer o mestrado, tinha mais tempo livre e decidi que esse tempo seria para desenvolver as minhas aptidões, para mexer nisto e naquilo. Fazia as minhas análises e publicava na internet, na altura até era em PDF. Na altura até usava o Camtasia, porque não gostava muito do Movie Maker, e também no Longo Match, e apresentava o meu trabalho. São passos que damos.

Mas referia-me a pessoas, se tinhas alguém a ajudar-te, alguma referência.
Não, era eu que ia fazendo. Mas segui algumas pessoas na faculdade, como o João Nuno Fonseca, que está agora nos sub-23 do Benfica, ele estudou em Coimbra e cheguei a falar várias vezes com ele, também via as análises que ele publicava na internet. Também me lembro de ver algumas das análises que o Tiago Leal publicava, antes de começar a trabalhar com o Paulo Fonseca. Por exemplo, lembro-me de perguntar ao João como é que ele tinha o Coach Paint [risos]. Agora eu já tenho o meu Coach Paint [risos]. São passos, como disse.

Uma vez que estás no Tondela e não integrado numa equipa técnica, já trabalhaste com o Petit, com o Pepa e com o Natxo González. Que diferenças houve no teu trabalho?
Com o Petit, como foi numa fase inicial, e mesmo na segunda parte dessa época com o Pepa, basicamente não mudou grande coisa. Na altura o Pepa até tinha trazido outra pessoa com ele. Mas não mudou muito. Dependia às vezes das filmagens que conseguíamos no treino, porque antes não tínhamos torre de filmagem. Não mudou muita coisa, só alguns pormenores. Se calhar antes fazíamos relatórios de imagem e com o Pepa fazíamos relatórios mais escritos, para entregar aos jogadores. Depois quando passámos a ter os treinos todos filmados, claro que mudou um pouco, mas a análise era no mesmo sentido. Na época passada, filmava todos os treinos, apresentava a análise do treino no final, com os cortes preparados, depois a apresentação do adversário, a entrega dos relatórios individuais aos jogadores, a análise ao vivo no dia do jogo, o pós jogo da nossa equipa e depois entregar a informação do adversário seguinte. E depois recomeça o ciclo.

Sendo analista, imagino que concordes que a observação do adversário é essencial. Que peso é que achas que essa análise deve ter na semana de preparação para o jogo?
Claro que a análise do adversário é sempre muito importante, porque é sempre muito importante conhecer qual o adversário que vamos ter pela frente, quais os pontos fortes e os pontos menos fortes. Basicamente tentamos identificar os padrões de jogo do adversário. Há uma frase e essa frase diz muito: mais importante do que conhecer o adversário é conhecermo-nos a nós próprios. Nós, equipa. Portanto, a análise dos treinos e dos jogos é bastante importante para depois também aplicarmos a análise do adversário. Se calhar o adversário tem determinadas debilidades e nós podemos aproveitá-las, consoante aquilo que é o nosso jogo ofensivo. Não sei dizer qual será a percentagem, mas acho que sobressai muito mais a análise da própria equipa do que o contrário. Mas claro que nunca vamos prescindir de analisar o adversário.

Por exemplo, contra o Benfica, um jogo relativamente positivo do ponto de vista do resultado para o Tondela, já que ficou 0-0. O que analisaram?
O vídeo que apresentámos nessa semana, que tem uma estrutura idêntica de adversário para adversário, explicava no que eram fortes: colocavam muitos jogadores por dentro, muitos movimentos de rutura, alas bastante abertos em profundidade e amplitude, havia aqueles movimentos típicos do Grimaldo vir para dentro e um ala ir para fora, ou o Rafa, ou quem fosse. No último terço, a procura de tabelas para entrada na área, com jogo combinativo. Na altura até utilizámos um jogo que vimos, o Benfica-Moreirense, que acabou empatado, 1-1, não só para ver o Benfica, mas para ver certas coisas que o Moreirense fez, para nós também podermos fazer. A nível estratégico, no nosso jogo, fomos uma equipa bastante coesa, bastante compacta, houve muita entreajuda. Nós estávamos a jogar em 4-4-2 e um deles baixava para formar ali um terceiro homem, enquanto os nossos alas por vezes baixavam para fazer a chamada linha de seis, que também foi falada por alguns treinadores. Tentámos aproveitar alguns espaços e até conseguimos sair de trás algumas vezes, em ataque organizado. Tínhamos um jogador que tinha funções bastante importantes, o Richard, que já não está cá, de aproveitar ali o espaço, aquele quadrado entre lateral, extremo, médio centro e central, de modo a tentar criar dúvida não só no médio centro e no extremo, mas também no lateral desse lado, assim como o central. Naquele jogo até jogou o Jardel, que já não jogava há algum tempo no Benfica, e quisemos explorar um pouco esse lado com o Richard, e depois também tínhamos lá o Murillo, um jogador bastante rápido para aproveitar esses espaços. O Richard podia receber aí e depois dar em profundidade no Murillo. Foi por aí.

Não sei se tens esta visão, mas creio que o Tondela iniciou a época com uma forma de jogar mais focada na iniciativa ofensiva e depois foi passando para uma proposta mais defensiva. Enquanto analista tens influência na proposta de jogo?
Percebo. A minha função é transmitir informação, depois cabe ao treinador e aos outros elementos, os adjuntos, filtrarem essa informação para decidirem o que querem fazer. O meu trabalho tem de ser feito e entregue, com o maior profissionalismo. Depois, a partir daí, são tomadas decisões.

No futuro, imaginas-te como analista ou gostarias de passar mais para o trabalho de campo?
Ao longo dos anos tive essa pergunta na cabeça. Comecei no terreno e depois passei para analista, mas as minhas funções enquanto analista já me ocuparam muito mais horas do que o terreno. Mas o gosto pelo dissecar o jogo está a ganhar. Vejo-me muito mais como analista, neste momento, do que como treinador no terreno.

RUI DUARTE SILVA

Se fores ver um jogo qualquer de equipas da distrital, por exemplo, consegues ver o jogo como um adepto ou estás sempre a analisá-lo na tua cabeça?
[risos] Por acaso ao longo dos tempos isso vai acontecendo. Acho que ver um jogo enquanto adepto já acabou. Se calhar se estiver a ver um jogo nessa perspetiva mais relaxada, vou adormecer [risos]. Neste momento, olho mais para o jogo na perspetiva de analista, para perceber o que estão a fazer. Já não consigo ver nada completamente relaxado. Às vezes até pego no telemóvel e aponto um lance qualquer desse jogo para depois ir ver essa imagem e ficar com esse exemplo. Até poderei eventualmente utilizá-lo para trazer aqui para o clube.

Já o fizeste?
Por exemplo, na época passada, contra o FC Porto, no Dragão. Tudo bem, o resultado não foi o melhor, mas eu tinha mostrado ao mister Natxo uma saída de bola diferente, porque sabíamos que o FC Porto, ao nível da pressão, é muito forte. Na altura tinha havido um Roma-Inter, ou Inter-Roma, já não me lembro em que estádio foi, e a Roma do Paulo Fonseca tem uma saída de bola em que os jogadores se posicionam no campo, para sair de forma curta, o guarda-redes manda subir toda a gente, eles sobem até ao círculo do meio-campo e de repente voltam rapidamente, apanhando o adversário em contrapé. Vi esse lance e trouxe-o para o mister. Aplicámos no treino, aplicámos no jogo e conseguimos sair a jogar.

Se durante a semana tens essas tarefas todas que já descreveste, quando tens folga?
Basicamente os dias de folga são mentirosos. Posso descansar ali um bocado, se calhar dar uma volta ou uma corrida, estar com a família... Às vezes até estou ali mas a cabeça já está noutro sítio. Basicamente tenho de estar sempre uma semana à frente, ou seja, tivemos um jogo no domingo, entrego depois disso a informação do próximo adversário, que já está pronta. E se calhar na segunda-feira já estou a analisar o adversário da outra semana a seguir. Normalmente treinávamos na segunda-feira, era treino de recuperação e não costumava filmar, portanto já ganhava aí um tempo extra.

Vês quantos jogos do adversário?
No mínimo, três jogos. Normalmente são os três últimos jogos, mas depois depende, pode ir até aos cinco ou seis.

Havendo um adversário que utiliza vários sistemas, é mais difícil prever como irá jogar?
Sim, é mais difícil. Ou, por exemplo, quando apanhamos uma troca de treinador. Por exemplo, isso aconteceu-me esta época com o Rúben Amorim, quando pegou no Braga. Só tínhamos um jogo para ver, que foi o primeiro jogo dele, contra o Belenenses SAD. Tivemos de ir buscar coisas dele à equipa B do Braga. Temos de estar preparados para isso. Nós no ano passado também mudámos algumas vezes de sistema de jogo, 4-4-2, 4-3-3, até jogámos em 5-4-1 ou 5-3-2. Aí, o que faço é tentar estar preparado para as várias alternativas. Por exemplo, depois da quarentena, jogámos aqui contra o FC Porto num 5-3-2 e tínhamos vindo a jogar quase sempre em 4-4-2 e 4-3-3, portanto se calhar os analistas do FC Porto tiveram de se preparar essas eventualidades [risos].

No futuro, achas que as equipas vão ser mais maleáveis?
Sim, penso que vão ser mais como camaleões. Acredito nisso, mas claro que isso também depende dos jogadores que temos à disposição. Ok, podemos ter a melhor ideia do mundo, mas precisamos dos ovos para fazer as omeletes, não é? Precisamos da qualidade dos jogadores e da abertura deles, porque isso também conta e muito, o caráter deles. Ter essa variabilidade tática pode ser importante, mas se calhar também há sítios onde não se pode complicar tanto o jogo, se calhar há equipas com movimentos e dinâmicas menos complexas.

Para acabar, queres deixar aqui um pedido de currículos para arranjares alguém para te ajudar no departamento?
[risos] Claro que isso também passa pelo clube...

Todas as equipas da Liga têm pelo menos uma pessoa na análise?
Pelo menos duas pessoas, penso eu. Não quer dizer que tenham um departamento estruturado, se calhar há clubes que num ano têm uma ou duas pessoas e no seguinte são outras. Não há a estruturação de um departamento fixo ainda. Mesmo na parte do scouting também há clubes que não têm. Passa pelos clubes dar esse passo. É claro que isso é algo que há aqui em mente, vamos ver como as coisas correm.