O tempo tudo cura, esse adágio popular atirou-o Rúben Amorim quando já era certo que deixaria o Sporting a meio da época. Abandonar um clube em plena temporada tende a ser mau sinal: resultados insuficientes, classificações que desiludem, essas coisas, menos para Rúben Amorim, que chegou aos seus últimos trabalhos a golpe de cheque, quando ninguém esperava, deixando projetos inesperadamente, mas com um propósito.
Até nisso o ainda treinador do Sporting, treinador do Manchester United num par de dias, parece um tipo diferente nesta roda-viva que é o futebol, um mundo à parte, para o bem e para o mal. O tempo curará tudo, claro está, para muitos adeptos do Sporting até já terá curado depois das explicações da última sexta-feira. Afinal de contas, metam-se no lugar de Rúben. Aliás, permitam a um treinador de futebol, a um profissional do futebol, ser gente como a gente. Quantos de nós já recusámos mudar de emprego para agarrar outro em que o desafio é maior, onde o salário é mais apetitoso, em que o trabalho está mais alinhado com as nossas ambições, mesmo que deixemos um sítio onde fomos felizes? Já recusaram muitos trabalhos assim? Bem me parecia.
É claro que o futebol é o futebol, não é um anónimo trabalho de escriturário numa empresa de materiais de construção ou coisa que o valha. Lembro-me das manifestações de paroquianos em frente à igreja matriz a cada vez que um prior mais querido da população é transferido para outra terra e acho que no futebol não é assim tão diferente, aliás, o que é futebol se não uma quase substituição de uma crença para quem não é espiritual?
O tempo tudo curará, sobretudo se Rúben Amorim não voltar a Portugal pelas portas de um clube rival. Mas ainda há quem acredite, e está no seu direito, que os sacrifícios por uma causa têm de terraplanar completamente aspirações pessoais, para mais legítimas para alguém com 39 anos e uma carreira pela frente. Os cartazes de queixinhas, dizendo que a casa de Amorim já não é Alvalade, ou chamando-lhe traidor, são normais, dentro da normalidade infantil para a qual o futebol leva tanta gente. Mas ser treinador de futebol não deixa de ser um emprego.
Posto isto, talvez um dia esta franja, que até será mais pequena do que seria de esperar, possa admirar esta escolha de Amorim, porque ela até é uma homenagem ao que o treinador fez no Sporting. Atirando-se aos metafóricos leões que são todos os desafios que o Manchester United acarreta neste momento para um treinador, desde a falta de vitórias, ao caos estrutural e às setecentas e cinquenta mil antigas glórias que opinam diariamente sobre o quotidiano mais comezinho da clube, Amorim fá-lo porque um dia também o arriscou fazer no Sporting e correu bem.
Não esperou pela glória que seria mais certa do outro lado da cidade de Manchester (mas menos saborosa), não optou por um clube mais organizado e com menos pressão, que também não faltam naquelas geografias. Colocou-se voluntariamente na boca do lobo, talvez não no timing perfeito, mas era sim ou sopas. Estes comboios, de facto, não passam assim tantas vezes. Se correr bem, se correr bem de novo, Rúben Amorim assegurará um lugar bem especial na história de um dos gigantes. Tudo isso conta na hora de tomar uma decisão. E se fosse com vocês?
A forma como Rúben Amorim vai deixar o Sporting jogar-se-á também muito nestes últimos dois jogos onde no banco incomumente estará um treinador a prazo - mais uma novidade amorimniana. Frederico Varandas diz que confia no profissionalismo de Amorim e de facto não haverá grandes razões para não o fazer. Nem ousou assumir já a entrada de João Pereira, que parece mais que certa. A 1 de novembro, dia de todos os santos - menos os sportinguistas, provavelmente -, o Manchester United anunciou o treinador à hora de almoço e à hora de jantar o Sporting mastigou suavemente o Estrela da Amadora, como se nada tivesse acontecido. E essa terá sido a maior vitória. O jogo em Braga, um capricho de calendário, será um fechar de ciclo, ali, as duas equipas que Amorim deixou a meio, não por incompetência ou azar mas porque alguém ousou pagar pela sua capacidade, como acontece a qualquer bom funcionário no mundo, digamos, normal. Isto tem de ser uma primeira vez qualquer.
O que se passou
Na I Liga, Sporting (com Gyökeres a fazer um póquer), Benfica e FC Porto venceram os seus jogos da 10.ª jornada.
Max Verstappen venceu um mui acidentado GP São Paulo depois de partir de 17.º. O título está a um pequeno passo.
O mundo acreditava que o prémio estava nas mãos de Vinicius Jr. mas foi o espanhol Rodri a vencer a Bola de Ouro. No feminino, Aitana Bonmatí repetiu o troféu do ano anterior.
Zona mista
Se disser que fui à Arábia Saudita só para me divertir, sem pensar no dinheiro, estaria a mentir
É quase impossível pedir a um atleta para ser sempre moralmente puro quando todos os desportos se vergam ao dinheiro e a fazer paragens nas mais diversas ditaduras e regimes menos saudáveis. E, assim sendo, mais vale ser honesto. Ao contrário de outros, que embarcam na conversa para crente dormir, Carlos Alcaraz admitiu que boa parte da sua motivação para jogar o Six Kings Slam, em Riade, foi saber que iria recolher um milionário cheque com vários zeros à direita. É o que é.
O que aí vem
Segunda-feira, 4
⚽ Na I Liga, duelo insular entre Nacional e Santa Clara (20h15, Sport TV1) e, na Premier League, o Fulham de Marco Silva recebe o Brentford (20h, DAZN1)
🎾 ATP 250 de Metz (15h, Sport TV2) e de Belgrado (14h, Sport TV7)
Terça-feira, 5
⚽ Mais uma semana de 🎶 THE CHAAAAAAAPIONS 🎶 com o último jogo de Rúben Amorim em Alvalade, na receção ao Manchester City (20h, Sport TV5). Na Liga dos Campeões, veja ainda o Real Madrid-AC Milan (20h, DAZN1) e o Liverpool-Bayer Leverkusen (20h, DAZN2)
Quarta-feira, 6
⚽ O Benfica joga em casa do Bayern Munique na Liga dos Campeões (20h, Sport TV5). Joga-se ainda o Inter-Arsenal (20h, DAZN2) e o Paris Saint-Germain-Atlético Madrid (20h, DAZN1)
🏀 NBA: os Celtics, de Neemias, jogam com os Golden State Warriors (0h30, Sport TV19
Quinta-feira, 7
⚽ Na Liga Europa, o SC Braga joga em casa do Elfsborg (17h45, DAZN1) e o FC Porto viaja até ao estádio da Lazio (20h, Sport TV5). Na Liga Conferência, o ainda invicto Vitória recebe o Mladá Boleslav (20h, DAZN1)
Sexta-feira, 8
⚽ Moreirense e Gil Vicente abrem a 11.ª jornada (20h15, Sport TV1)
🏀 NBA: New York Knicks-Milwaukee Bucks (0h30, Sport TV1)
Sábado, 9
⚽ O Sporting joga em casa do Valadares Gaia (11h, Canal 11) e o Benfica com o Racing Power na Liga BPI (15h, Canal 11)
⚽ Na I Liga, o Casa Pia recebe o Farense (15h30, Sport TV1), o AVS visita o Estoril (15h30, Sport TV2) e o Arouca a casa do Famalicão (18h, Sport TV1). O Boavista recebe o Rio Ave (20h30, Sport TV1)
⚽ Em Itália há dérbi entre Juventus e Torino (19h45, Sport TV4) e na Premier League o Aston Villa vai até casa do Liverpool (20h, DAZN1)
🏀 NBA: San Antonio Spurs-Utah Jazz (22h, Sport TV3)
Domingo, 10
⚽ Dia grande de futebol na I Liga: SC Braga-Sporting (18h45, Sport TV1) e logo de seguida o clássico Benfica-FC Porto (20h45, BTV)
⚽ Em Inglaterra há dérbi de Londres: Chelsea-Arsenal (16h30, DAZN1)
🏀 NBA: Milwaukee Bucks-Boston Celtics (20h30, Sport TV7)
Hoje deu-nos para isto
Nelas não podemos votar, mas os novelos do mundo fazem com que as eleições dos Estados Unidos sejam um sufrágio do universo porque delas saem decisões que poderão influenciar a vida de todos nós. E se há um candidato racista, isso deve desassossegar-nos. A todos. Deve fazer-nos temer pela noite dentro na terça-feira.
Na última semana, em pleno pavilhão dos Milwaukee Bucks, Donald Trump, num assomo de desrespeito que há uns anos seria violentamente condenado e agora recebe aplausos ou é ouvido com indiferença, tal a frequência com que diz barbaridades, abriu a torrencial e demencial boca para versar sobre Giannis Antetokounmpo, estrela da equipa do Wisconsin. Tratou-o não pelo nome, mas por “o grego”, desrespeito número um, questionando a turba logo de seguida: “Digam-me, quem é mais grego? Eu ou ele? Acho que somos iguais”.
A brincadeirinha racista e serôdia recebeu, claro está, sorrisos de quem o segue, gargalhando com uma piada racista, duvidando da identidade de um tipo que passou por muito, que se fartou de lutar até chegar aos Estados Unidos, tornando-se campeão da NBA e duas vezes o melhor jogador da liga. A diversão desavergonhada de quem acha bem rebaixar um dos melhores desportistas do mundo em sua própria casa, só por causa da sua cor.
É contra este tipo de retrocesso que se deve lutar. Nas urnas, para começar. E sabe bem ver LeBron James tomar uma posição, ao lado de Chris Paul, Steve Kerr, Magic Johnson. Mas são poucos: os desportistas continuam demasiado alheados do que os rodeia, mesmo quando alguém usa uma multidão para deles zombar.
Não andemos para trás.
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