Chegar a ser o primeiro a escolher no draft da NBA é algo tão complicado que é preciso quase um curso de estatística. Para evitar o tanking, ou seja, perder jogos deliberadamente para no ano seguinte ter mais hipóteses de agarrar uma escolha alta no draft, deslindou-se um sistema de probabilidades e milhares de possíveis combinações que aumentam o suspense. Mas, em resumo, as três equipas com pior registo na última fase regular da NBA têm 14% de hipóteses de ficar com o número 1 do draft. Este ano, uma dessas equipas era os San Antonio Spurs, que andam pelas catacumbas da liga há quatro temporadas depois de quase 20 anos como crónicos candidatos ao título - que, nesse período, venceram por cinco vezes.
As travessias no deserto podem ser longas na NBA. De décadas. Mas como os deuses do basquetebol parecem gostar muito de Gregg Popovich, o tão irascível quanto fabuloso treinador/presidente da equipa, os Spurs poderão ter ganhado nova oportunidade para voltar ao topo em menos de nada. Porque ao terem conseguido a escolha número 1 do draft no intrincadíssimo sorteio, na última madrugada, os Spurs terão a oportunidade de escolher aquele que muitos dizem ser o mais decisivo e talentoso jogador a chegar à liga desde LeBron James em 2003.
Victor Wembanyama é francês, tem 19 anos e 2,21 metros de características únicas, numa era em que os postes europeus dominam a NBA. Um pouco à semelhança de Luka Doncic, chega à principal liga do mundo já com uma importante experiência de jogar profissionalmente nas últimas três temporadas - foi mesmo campeão francês pelo ASVEL em 2022. Dotado de mobilidade e capacidade de drible fora do comum para alguém da sua envergadura, Wembanyama marca de três pontos quase com a mesma facilidade com que atira de dois. Defensivamente é difícil de ultrapassar, usando a sua altura e visão de jogo para bloquear facilmente qualquer tiro. Na NBA poderá ganhar a estampa física que permitiu, por exemplo, a Giannis Antetokounmpo tornar-se um dos jogadores mais dominadores da liga.
LeBron James, que sabe uma coisa ou duas sobre basquetebol, não nos deixa mentir. “É um extraterrestre. Nunca ninguém viu alguém tão fluído com aquela altura e tão gracioso como ele é em campo. É, seguramente, um talento geracional”, disse King James depois de Wembanyama jogar nos Estados Unidos com a sua equipa, os Metropolitans 92, em outubro de 2022. Em poucas palavras, está aqui alguém capaz de mudar, novamente, a história dos San Antonio Spurs.
E a relação é de mutualismo. Historicamente, chegar aos San Antonio Spurs pode ser a melhor notícia possível para o francês, que, a ser escolhido, será o terceiro jogador a aterrar nos Spurs como número 1 do draft. Os outros dois também tiveram o condão de mudar o rumo de um franchise até então com pouco que contar e pouco apetecível para os melhores jogadores: David Robinson, em 1987, e Tim Duncan, 10 anos mais tarde. Chamem-lhe sorte, ou saber escolher. Juntos, os dois venceram os títulos de 1999 e 2003. Duncan, um dos melhores big men da história da NBA, ainda seria campeão em 2005, 2007 e 2014. São os dois Hall of Famers e têm os seus números retirados, com as camisolas em destaque no topo do pavilhão.
Na cidade do Texas, Wembanyama irá então encontrar uma estrutura e, essencialmente, um treinador que tornou em estrelas vários jogadores vindos de ligas europeias, numa altura em que a desconfiança em relação aos basquetebolistas chegados deste lado do oceano ainda era grande. Manu Ginóbili (argentino, mas vindo da liga italiana) e o também francês Tony Parker tornaram-se também eles Hall of Famers sob a batuta de Popovich, conquistando quatro títulos da NBA. O veterano treinador, cujo futuro ainda parecia uma incógnita, pode encontrar aqui motivação para aos 74 anos ainda fazer mais um par de temporadas no banco dos Spurs.
No dia 22 de junho, o nome de Victor Wembanyama será seguramente o primeiro a ser chamado no Barclays Center de Brooklyn, Nova Iorque. E a imagem do gigante francês com o boné dos San Antonio Spurs será, se tudo correr bem ao jogador, tão intensamente repetida na história quanto a de LeBron James, acabadinho de sair do high school, de fato imaculadamente branco e largo, como se usava no início do século, com as cores quentes e torradas dos Cleveland Cavaliers no topo da cabeça.