Quando uma sapatilha podia ter destruído o futuro da próxima grande estrela da NBA - entre outras questões
Streeter Lecka/Getty
Estavam jogados 33 segundos do clássico do basquetebol universitário entre as Universidades de Duke e de North Carolina quando Zion Williamson, aquele a quem muitos chamam de "novo LeBron James", sofreu uma insólita lesão: escorregou e a sua sapatilha esquerda rebentou. O mais que provável n.º 1 do próximo draft da NBA magoou-se no joelho e muita gente meteu as mãos à cabeça com os milhões que potencialmente ali se poderiam perder. Milhões que Zion, por ser amador por obrigação, não vê entrar no bolso. E milhões que a Nike perdeu em bolsa
O caso seria insólito se não fosse grave e cheio de ramificações. Vamos lá explicar: estavam jogados 33 segundos do embate entre a Universidade de Duke e a Universidade de North Carolina, um dos maiores senão o maior clássico do basquetebol universitário norte-americano. Nas bancadas, cheias, estava Barack Obama e em campo aquele que para muitos analistas será a próxima grande estrela da NBA.
Zion Williamson é um extremo de 2 metros de altura e quase 130 quilos. Uma força da natureza, um daqueles jogadores que aparece só muito de vez em quando, na medida em que combina estampa física com destreza, capacidade de salto e técnica. Não há muitos como ele e é por isso que há anos, desde os tempos em que era apenas um miúdo a jogar no recreio da sua high school, que se fala nele, um pouco como aconteceu com LeBron James.
Na Universidade de Duke, uma das mais laureadas da história do basquetebol universitário, com cinco títulos, Zion mostrou tudo o que se esperava dele e até há coisa de 24 horas, ninguém acreditava que no próximo dia 20 de junho não iria ser o primeiro nome a ser chamado no draft da NBA.
Mas voltemos então aos tais 33 segundos do duelo Duke-North Carolina: numa normal jogada, sem contacto, Zion conduz a bola e escorrega. No processo, a sua sapatilha esquerda simplesmente rebenta, fica destruída com o movimento. Zion cai mal, queixa-se do joelho e não volta ao jogo. Muita gente mete as mãos à cabeça.
Para qualquer desportista, uma lesão no joelho nunca é uma lesão fácil. Mas, no caso de Zion Williamson, uma lesão é muito mais que uma lesão - pode ser a diferença entre ser ou não n.º 1 do draft da NBA e com todas as perdas em milhões de dólares que isso significa. O que é apenas a ponta do iceberg nesta história que voltou a reabrir o debate quanto às regras draconianas do basquetebol universitário norte-americano, em que os jogadores recebem zero, apesar das receitas de milhões que gera.
Jogar de borla
LeBron James era apenas um adolescente e já estava na cara que ia ser uma estrela. Mal acabou o ensino secundário, em 2003, o extremo inscreveu-se no draft da NBA, saltando a etapa universitária que muitos aspirantes a basquetebolista profissional tomavam, numa espécie de ponto intermédio que ajudava muitos atletas a crescerem e a habituar-se às exigências da competição.
Mas em 2006 as regras mudaram e a NBA proibiu a entrada de jogadores vindos diretamente do secundário: só um ano após a graduação os atletas poderiam entrar no draft, o que fez com que a esmagadora maioria dos jovens basquetebolistas aceitassem bolsas nos melhores programas de basquetebol universitário do país.
O basquetebol universitário é totalmente amador, apesar de gerar milhões em receitas televisivas e de ser quase tão seguido nos Estados Unidos quanto a NBA. Os jogadores estão proibidos de receber qualquer incentivo, seja um salário, seja dinheiro em patrocinadores, enquanto os treinadores estão entre os mais bem pagos do desporto norte-americano. Mike Krzyzewski, treinador principal da Universidade de Duke, por exemplo, ganha anualmente qualquer coisa como 8 milhões de euros por época. Apenas três treinadores da NBA ganham mais que Coach K, responsável pelos cinco títulos universitários de Duke.
Esta discrepância é muitas vezes criticada pelos atletas, que treinam, correm, jogam e colocam o seu físico em risco apenas pela possibilidade de um dia chegarem à NBA, o que só acontece com os melhores. Muitos vêm de famílias com dificuldades e o dinheiro é um balão de oxigénio urgente. E as lesões acontecem e podem acabar com uma carreira mesmo antes de esta começar. A lesão de Zion Williamson não parece demasiado grave, mas o lance serviu para que a questão do regime amador do desporto universitário norte-americano voltasse à baila.
“Vamos de novo recordar todo o dinheiro que este jogo gerou. E os jogadores recebem zero dele. E o Zion agora lesiona-se… alguma coisa tem de mudar”, escreveu no Twitter Donovan Mitchell, jogador dos Utah Jazz, que foi rapidamente secundado por Jay Williams, antigo jogador e agora comentador: “Esta lesão do Zion Williamson prova exatamente porque é que os jogadores devem poder escolher ir diretamente para a NBA depois do secundário. A liga tem de mudar esta regra, ponto final”.
O esloveno Luka Doncic, a nova coqueluche europeia da NBA, respondeu ao tweet de Donovan Mitchell trazendo uma nova discussão dentro da discussão. “Venham jogar para a Europa”, escreveu. Em 2008, Brandon Jennings optou por não se inscrever na universidade, onde competiria de borla, e jogar um ano na Europa, a receber salário, antes de se inscrever no draft da NBA. Mas a prática não foi seguida por muitos mais atletas, que vêem no basquetebol universitário um mediatismo e atenção que não teriam nas ligas europeias.
Mesmo que recupere a tempo de acabar a época, entre os especialistas não falta quem aconselhe Williamson a não jogar nem mais um segundo de basquetebol universitário, para evitar o risco de agravar esta lesão ou contrair uma nova. Porque vale mesmo a pena arriscar-se uma carreira quando o n.º 1 do draft e os milhões que com ele vêm estão praticamente garantidos?
O tombo da Nike
Zion Williamson calçava um modelo da Nike aquando da inusitada lesão. E calçava um modelo Nike porque todos os anos a marca descarrega milhões de dólares na Universidade de Duke para que os jogadores da equipa os calcem. Mesmo que estes nada recebam por isso.
E o peso de ser culpada pela lesão daquele a quem já muitos chamam de “novo LeBron James” custou caro à Nike: de acordo com a “Newsweek”, na quinta-feira a marca norte-americana chegou a perder o equivalente a quase mil milhões de euros na bolsa de Nova Iorque.
Trocos para o gigante do equipamento desportivo, para quem o dinheiro não deverá ser problema. Ao contrário dos jogadores universitários, cuja caminhada até à NBA é uma permanente roleta russa em que, do nada, tudo se pode perder.