De Montevidéu a Doha, episódio 6: Antes da Colômbia que não vai ao Mundial, a de Maturana mostrou que eram “mais do que droga e insegurança”
07.10.2022 às 16h34

DIANA SANCHEZ
Francisco Maturana, o selecionador colombiano nos Mundiais de 1990 e 1994, recordou à Tribuna Expresso aquela equipa especial do Itália-90, um torneio onde brilharam futebolistas como Carlos Valderrama, Rincón e Higuita. O técnico, que também treinou as seleções de Equador e Peru e ainda na Liga Espanhola, falou sobre Carlos Queiroz, talento, medo e explicou a importância do futebol numa sociedade manchada pelo narcotráfico e violência. Pacho Maturana, de 73 anos, convive diariamente com uma utopia útil. De Montevidéu a Doha é a rubrica em que, semanalmente e até ao arranque do Mundial no Catar, a Tribuna Expresso trará reportagens e entrevistas sobre a história da mais importante competição global
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A Colômbia não vai estar no próximo Mundial. Como explica isso? Há menos talento no futebol colombiano?
Bom, não diria assim. É evidente que hoje há um potencial importante de futebolistas colombianos, com talento, muitos na Europa que não jogaram no seu país. Viram-nos nas divisões inferiores ou em alguma seleção jovem, levaram-nos e corresponderam às expectativas. Olhemos para as 211 federações: dessas, apenas oito ganharam o Mundial. Não é que seja algo que se converta em património, porque é necessário uma história. A Colômbia teve um momento. Pessoalmente, pertenço a uma geração que viu o país no Mundial em pequeno e que só o voltaria a ver quando fomos nós. O país continuou, e o futebol é isso. Como te dizia, em 211 federações vão ao Mundial 32, na minha época eram 24. Algumas ficam de fora e diz-se que importante não são as coisas que acontecem, mas sim a atitude perante as coisas que nos acontecem. Ninguém vai negar a condição futebolística de um país como a Itália e não vai estar no Mundial. Eles terão de entender por que razão não estiveram, é uma análise que lhes corresponde exclusivamente a eles. Essa mesma análise diz respeito por cá, na Colômbia, aos dirigentes, não para destruir tudo, mas sim para encontrar as pistas para o futuro.
Esperava mais desta geração de futebolistas colombianos?
Não sou muito de esperar, sou de receber o que te dão. Não aconteceu. Atenção, o futebol não é somente 11 jogadores, o futebol são esses jogadores mais as circunstâncias. O caminho para essa eliminatória, ainda mais na América, é muito complicado. Foi complicado para a Colômbia, tiveram de mudar de treinadores. Uma mudança de treinador gera sempre desconforto e é quase como um regresso ao início.
Ocorre-me James Rodríguez. Tem apenas 31 anos, mas parece que está afastado dos grandes palcos há já algum tempo.
É um tema muito pessoal, depende do James. Ele tem algo que é determinante: o seu talento. O futebol não se aprende, fortalece-se o que a vida deu. Nasce-se futebolista, para mim. Vou sempre falar de uma condição pessoal sem considerar-me o dono absoluto da verdade. Vais a um jardim infantil, com miúdos de cinco e seis anos, e vês uns que já sabes que não vão jogar futebol. Pelo contrário, há outros que dizes “quem é que ensinou este?”. Ninguém lhe ensinou, nasceram com isso. Então, encontrar esse caminho para fortalecer esse dom que Deus lhes deu é parte da essência do futebol, dos formadores. James nasceu com isso e o seu caminho foi importante. Há uns anos, cá, falava-se do James e quase que tiravam o chapéu, porque se falava dos golos, da finta, do passe em profundidade... e acontece que esses mesmos que falavam da qualidade futebolística do James agora questionam-no, porque não corre. Cada jogador ouve isso de maneira diferente. Como assim, estão a julgar-me por correr? Antes valorizavam-me pelas cuecas, pelos golos, por tantas coisas, e agora matam-me porque não tenho um GPS que diz que corri 14 quilómetros. Aí, é muito importante a responsabilidade que têm os meios de comunicação. Há que entender que isto é futebol. Sim, há que correr, mas apaixonas-te com Messi pelas coisas que ele faz, e são coisas que nem ele sabe como faz, saem-lhe.
Certo.
Aconteceu-me a mim. Eu era um miúdo que jogava futebol de salão, tinha 13 anos e diziam-me que era muito bom. Uma vez estava num campo e, desprevenido, pediram-me para provar que jogava muito. Pediram-me para fazer uma jogadita, continuavam a olhar para mim, senti incómodo. Eu disse ao professor que só me saía nos jogos. Há que potenciar essas coisas, é aí que temos de descobrir o jogador de futebol. Mas avaliar um jogador porque não corre... Não sei, eu respeito, mas é como quando tens uma visão de algo ou uma sensibilidade em relação a algo. Vais caminhando e reconheces isso, é disso que eu gosto. Vou contar uma história que tive com o Jorge Valdano, quando ele estava no Real Madrid. Nessa altura levaram o Ronaldo Nazário para o Real e as pessoas não o receberam bem, estavam insatisfeitas... porque não corria. Estávamos num jogo e o Ronaldo fez um pique de área a área, recuperou uma bola e atirou-a para longe. Eu disse: “Olha, Jorge, afinal corre”. E ele disse-me: “Para isso tínhamos trazido o Ben Johnson [antigo velocista olímpico] e tinha saído mais barato”. Vai-se buscar os jogadores de futebol para que joguem, não para que corram. Têm de defender no momento em que estamos a defender, sim, mas não é por isso que o vou catalogar. No meu caso pessoal, outros pensam diferente.