Num dia estava a jogar numa divisão inferior da liga francesa, quatro anos depois torna-se colega de equipa de Sadio Mané. Visto assim, parece até que se trata de uma rápida ascensão, algo que se poderia desenhar em linha reta em qualquer gráfico, mas o percurso de Boulaye Dia só pode ser descrito contando as curvas e contracurvas.
Nasceu há 26 anos em Oyonnax, França, numa família senegalesa. O futebol entrou na sua vida através das brincadeiras com os irmãos, e só poderia mesmo ter sido assim. Recentemente, contou à “Gazzetta dello Sport” que não tinha um herói no futebol enquanto criança porque a sua família não tinha televisão e por isso não podia ver jogos.
O pai já tinha passado pelo futebol amador no Senegal e estava certo que não era isso que queria para os filhos, apesar de estes terem vontade de começar a carreira o mais depressa possível. Foi num torneio no bairro onde viviam que tudo mudou. Cada equipa tinha cinco jogadores, a de Dia contava com ele, os três irmãos e um amigo na baliza. Os jovens ganharam o torneio e entraram logo no radar de um dos responsáveis do Plastics Vallée FC, a principal equipa da cidade. Os irmãos Harouna e Abou, já adolescentes, assinaram logo, Boulaye seguiu o mesmo caminho algum tempo depois.
Os irmãos foram ficando pelo caminho a nível futebolístico e Boulaye Dia chegou a um momento em que quase não tinha por onde seguir. Um problema no motor do carro fez o pai mudar de ideias sobre a ida a um teste para um clube, outra equipa não acreditou que conseguisse melhorar a nível físico, houve de tudo.
A sua dedicação aos treinos iria, mais tarde, já com 21 anos, levá-lo até ao Jura Sud, clube do Campeonato Nacional 2, quarta divisão do futebol francês, e ao Stade de Reims B, da mesma divisão, passando depois a integrar o plantel da equipa principal na Ligue 1. Mas não sem antes chocar de frente com um grande desafio. Um problema de saúde levou o pai a não conseguir trabalhar, os irmãos mais velhos já tinham saído de casa, e sendo assim Dia ficou responsável por ajudar os familiares que ainda viviam onde cresceu.
Tim Clayton - Corbis
"Tornei-me eletricista porque um irmão me ajudou a começar. Gostava muito de zonas de construção, especialmente renovações de edifícios antigos, era interessante mesmo que fosse difícil no inverno”, disse o jogador ao “So Foot”.
O trabalho não era permanente e esta solução acabou por não resultar a longo prazo. Decidiu fazer qualquer trabalho que aparecesse como temporário até que conseguiu uma vaga na fábrica de plásticos que pertencia ao treinador do seu primeiro clube. “Um funcionário modelo, sorridente, um verdadeiro trabalhador, muito pontual, que não conta as suas horas, atento e capaz de se adaptar a todas as situações”, é assim que Marie Herbain, esposa do treinador e patrão, descreve o jogador em entrevista ao mesmo website.
Depois de um período em que teve que conciliar os treinos, jogos e trabalho, Dia conseguiu dar o salto e dedicar-se totalmente ao futebol. À primeira equipa do Stade de Reims, o senegalês chegou em 2018, temporada em que fez 21 jogos e marcou quatro golos. No ano seguinte o registo melhorou: 31 jogos, oito golos. Na época 2022/21, já com lugar indiscutível na equipa, conseguiu elevar de novo o nível ao marcar 17 golos. Foram estes os números que o levaram ao Villarreal, na liga espanhola. Agora está, por empréstimo, na Salernitana, da liga italiana.
A estreia pela seleção do Senegal, que escolheu por ter a dupla nacionalidade, foi no dia 11 de novembro de 2020, num jogo de qualificação para a Taça das Nações Africanas. Dois anos depois, ao lado de Sadio Mané, tornou-se campeão dessa mesma competição. Apesar de não ter marcado nenhum golo, foi um dos nomes importantes da equipa na conquista do título.
ALBERTO PIZZOLI
"Na seleção, não tens tempo: aterras, jogas dois dias depois e não podes falhar ao lado de jogadores como o Sadio Mané. Eles são super humildes, eu aprendo muito com eles”, disse.
O próximo desafio é o Mundial no Catar. A equipa médica da equipa nacional tentou em vão uma rápida recuperação para a lesão na perna que Mané sofreu a jogar pelo Bayern de Munique, no início de novembro. A estrela maior da equipa, com 34 golos em 93 internacionalizações, teve que ficar de fora do torneio e desta vez Dia não terá a sua influência, mas pode ser um dos nomes importantes na sua ausência.
Aliás, um bom Mundial pode ser importante para o seu futuro, uma vez que já se fala do interesse de alguns clubes europeus, como o Everton, da Premier League.