Na bancada do Khalifa International Stadium houve jornalistas japoneses que de tanto saltarem quase bateram com a cabeça nas nuvens. Estavam eufóricos. O Japão acabava de superar a Alemanha que contava com muitos craques por metro quadrado.
Tatsuki, um jovem que chegou esta manhã de Tóquio após uma viagem interminável, filmava tudo, orgulhoso, equipado com a farda número 13, de Hidemasa Morita, com a data e o rival inscritos no peito. Comprou-a há um mês, numa loja da capital nipónica. Vai explicando que o jogador do Sporting “é parecido com N'Golo Kanté” e que gosta muito dele porque jogava no clube que apoia. Tem uma voz quase imperceptível, mais parece um suspiro que deixa algumas pistas, e um sorriso meigo, assim como o jornalista que saía do estádio como se tivesse saído da mais pecaminosa despedida de solteiro, com caimbras na afortunada alma. Estavam no céu. A história do dia só não foi a sacrificada e apaixonada vitória do Japão porque a Alemanha tapou a boca.
Todos os jogadores, antes do apito inicial, taparam a boca em sinal de protesto. Castrados pelos cartolas deste desporto, chamaram à atenção do mundo para o que está a acontecer no Catar, levantando a voz muda pelos trabalhadores migrantes e pela comunidade LGBT+, mas também contra as intromissões da FIFA, que confunde mensagens a favor dos direitos humanos e defensoras do direito à liberdade de cada um ser quem é com mensagens políticas.
O organismo que rege o futebol mundial, presidido por Gianni Infantino, que estava na bancada, não permitiu que Manuel Neuer, o guarda-redes da seleção alemã, utilizasse a braçadeira de capitão com as cores de um arco-íris. Ameaça-se com multas e cartões amarelos que saem mais rápido do que a própria sombra. Pouco depois, na zona mista, o desfile dos futebolistas germânicos foi desolador. A mensagem talvez tenha perdido força devido à derrota, pois não falaram como se adivinhava que falariam. Perante os jornalistas internacionais, e já depois de a federação escrever nas redes sociais que “os direitos humanos são inegociáveis”, detiveram-se apenas Kai Havertz e Julian Brandt.
“É importante para nós tomar esta posição”, começou por dizer o avançado do Chelsea, o 7 na Alemanha. “Falámos sobre o jogo, sobre o que podíamos fazer. Foi o gesto certo para mostrar às pessoas que tentamos ajudar da maneira que podemos, mas claro que a FIFA não facilita a nossa vida...”
O jogo começou com a Alemanha a jogar como os deuses, com Joshua Kimmich a manobrar a partida como queria. O talento é imenso, com Ilkay Gundogan, Jamal Musiala, Serge Gnabry, Thomas Müller e Havertz. Na tarde desta quarta-feira, na véspera de Portugal entrar em campo, a Alemanha não conseguiu ganhar e a história de Gary Lineker tem cada vez menos força. Venceram os nipónicos, felizes na bancada e loucos de amor pelos golos de Ritsu Doan e do ameaçador Takuma Asano, e a luta pelos direitos humanos.
Também Julian Brandt, descontraído e com um sorriso afável, falou sobre o assunto aos jornalistas. “É um tema difícil. Não tivemos autorização para ter a braçadeira. É difícil mostrar um gesto, às vezes temos problemas”, refletia.
E, sem limpar a honestidade da boca, continuou: “Foi espontâneo. Temos mais dois jogos, temos de pensar no que podemos fazer. Fazemos o que podemos. Todos os jogadores sabem que é muito importante para nós e para toda a gente, tentamos fazer o nosso melhor. Às vezes, o melhor não é suficiente, mas tentámos. Temos de olhar para a frente. A partir de hoje, temos outros problemas porque perdemos o jogo. É também um grande problema para nós”, consentiu com uma simpatia gloriosa.
A Alemanha convocou os fantasmas nesta estreia. Em 2018, os germânicos começaram com uma derrota contra o México. A seguir, bateram a Suécia, mas voltaram a perder, desta vez com a Coreia do Sul, sendo empurrados surpreendente para o último lugar do Grupo F. Agora, há mais dois jogos pela frente e não será, pelo menos um deles, como uma trinca num sumarento pêssego. A Espanha goleou esta quarta-feira a Costa Rica por 7-0.
O que aconteceu, então?, perguntam a Havertz. “É difícil explicar 10 minutos depois do jogo acabar. Concedemos dois golos em 10 minutos. Não foi bom, tínhamos o jogo nas mãos. Escapou-nos das mãos muito rápido. Precisamos de analisar e tentar fazer melhor no domingo.”
Domingo é contra os espanhóis, que estão a voar e têm um treinador a brilhar, com pouco filtro, para uma plateia planetária no Twitch.