No domingo, o Mundial 2022 quebrou um registo que tem tantos anos quanto o próprio torneio: pela primeira vez, a seleção anfitriã não venceu o jogo inaugural. O Catar recebeu o Equador e perdeu por 2-0. Mas além de ter forçado a uma mudança nos livros de história do futebol, a seleção sul-americana deixou também uma lição sobre a importância das oportunidades nos lugares menos previsíveis.
Natural de Ibarra, Kevin Rodríguez, ou “O Leopardo” como é conhecido, tem 22 anos e jogou a vida toda no Imbabura SC. A sua estreia profissional foi na terceira divisão, onde esteve durante a maior parte da sua carreira. Este ano a equipa conseguiu subir de divisão e, em 31 jogos, Rodríguez marcou 11 golos. Foi aí que Gustavo Alfaro, selecionador do Equador, o encontrou.
Ao jogador ou a uma versão de si próprio.
"Sempre que vejo Kevin, ele lembra-me os meus anos de luta, quando eu estava nas divisões inferiores argentinas. Num ano, viajei mais de 44 mil quilómetros para jogar, sonhando com os domingos na primeira divisão. Não têm ideia de quão longe eu estava da primeira divisão de futebol, quanto mais de um Campeonato do Mundo. Estou aqui para dar oportunidades, as que em tempos me foram dadas", contou durante uma conferência de imprensa.
Foi assim que Rodríguez se tornou uma das maiores surpresas entre as convocatórias para este Mundial, sem um único minuto jogado numa primeira divisão e com apenas alguns minutos pela seleção, num particular contra o Iraque. O único jogador da segunda divisão a ser convocado por uma seleção sul-americana.
Lars Baron
“Há um mês ou dois estava a jogar na Serie B e este é apenas o meu segundo jogo pela seleção nacional. Sempre sonhei com isto. Como qualquer miúdo que imagina jogar na selecão nacional, num Campeonato do Mundo. Mas acho que nunca teria sonhado com algo assim, porque o que estou a viver é maravilhoso”, disse o jogador à ESPN.
À primeira vista, e tendo em conta que o Mundial é o maior palco do futebol mundial, a decisão de Alfaro pode até ter causado alguma desconfiança nos outros países, mas no Equador sabiam que Rodríguez é daqueles que recebe uma oportunidade e a agarra com unhas e dentes. Em julho era o tema do momento no país, depois de ter brilhado e marcado num jogo do seu clube contra um dos adversários mais fortes da liga, o LDU Quito. O seu desempenho foi descrito pela imprensa local como “o pesadelo” dos gigantes nacionais.
"Há cinco meses que estou a seguir o Kevin Rodriguez, ele não é novo. Pusemo-lo a trabalhar com um nutricionista e ele ganhou dois quilos. Tem estado a trabalhar muito bem nestes dias. Pergunto-me: porque não pode estar na equipa nacional?”, questionou o selecionador.
No domingo foi aplaudido de pé por todos os que assistiram à sua estreia em jogos oficiais. Entrou perto do final da partida, já em cima do minuto 90, para o lugar de Michael Estrada. Ainda tentou o golo, de cabeça, um dos seus melhores movimentos a par da velocidade, mas a bola não entrou. No final, ajoelhou-se no relvado e levantou os braços em gesto de agradecimento.
Michael Steele
Se entrou porque o Equador tinha a vitória segura ou apenas para ficar com a estreia no currículo, só Alfaro poderá responder. Ainda não é certo que papel terá nesta equipa, mas a confiança do treinador já ninguém lhe tira. É a mesma confiança que tem Willian Joel Armas, seu treinador no Imbabura SC.
"Ele vai ajudar muito a equipa nacional", disse Armas ao jornal “El Comercio”. "Kevin Rodriguez tem duas grandes vantagens. A primeira é o seu porte atlético e a segunda é a qualidade técnica que possui. Ele é um jogador alto, mas tem uma qualidade impressionante para jogar com a bola. Ele melhorou a sua compreensão do jogo, o tempo para saltar e a pressão com a equipa. Esta época foi avançado, extremo direito, extremo esquerdo, médio. Isto é uma grande vantagem porque ele pode jogar em diferentes posições e circunstâncias num jogo".
Mas não são os únicos. Os bons jogos pelo clube da segunda divisão e a chamada à seleção fizeram soar alertas em outros clubes. Quando terminar o Mundial, Rodríguez vai vestir a camisola do Independiente del Valle, o vencedor da última edição da Copa Sul-Americana, clube que já foi treinador pelo português Renato Paiva.