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Tudo começou pelo amor a uma Ducati vermelha: como a herança familiar levou Francesco Bagnaia a reinar no MotoGP

O Moto GP tem um novo campeão mundial e vem acompanhado por uma longa lista de ‘primeiros’: foi o primeiro italiano a vencer desde Rossi, o primeiro a vencer pela sua equipa desde 2007 e a assinar uma recuperação tão grande. E tudo começou porque a família tinha uma Ducati vermelha na garagem

Rita Meireles

Steve Wobser

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Francesco Bagnaia é o novo campeão mundial de Moto GP, numa temporada que fica para a história do piloto, mas também da modalidade que teve a oportunidade de assistir à maior recuperação de sempre. Depois de estar 91 pontos atrás de Fabio Quartararo, Bagnaia conseguiu vencer na última corrida do ano e tornar-se o primeiro italiano a segurar o troféu desde Valentino Rossi. Mas talvez o mais especial seja o facto de o ter feito com a Ducati, pela qual tem um amor antigo.

“Os meus tios e o meu pai foram sempre fãs do Valentino [Rossi]”, contou Bagnaia ao "The Race". “Não eram pilotos profissionais, apenas para se divertirem. Eu estava sempre a segui-los. O meu tio tinha uma Ducati na garagem e, a partir desse momento, olhando para a 996, comecei a ser fã da Ducati. Era vermelha, depois lembro-me de uma preta com o número um. A embraiagem seca era algo diferente em relação às outras, o som era algo diferente porque era de dois cilindros. Tudo sobre ela era mais interessante para mim, e comecei a ser fã da Ducati”.

A família é o principal pilar do italiano. O caminho até ao Mundial de Moto GP foi longo e nem sempre fácil, mas o italiano não esquece o papel de quem lhe deu o amor pela Ducati e, consequentemente, o amor pela modalidade.

“Penso que sou um sortudo por estar aqui porque nem tudo é fácil e é preciso ter sorte para chegar onde todos nós estamos. Temos de fazer muitos sacrifícios, temos de trabalhar muito quando somos jovens, e os nossos pais têm de sacrificar muito tempo, trabalhar, ajudar-vos, ficar durante tudo. Quando se é jovem, não se pode ir sozinho, eles têm de ir contigo. E eu tenho sorte”, continuou.

Eric Alonso

Eles estiveram lá no passado domingo, no GP de Valência. “Preciso de respirar”, disse o pai, Pietro Bagnaia, antes de responder às perguntas do “GP One”.

“Eu acreditava nisso. O meu coração estava sempre com ele, tentando ser o seu ombro quando ele precisava e aplaudindo-o quando ele estava feliz. Este título é uma realização e ainda tenho de o apreciar, compreendê-lo, mas estou orgulhoso. Ele e a equipa conseguiram ultrapassar tantos momentos difíceis juntos. O que se pode dizer a pessoas assim?”, afirmou, quando confrontado com o facto de ser, agora, pai de um campeão mundial.

Olhando para trás, Pietro Bagnaia não recorda o percurso do filho da mesma forma que Pecco, como o piloto é tratado pela família. “Eu sempre disse a mesma coisa. Nunca pensei por um momento na minha vida que apoiá-lo fosse um sacrifício. Quando se lida com um filho que sonha, não pode ser. É como se ele se estivesse a formar em medicina ou a seguir qualquer outro caminho”, concluiu.

O trajeto feito pelo italiano chegou a conhecer algumas lombas. Hoje é conhecida a origem da sua paixão, mas, à primeira vista, parecia um piloto vindo do nada. Até mesmo olhando para a sua formação, visto que já tinha ganhado títulos, o italiano só integrou uma escola quando Valentino Rossi criou a sua: VR46 Academy. Foi também este caminho que Bagnaia quase deixou durante a sua adolescência. A decisão do título de 2022 poderia ter sido muito diferente.

NurPhoto

“A história de Pecco é uma história peculiar. Teve muitos problemas em 2014, quando tinha 17 anos de idade. Nesse ano ele estava a correr na Moto3 com a Sky e por várias razões não estava a ir bem, não ia depressa, não estava a gostar da mota. Estava triste e perturbado. E o pior era que não tinha lugar para o ano seguinte, ia ficar fora do Campeonato do Mundo”, disse Gino Borsoi, antigo piloto e diretor-desportivo da Aspar Team, ao “El Mundo”.

Segundo o jornal espanhol, o grande obstáculo do italiano nesse ano não foi propriamente a mota, mas sim o colega de equipa: Romano Fenati. As polémicas marcaram a carreira de Fenati, que terminou expulso da equipa por tocar nos travões de um adversário durante uma corrida, algo que contrastava com a atitude de Bagnaia. O ambiente não foi o melhor, embora Fenati fosse um candidato ao título de Moto3 e, por isso, a equipa ficou do seu lado.

Borsoi não partilhou da mesma opinião que a Sky: “Pensei que era impossível um jovem tão rápido ficar de fora. Não foi fácil, mas consegui arranjar espaço para ele. Jorge Aspar [proprietário da equipa] confiou no meu instinto e ambos fomos convencer a marca, Mahindra, a fazer um esforço. A nossa equipa já estava fechada, já tínhamos os dois pilotos, mas conseguimos mecânicos, material e estrutura para o Pecco. Felizmente, não estava errado. E desde então, em cada Grande Prémio ele vem-me cumprimentar e agradecer”, continuou Borsoi. Em 2015 e 2016, Bagnaia conseguiu duas vitórias e quatro pódios com a Aspar.

Em 2017 mudou de categoria (Moto2) e regressou à Sky. Desta vez as coisas foram diferentes, até porque depois dos dois anos anterior, o italiano já tinha outro estatuto. Em 2018 venceu o campeonato e colocou-se na linha da frente do caminho até ao Moto GP. Quatro anos depois, é o novo campeão mundial.

Na chegada à última corrida do ano, o italiano tinha uma vantagem de 23 pontos e não precisava de vencer a corrida, ao contrário de Quartararo. Foi com um nono lugar que se sagrou campeão. O primeiro desde que Casey Stoner venceu em 2007 a conseguir levar a famosa Ducati vermelha até ao topo da modalidade.

Em 2018, Francesco Bagnaia disse ao “GP One” que “o Moto GP é mais em todos os sentidos e não te podes preparar para ele, é preciso experimentá-lo. Só assim é que se pode compreender o que é”. Hoje, mais do que qualquer pessoa, o italiano compreende o que é.