Na curva de saída para a última volta, Salomé Afonso já vestia cara de caso. Contara a prova quase inteira no encalço das britânicas, um par delas a correrem lado a lado, Georgia Hunter Bell, bronze em Paris, a insistir em liderar o caminho com a biolímpica Revee Walcott-Nolan a escudá-la. Era uma dupla veemente, de caras fechadas, sem darem cavaco ao resto. Mas, à entrada na derradeira volta à pista de Apeldoorn, a portuguesa não quis nada com as inglesas. E acelerou, foi por ali fora.
A lisboeta de gema, 16.ª classificada nos 1500 metros em Paris, deu corda às suas pequenas pernas, menos longas do que as de todas as adversárias na final dos Europeus de pista coberta. Pintou a cara de custo, viu-se que sofria, a glória implica sofrimento e Salomé Afonso usou o seu para ir deixando Bell e Nolan para trás. Na reta com a meta à vista, ambas já lhe comiam o pó, as feições a dizerem tudo.
Nas de Salomé Afonso via-se determinação e crença, nas inglesas um esgar de incrédulo, com 50 metros por correr já tinham sido ultrapassadas há muito. Contrária à meia-final, de onde saiu com o terceiro melhor registo, mas a rodar o pescoço no desfecho, olhando três vezes à retaguarda para ver o paradeiro das adversárias, desta feita o conforto da portuguesa fixou-lhe os olhos no prémio, no que tinha por diante - nunca deixou de mirar a meta.
Melhor do que os 4:07.66 segundos de Salomé Afonso apenas houve os 4:07.23 de Agathe Guillemot, a triunfal francesa, pródiga em gritos de quase raiva ao vencer a prova. Foi a única atleta contar quem a portuguesa nada pôde, por meros centésimos. Cruzada a chegada, a atleta portuguesa prestou-se a abraçar as adversárias, ornamentada por trejeitos de alegria e quase choro. “Não tenho dúvida alguma de que estou na minha melhor forma”, disse a corredora de 27 anos, durante a tarde, mal acabou a meia-final.
Salomé Afonso não estava a brincar. O que mais gosta do atletismo, lê-se no perfil de apresentação que o Comité Olímpico de Portugal preparou, antes de Paris, é “perseguirmos um alvo que nunca pára”, o velho e fiel relógio. Nunca a atleta o caçara assim: esta medalha de prata é o seu melhor resultado da carreira. De facto, ela bem avisou.
No encalço da compatriota, terminando no 7.º lugar, esteve Patrícia Silva, mais nova dois anos, talvez com mais tempo no relógio para um dia se chegar mais à frente. A filha do antigo campeão Rui Silva, outrora ganhador de três Europeus destes, de pista curta - em 2000, com ela ainda imberbe, até lhe dedicou a vitória na edição de Valência - correu os 1500 metros em 4:09.97 segundos.
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