Sem o medo, o mar era apenas água com sal e Neymara Carvalho prova, há muito, que o medo está ancorado algures bem lá no fundo, ela faz vida das ondas que são os traços de personalidade que o mar atira contra nós, já ganhou cinco títulos mundiais a surfá-las deitada numa prancha e vive disto mesmo há muito tempo. A brasileira tem 47 anos e ia nos 30 quando chegou à Praia Grande, de Sintra, com uma barriga saliente que franziu testas alheias com espanto por a verem pronta a competir. A gravidez de cinco meses não a desincentivou, então era ‘só’ bicampeã do mundo e o bodyboard gozava, provavelmente, de maior popularidade do que hoje, mas Neymara não dispunha do conforto de agora.
Chamar-lhe medo será exagero. Se não o sente no momento de fazer das ondas rampas de lançamento e descolar em aéreos acima da linha da água, como poderia senti-lo na direção do que é responsável por colar autocolantes na parte debaixo da sua prancha? É o mesmo que dizer o que Neymara Carvalho não diz, mas denota ao falar com a cara colada ao telemóvel, com outra cara, algo introvertida, a espreitar-lhe pelo ombro. “É difícil. Ainda estou ativa profissionalmente, sou patrocinada e tenho hoje o melhor patrocínio da carreira para ser bodyboarder profissional, então tenho de pender para esse lado”, admite. Em cada resposta, cada explicação, irradia felicidade pela raríssima circunstância que tem ao seu lado.
Luna Hardman fala bastante menos do que a mãe. É a contrição da adolescência, quiçá a timidez da idade. Tem 17 anos. Estão há dias na Nazaré a surfarem juntas a meio de uma “temporada em Portugal” onde a progenitora tem rebobinado os seus anos. Confessa estar “toda dorida” por andar a “treinar como uma adolescente”, talvez ao ritmo da filha, o que a obrigou a “procurar um massagista para soltar os músculos” e “poder competir”. As três décadas que as distinguem na idade passavam à mãe a fatura que a filha ainda não faz ideia o que é enquanto se preparavam para o Boogie Chicks, prova feminina do circuito nacional e europeu de bodyboard marcada para Carcavelos, a 13 e 14 de outubro.
De novo, é na água salgada de Portugal que se vão reencontrar com a história.
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