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Tigist Assefa: de cair nas eliminatórias dos 800 metros até tirar mais de dois minutos ao recorde mundial da maratona

Tigist Assefa: de cair nas eliminatórias dos 800 metros até tirar mais de dois minutos ao recorde mundial da maratona
LISI NIESNER

A etíope tornou-se na primeira mulher nascida no seu país a bater o recorde mundial da maratona (2h11m53s), destruindo o anterior registo durante a Maratona de Berlim, no domingo. Há sete anos, Assefa era uma corredora de meio-fundo com poucos resultados e o últimos anos foram intermitentes em termos competitivos, até apostar nas maratonas

Quando começou a correr, Tigist Assefa fazia-o em poucos minutos. Nos cerca de dois minutos que duram as duas voltas à pista, os táticos 800 metros, que estão na fronteira entre a velocidade e o meio-fundo. Em 2016, Assefa representou a Etiópia nos Jogos Olímpicos do Rio, um ano depois da medalha de bronze nos Campeonatos Africanos de juniores, nos tais 800 metros. No Brasil, não correu bem e ficou-se pelas eliminatórias. Sete anos depois, os tais dois minutos que demorava a dar duas voltas à pista foram os mesmos que a atleta de 26 anos tirou ao recorde mundial da maratona, em Berlim, no último fim de semana.

O relógio da Maratona de Berlim, uma das preferidas dos atletas de longa distância para tentar recordes, pelo percurso plano e as condições atmosféricas suaves - Eliude Kipchoge melhorou ali o seu recorde mundial há um ano -, parou nas 2h11m53s, batendo o anterior registo da queniana Brigid Kosgei, de 2h14m04s, conseguido na Maratona de Chicago em 2019. Foram precisamente dois minutos e 11 segundos que a etíope recortou a esse tempo, uma enormidade até numa corrida com mais de 42 quilómetros. Quando cruzou a linha de meta, com a Porta de Brandemburgo em fundo, Assefa ajoelhou-se no chão. A vitória não seria uma surpresa, porque ali também havia ganhado há um ano, mas destruir o recorde mundial apenas à sua terceira maratona e melhorar mais de 22 segundos desde a sua estreia, em Riade, há ano e meio, talvez fosse um pensamento muito otimista. O tempo daria, por exemplo, para ganhar a medalha de bronze na maratona masculina nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004.

Para aqui chegar, o caminho de Tigist Assefa foi atribulado. Não foi só o talvez equivocado início nos 400m e 800m, embora não faltem maratonistas com passado no meio-fundo. Uma lesão no tendão de Aquiles terá sido essencial para que deixasse a pista, que lhe massacrava os pés. Numa entrevista à “Runner’s World”, o seu agente, o italiano Gianni Demadonna, referiu que a lesão lhe tirou dois anos de competição, nem conseguia correr com sapatos de bicos, e quando voltou, em 2018, dedicou-se definitivamente às provas de estrada. A transição não foi suave e imediata e a chegada da pandemia significou uma nova pausa na carreira da atleta - praticamente não competiu em 2020 e 2021.

LISI NIESNER

Demadonna, figura mítica nos meandros do atletismo, agente de uma miríade de atletas de longa distância da Etiópia e Quénia, lembrou também à publicação o dia em que Gemedu Dedefo, treinador com quem Assefa tinha passado a trabalhar, o contactou para lhe dar conta de uma nova pérola que tinha em mãos. “Disse-me: ‘A Tigist está a bater todos os recordes em treinos e nunca vi uma mulher a correr assim’”, revelou, explicando então, pouco depois da vitória de Assefa na Maratona de Berlim de 2022, que o objetivo era que a atleta “corresse perto dos 2:19 e não de forma tão rápida”. Um ano depois, tornou-se na primeira recordista mundial da maratona nascida na Etiópia.

No domingo, Tigist Assefa correu mais de metade da prova sozinha. Ao quilómetro 17, a resistência da compatriota Workenesh Edesa acabou e daí até à meta foi uma corrida apenas contra si própria, com a ajuda das suas lebres. De forma pouco usual. Assefa foi mais rápida na segunda metade da prova do que na primeira, deixando assim no ar a hipótese de ainda ser capaz de melhorar um recorde que já é impressionante. No final, teve de esperar mais de seis minutos pela chegada da 2.ª classificada, a queniana Sheila Chepkirui.

“Isto é o resultado do trabalho duro que fiz no último ano. Queria bater o recorde mundial, mas não era algo que estivesse à espera”, confessou a etíope, mais uma atriz na particular guerra entre Nike e Adidas, na procura dos ténis perfeitos e capazes de ajudar em marcas extraordinárias. Nos seus pés, Assefa tinha um novo modelo da Adidas que pesa apenas 138 gramas e que é de utilização única, ou seja, depois de uma maratona perde boa parte da eficácia. O preço de venda ao público está cifrado nos 500 euros. Até no mundo dos ténis desportivos os recordes se fazem.

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