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Uma barrigada de golos antes de se jogar a vida no Mundial

Não pareceu, na primeira parte, que a seleção conseguiria evidenciar as diferenças que existem entre Portugal e Cabo Verde, precipitando-se numa pressa a atacar, mas, após o intervalo, cedo o jogo se precipitou para o desequilíbrio. A vitória por 35-23 confirma que a derradeira partida da main round do Mundial, contra a Suécia (no domingo, às 19h30), será mesmo o tudo-ou-nada pela passagem aos quartos de final

Diogo Pombo

Adam Ihse/Getty

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O jogo ainda estava meio que à bulha com ele próprio, sem uma linha definidora para se poder aplicar um qualquer chavão de estar com “a toda de …”, quando Délcio Silva, fixando os pés que nem raízes, parou diante de Kiko Costa, deu um grito e deixou-se cair com aparato teatral. O cabo-verdiano cravou uma falta atacante e o intolerante apito do andebol para encenações presenteou o gesto com uma exclusão. A seleção africana, faltosa sem pudores, recebia a terceira exclusão em 10 minutos e já passara quase metade do tempo com menos um jogador no campo, mas não perdia.

Aliás, só após essa pesada mão sobre a teatralidade deixou de estar a ganhar, Portugal igualaria num 4-4 segundos volvidos, mas, quando o primeiro ‘xô daqui’ por um par de minutos se se aplicou a um adversário, logo aos 2’, o golo inaugural surgiu para Cabo Verde, cuja vantagem chegou a ser de dois golos apesar de outra exclusão não ter demorado (8’). Entre cronologia e números, este é resumo do arranque titubeante da seleção nacional que muito demorou a ser sacudida pelos jogadores portugueses, porventura ainda aturdidos pelo empate com o Brasil sofrido, há duas luas, já com a partida terminada.

Meia hora Portugal contou a não arranjar forma de atinar com as combinações que preferencialmente eram armadas pelos cabo-verdianos pela meia-direita do seu ataque, onde trabalhavam para lançar Bruno Landim e o seu potente braço esquerdo no alto dos seus centímetros. Entre o lateral direito e o ponta igualmente canhoto Flávio Fortes, os africanos pendiam a maioria das suas jogadas para esse lado, onde os permeáveis portugueses defendiam sem a coesão mostrada, por exemplo, frente à Hungria. Em muitos momentos, nem parecia haver justificação para o “amigos, não temos agressividade no ataque”, dito no cerrado sotaque de Ljubomir Obradovic, sérvio com incontáveis anos em Portugal, o treinador-quase-emigrante que foi o primeiro selecionador a pedir um desconto de tempo.

Essa suposta carência dos cabo-verdianos contrastava com a pressa dos portugueses quando tinham a bola, nunca a seleção se terá aproximado de ver as árbitras a erguerem um braço com o perigo do jogo passivo até ao intervalo, a impressão que davam era a da urgência em quererem rematar à mínima aberta e Paulo Jorge Pereira questionou-os sobre isso, sem grande aval. Só ao quarto de hora se viu Portugal com margem de dois golos no marcador que conseguiu ter no descanso (14-12), com cinco remates a sorrirem quando a baliza de Cabo Verde era inóspita - muito arriscou em atacar sem guarda-redes e os portugueses, mesmo sofrendo, conseguiram sempre marcar logo de seguido com rápidos lançamentos ao alvo deserto.

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Tamas Kovacs/Getty

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Adam Ihse/Getty

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Adam Ihse/Getty

Os cinco minutos e vinte segundos que os braços africanos neste jogo da lusofonia do Mundial demoraram a marcar um golo na segunda parte atestaram as melhorias da seleção, coadjuvadas, e muito, pela estreia de Rui Silva no encontro, poupado na meia hora anterior para ser o estratega do costume ao longo da última metade, ele não terá as magicações constantes de Miguel Martins para inventar algo fora da caixa com as manápulas. O capitão também nada deve à criatividade, arrisca menos, mas erra também muito menos e desarma nós enquanto pensa como haverá espaço acolá se aqui o caminho está tapado.

Com ele, a certeza de remate de António Areia na ponta direita e já com Kiko Costa a coabitar em ataques com André Gomes, acrescendo na imprevisibilidade das zonas por onde Portugal pode acelerar, a seleção zarpou a partir dos 40’, alargando a vantagem para lá dos seis golos. A partir daí, a desordem de Cabo Verde foi aumentando perante, aí sim, a melhoria portuguesa a defender a sua área de sete metros. À entrada para a última dezena de minutos, os africanos tinham somente cinco golos feitos desde o intervalo.

A seleção nacional ia nos dezasseis, muita gente a marcá-los e inclusive o ocasional riso momentâneo vindo do banco perante a catrefada de golos feitos numa baliza aperta - o selecionador mostrou os alegres dentes a Luís Frade, quando o pivôt viu o seu terceiro remate entrar no alvo com um arremesso do meio-campo, um contra-golo enquanto o adversário tentava repor o guarda-redes no seu lugar. Cedo se percebeu que o jogo se precipitava rumo ao desequilíbrio, desse abismo que pareceu distante na primeira parte já não fugiria.

No alto das bancadas magras em público - em Gotemburgo, os curiosos parecia ser sobretudo suecos, povo adorador de andebol - assistiu António Costa e a presença do Primeiro-Ministro é outro atestado de mérito a esta geração de jogadores, capazes de recolocar a modalidade na atualidade dos holofotes desportivos do país. Este segundo jogo da main round do Mundial terminou com uma vitória por 35-23, confortável como se esperava, mas não pareceu durante meia hora, uma dúzia de golos de diferença que será o completo oposto ao que vira no domingo (às 19h30, RTP2).

Contra o próximo adversário, a Suécia que é a atual campeã europeia, é utópico sequer imaginar igual barrigada goleadora. A seleção não depende apenas de si devido ao empate frente ao Brasil, mas já muito real é recordar como Portugal, em anos recentes, muito elevou o seu nível de jogo quando partilhou o campo com equipas mais felizardas em talento, recursos e quilometragem de andebol na sua história desportiva.