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Dos pavilhões aos filmes da Netflix, Juancho e Willy Hernangómez são mais uma dupla espanhola de irmãos basquetebolistas que brilha alto

Um é o jogador mais valioso da final do Eurobasket, o outro é o mais valioso do torneio. Juntos, Juancho e Willy Hernangómez sagraram-se campeões da Europa, o quarto título para a Espanha na história da competição. Depois de Barcelona e dos Gasol, é a vez de Madrid dar à seleção e à NBA uma dupla de irmãos com talento para o basquetebol e, neste caso, até para a representação

Rita Meireles

ANNEGRET HILSE/Reuters

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Para se perceber a dimensão do basquetebol espanhol e a qualidade dos seus jogadores, basta ler a frase com que a conta oficial do Eurobasket celebrou o triunfo da seleção no passado domingo: “O basquetebol é um jogo simples. Dez homens perseguem uma bola durante 40 minutos e, no final, ganha sempre a Espanha”. A medalha de ouro no Eurobasket é a 15.ª para a equipa masculina desde 1999 e a 28.ª para o basquetebol espanhol, somando os triunfos da equipa feminina.

Mas mais do que provar aquilo de que Espanha é capaz, este título provou que o país tem uma nova dupla de irmãos pronta para fazer história na modalidade. Depois de Pau e Marc Gasol, é necessário falar de Juancho e Willy Hernangómez, os maiores destaques da competição, o primeiro com 26 anos, o segundo com 28.

A equipa francesa não conseguiu encontrar resposta para Juancho, que foi a peça-chave da vitória espanhola na final. O mais novo dos irmãos assinou 27 pontos, naquele que terá sido o melhor jogo da sua carreira. No dia decisivo, foi ele o MVP (jogador mais valioso) da partida. Títulos que chegaram no momento certo, à hora certa, num daqueles casos em que se olha para todo o percurso de um jogador e se pensa: “Já merecia”.

Juancho chegou à NBA em 2015, depois de ter dado nas vistas em Espanha. O percurso na seleção foi sempre melhorando, mas quando parecia que se estava a desenhar uma carreira só com altos, chegaram os baixos. Tudo começou com uma lesão no ombro, com que chegou ao estágio de preparação para os Jogos Olímpicos de Tóquio. O diagnóstico não o assustou e fez de tudo para recuperar a tempo da competição, algo que conseguiu, mas competir no Japão foi-lhe negado pelo clube na altura: Minnesota Timberwolves.

Seguiu-se uma constante mudança entre clubes da NBA. Memphis Grizzlies, Boston Celtics, San Antonio Spurs e Utah Jazz. Cinco equipas no espaço de meses. E pelo meio, uma aventura no mundo da representação que surpreendeu.

O espanhol protagonizou, ao lado de Adam Sandler, o filme “Hustle”, da Netflix, produzido pelo ator e por LeBron James. Na fita, a personagem de Juancho chama-se Bo Cruz, um jogador espanhol encontrado por Stanley Sugerman, olheiro da NBA e personagem de Sandler, e catapultado para as grandes ligas. No filme, a relação de Cruz e Sugerman tem os seus altos e baixos, mas no fundo os dois partilham uma simples ligação: ambos são homens de família que se preocupam profundamente com as pessoas que amam. Nas gravações, Hernangómez e Sandler também se deram muito bem. "Ele era tão natural, tão normal", disse o jogador ao website "Tudum". “Isso foi o que mais me surpreendeu”, revelou.

No final do encontro, que os espanhóis venceram por 88-76, Sandler apressou-se a dar os parabéns a Juancho e também ao irmão numa publicação no Twitter.

“Hustle” ganhou um certo culto e Juancho Hernangómez uma possível nova carreira. Mas o seu grande amor é outro. "Amo tanto o basquetebol. Não poderia, não posso viver sem ele. Representar foi divertido, foi uma grande experiência, mas não é esse o meu sonho", confessou no final das gravações.

E assim foi. Depois da incerteza, este verão o caminho voltou a sorrir-lhe. Além de ter ganhado o Europeu e de ter sido eleito o MVP da final, assinou um contrato por uma época com os Toronto Raptors, depois da sua continuidade na NBA ter estado em dúvida.

"Tem sido um longo caminho, um caminho muito difícil com muitos altos e baixos. No final, com trabalho e acreditando em nós próprios, tudo se resolve. Não tem sido um caminho de rosas a nível pessoal, com momentos complicados que ajudam a saborear estes momentos felizes", disse após o jogo da final.

Há ainda mais um título para Espanha e a família Hernangómez festejarem: Willy foi eleito o MVP do torneio. O líder da equipa em pontos e ressaltos recebeu o prémio das mãos de Dirk Nowitzki, num momento em que o irmão não conseguiu conter as lágrimas. Além disso, foi um dos escolhidos para integrar a equipa all-star do campeonato, ao lado de Dennis Schroder, Lorenzo Brown, Giannis Antetokounmpo e Rudy Gobert.

O jogador dos New Orleans Pelicans marcou 14 pontos e 8 ressaltos no jogo da final e terminou o torneio com uma média de 17,2 pontos e 6,9 ressaltos por jogo. O jogo dos ‘quartos’ foi, a nível individual, o momento mais alto, quando assinou 27 pontos.

"É difícil de explicar com palavras. Estou muito orgulhoso dos meus colegas de equipa, da minha equipa técnica, de toda a federação espanhola. Merecemos esta medalha, esta medalha de ouro, devido à forma como nos preparámos desde o início, à forma como crescemos durante o torneio. Foi algo grandioso", disse na conferência de imprensa após a final.

Willy, que já passou também por equipas como os New York Knicks e Charlotte Hornets, mostrou-se “muito orgulhoso” pelo “crescimento” do irmão ao longo do torneio. "Confiámos nele desde o início, ele sabia-o. Teve de deixar o jogo entrar nele e nós precisávamos dele hoje. Ele tem estado pronto para nós. Hoje foi o Juancho e não o Bo Cruz", assegurou.

Para os mais distraídos, Willy apresentou o duo durante a conferência de imprensa: "Somos dois irmãos que vêm de uma família humilde de um município de Madrid, Las Rozas. A nossa família incutiu em nós valores e a ideia de que, através do trabalho, esforço e sacrifício, os sonhos podem tornar-se realidade. O meu irmão e eu sonhámos sempre com jogar basquetebol enquanto crianças. Nunca pensámos que podíamos jogar na ACB [liga espanhola], nunca pensámos que podíamos estar na NBA durante sete anos".

Os irmãos Hernangómez são, assim, mais uma prova da fábrica de talentos espanhola e de que vale a pena sonhar.