A cara dos nadadores quando emergem após o derradeiro esticar de braço dado para tocarem na parede da piscina, tiram as lunetas aquáticas e olham para o placard pendurado sobre o depósito de água é denunciadora de sensações: a boca aberta para dar vazão ao arfar, as feições de rastos e eles agarrados às divisórias das pistas que são feitas de pequenas boias. Findos os 100 metros de esforço contínuo para nadarem no estilo livre que nós, meros executores de cacholadas triviais, conhecemos como crol.
Com os seus olhos, por natureza, já de persianas semicerradas, David Popovici estava fatigado. Não o escondia nem é suposto que o tente e o cansaço de ter acabado de dar abraços frenéticos à água doce enquanto se impulsionava com a hélice feita de pés para uma ida e volta na piscina olímpica do Foro Italico, em Roma, ao ar livre para até os céus assistirem à proeza velocista.
O romeno demorou somente 46 segundos e 86 centésimos a nadar os 100 metros na final dos Europeus e terá nas costelas alguma mutação com guelras face ao que esse tempo represente: é um novo recorde mundial da distância, batendo a anterior marca que durava desde 2009, quando o brasileiro Cesar Cielo a fixou nos Mundiais. “Não havia pressa, tinha de ser extremamente paciente quanto ao recorde”, disse, no pós-conquista, quem só habita neste mundo há 17 anos.
O adolescente retirou cinco centésimos à anterior marca, conseguida ainda nos tempos em que não tinham sido banidos (em 2010) os super fatos de corpo com materiais que reduziam o atrito dos nadadores na água. E a coincidência também boiava na piscina: 13 anos atrás, Cielo também fixara o seu recorde em Roma. Nas meias-finais de sexta-feira, o romeno já batera a melhor marca europeia e as palavras que lhe saíram foram um prenúncio: “Disse que era apenas mais um passo na direção certa e tinha razão”.
Os fenómenos de precocidade são raros na natação, mas não inéditos. Aos 15 anos e nove meses, o sublime Michael Phelps bateu o recorde mundial dos 200 metros mariposa; com 15 anos e três meses, o australiano Ian Thorpe virou o mais jovem campeão do mundo da história nos 400 metros livres. São duas lendas das piscinas com medalhas olímpicas penduradas algures em casa que David Popovici quererá emular, apesar das distâncias que os separam. “É bom ser capa de dizer que sou o mais rápido de sempre e também que colidi com os titãs”, resumiu, já depois de se curvar numa vénia no Foro Italico, gesto que está a replicar a cada conquista.
Já este ano e nos Mundiais de natação de Budapeste, o romeno levou o ouro dos 100 e 200 metros, embora sem competir nas finais contra Caeleb Dressel, o atual tubarão da primeira distância que se retirou nas meias-finais. O americano foi o melhor nos Jogos Olímpicos de Tóquio onde Popovici ficou à porta das medalhas, no 4.º lugar. Conseguido este feito em Roma, porém, o nadador já se apelidou de “lenda magra” (skinny legend) - é anormalmente magro para um nadador de elite - e, no Instagram, escolher o nome “papá do cloro” para identificar a conta na qual é contido no número de publicações e já citou referências díspares como Vince Lombardi, o primeiro treinador a conquistar a Super Bowl do futebol americano.

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Quando o fez, escolheu a seguinte frase: “Acredito firmemente que a melhor hora de qualquer homem, a maior realização de tudo o que lhe é querido, é quando deu todo o coração para trabalhar por uma boa causa e jaz exausto no campo de batalha - vitorioso”. A arfar, com os bofes de fora e a fitar o placard para ver a sua marca, lá estava David Popovici, o novo adolescente dono de guelras nas piscinas. Agora, já assumiu estar “totalmente consciente do que vem a seguir” com a atenção mediática, as expetativas e a pressão.
O romeno fará 18 anos no próximo mês, a idade adulta dar-lhe-á maior carga muscular e exigir-lhe equilibrismo para chegar à dosagem certa “entre força e eficiência”, explicou Adrian Radulescu à “France 24”, o treinador que o começou a limar quando Popovici apareceu no seu centro de treinos em Bucareste, com 10 anos, simplesmente para se divertir a nadar.
Hoje diz sem pudores e da boca para fora que almeja nadar os 100 metros abaixo dos 46 segundos, garantindo que tudo no desporto é divertimento, incluindo “quando estás extremamente cansado e só te apetece vomitar” - porque “meia hora depois” tudo passou e “já não te queres matar” e “sentes que tudo valeu a pena”. O esgar de fadiga extrema, de facto, evaporou-se rapidamente da cara de Popovici.