Foi abrir a matar. Tal como em Tóquio, há um ano, o primeiro salto de Pedro Pablo Pichardo na final do triplo salto já seria suficiente para conquistar o ouro, mas se nos Jogos Olímpicos a melhor marca do português (17,98) só apareceria à terceira tentativa, nos Mundiais de Eugene, já na madrugada deste domingo em Portugal, Pichardo dinamitou desde logo a competição.
Foram 17,95 metros logo para colocar a concorrência no lugar. Uma marca à qual ninguém chegaria nem perto e ao título olímpico o atleta junta agora o mundial, uma medalha que lhe escapou em Doha 2019, na primeira grande competição que fez por Portugal. Repete o feito de Nelson Évora, campeão mundial do triplo em Osaka 2017. Pichardo já havia sido duas vezes vice-campeão mundial, em 2013 e 2015, ainda como atleta cubano.
Depois de um primeiro salto, melhor marca mundial do ano e que praticamente lhe garantia a medalha de ouro, Pichardo foi em busca de outro objetivo: os 18 metros, que ainda não conseguiu atingir enquanto atleta português. Seguiu-se uma tentativa a 17,92 e à terceira chegou aos 17,57. Como habitualmente, Pichardo abdicou então de um dos saltos para ganhar energias para o final do concurso, mas o esperado salto dos 18 metros não chegaria ainda. Fez um nulo ao 5.º ensaio e 17,51 no último.
Bem atrás do português ficaram Hugues Fabrice Zango, do Burkina Faso, que fez também o seu melhor esforço logo a abrir (17,55), e o chinês Yaming Zhu (17,31). Um pódio igual ao de Tóquio, com Zango e Zhu a trocarem apenas posições.
“Entrei só a pensar em mim, focado em fazer um grande salto”, sublinhou o atleta logo após a prova, feliz mas sem esconder a frustração de não ter conseguido chegar aos 18 metros. “Queria ultrapassar essa barreira. Comecei a tentar, fiquei a poucos centímetros. Voltei a tentar, no segundo, também não saiu e foi assim até ao final. O mais importante foi a medalha de ouro. E estou feliz!”, explicou ainda, depois de ter ficado a três centímetros do recorde nacional que bateu em Tóquio.
O concurso não aconteceu sem surpresas, com Lázaro Martínez, o cubano que surpreendeu Pichardo nos últimos Mundiais em pista coberta, em Belgrado, a nem sequer conseguir uma marca, ao fazer três nulos. Will Claye, duas vezes vice-campeão mundial e olímpico, ficou fora dos últimos três saltos. Christian Taylor, campeão olímpico em Londres 2012 e Rio 2016 e quatro vezes campeão mundial, nem sequer passou da qualificação - o norte-americano ainda recupera de uma grave lesão.
No pódio, com Zango e Zhu
John G. Mabanglo/EPA
“Temos muitos anos no desporto e só de olhar conseguimos perceber se os rivais estão bem ou não. Desde a qualificação já sabia que, fazendo um bom salto, eles não iam conseguir, porque não estavam bem. Já sabia disso e aproveitei”, frisou o português, que diz ter ainda muito para ganhar.
“Ainda falta ser o primeiro português a ultrapassar a barreira dos 18 metros, ainda falta bater o recorde do mundo, falta ser campeão da Europa, falta muita coisa, muita coisa… há sempre alguma coisa para conquistar”, reforçou.
Esta é a primeira medalha para a comitiva portuguesa nos Mundiais de Eugene, nos Estados Unidos. E Pichardo tornou-se no sétimo português a conquistar um título mundial no atletismo, depois de Fernanda Ribeiro, Manuela Machado, Carla Sacramento, Inês Henriques, Rosa Mota e Nelson Évora.
Olho no recorde e o agradecimento ao pai
Já de medalha de ouro ao peito, o triplista de 29 anos admitiu que este era “um título que estava em dívida", não escondendo a emoção. A dedicatória foi para Portugal e para o pai, o seu treinador, Jorge Pichardo.
“Dedico a vitória ao meu pai, à família, ao clube e ao país. Portugal, que me deu oportunidade para seguir a carreira ao mais alto nível”, disse, não esquecendo as Câmaras Municipais de Setúbal e Palmela, bem como o Pinhal Novo, onde reside. “Esta medalha é de Portugal”, reiterou.
O recorde do mundo de 18,29, nas mãos de Jonathan Edwards desde 1995, é algo que há muito lhe paira na cabeça e nos objetivos e sente-se que até lá o atleta do Benfica não ficará totalmente satisfeito. “Sou muito ambicioso, estou feliz, era um título que estava em dívida, mas não vou esconder que queria saltar 18 metros. A época ainda não acabou e vou continuar a tentar”, assumiu, referindo também que o pai, o sempre exigente Jorge Pichardo estava “muito feliz”.
“Embora não tenha ultrapassado os 18 metros, campeão do mundo é sempre campeão do mundo”, reforçou, depois de ouvir o hino nacional num Hayward Field já muito despido. Pichardo diz que o sotaque que trouxe da ilha das Caraíbas onde nasceu vai sempre ficar consigo, mas que em casa já se fala português. “Já tenho anos em Portugal, a minha filha nasceu lá, a minha mulher fala português e é português que eu falo em casa. Já sei o hino há muito tempo. Mas claro que tenho sotaque e foge sempre alguma palavra para o espanhol, é normal”, disse.