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Dina Averina, a ginasta russa que tem a maior adversária na irmã nascida 20 minutos mais cedo

Dina Averina com a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Dina Averina com a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Sergei Bobylev

Também conhecida como 'o demónio', Dina Averina é a estrela da seleção russa de ginástica rítmica e pode estar prestes a tornar-se na ginasta mais titulada em Mundiais — competindo contra a irmã gémea, Arina. O Campeonato do Mundo de ginástica rítmica arranca na quarta-feira, pela primeira vez, no mesmo ano dos Jogos Olímpicos (e no mesmo país)

Tribuna Expresso

Em quatro anos, Dina Averina ganhou 16 medalhas em campeonatos do mundo de ginástica rítmica, sendo que 11 das quais são de ouro. Para além disso, alcançou também a prata olímpica este verão em Tóquio e inúmeras medalhas em campeonatos da Europa e Taças do Mundo, tornando-a assim numa das ginastas russas mais dominantes de sempre. Pode vincar ainda mais esse domínio nos próximos Campeonatos do Mundo, podendo ficar como a ginasta com mais medalhas em mundiais nesta modalidade.

Mas essa hegemonia teve quase a não acontecer: aos 13 anos, pesava apenas 26 quilos, mas a debilidade da russa passou a ser um dos seus pontos fortes. Agora, mede 1,67 m (altura média para uma ginasta desta modalidade), permitindo-lhe realizar elementos extremamente complexos nos seus exercícios, que desde 2017 lhe deram tantas vitórias.

A complexidade do que executa é algo que tem cativado várias ex-campeãs da modalidade, como é o exemplo de Margarita Mamun, a russa que ganhou o ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. “Agora, como não há limite para o que as ginastas possam fazer, tudo funcionou bem para ela. Dina sabe trabalhar muito bem com estas regras. Está constantemente a aumentar o nível da dificuldade, mas não se esquece do ritmo e tempo da música”, disse Mamun em entrevista ao “Olympic Channel”.

Dina é conhecida pelos seus exercícios rápidos e dinâmicos, combinação perfeita com os seus fatos brilhantes com cores fortes de verão. Possui também uma excelente técnica de aparelho, permitindo que realize exercícios com um elevado grau de dificuldade e confessa gostar mais das regras quando as ginastas podem expressar e “ligar mais à beleza da ginástica em vez da técnica”, como refere numa entrevista à “European Gymnastics” (a União Europeia de Ginástica).

Dina prefere fatos coloridos e o seu aparelho favorito é maças, onde demonstra todo o seu talento
KONTROLAB

Influência da irmã e carreira júnior

Foi exatamente a beleza da ginástica e a influência da irmã mais velha, Polina, que fez com que quisesse começar a praticar a modalidade, aos quatro anos. “A minha irmã mostrava alguns elementos básicos, como a esparregada e, como tinha muita energia, disse à minha mãe que queria praticar ginástica rítmica”, recordou, no programa, “Behind the Gold” ("Por Detrás do Ouro", em português).

Dina nasceu em agosto de 1998 em Zavolzhye, pequena cidade na região de Níjni Novgorod. Tem uma irmã gémea, Arina, que nasceu 20 minutos mais cedo. As duas praticam ginástica rítmica desde a infância e agora são as principais figuras da equipa nacional russa.

A primeira treinadora das irmãs foi Larisa Belova, mas, na altura, Dina e Arina “levavam tudo muito na brincadeira”, recorda a irmã mais velha, o que explica porque não eram vistas como grandes promessas ou futuras estrelas da modalidade.

Uma dessas brincadeiras surgiu quando tinham seis anos e viram as Olimpíadas de Atenas, em 2004 — Dina fingia ser Alina Kabaeva (campeã olímpica nesse ano) e Arina imitava Irina Tchachina (medalha de prata).

O talento foi apenas descoberto quando, em 2010, ficaram em segundo e terceiro lugares nos campeonatos nacionais de juniores (para ginastas entre os 13 e os 15 anos). Os resultados fizeram com que as irmãs Averina fossem chamadas a integrar os treinos da seleção russa em setembro de 2011, quando tinham apenas 13 anos. Aí mudaram-se para a capital, Moscovo, onde começaram a ser orientadas por Vera Shatalina, a sua treinadora atual e coincidentemente a treinadora de um dos seus ídolos de infância, Kabaeva.

Como juniores Dina e também Arina não tiveram muitas oportunidades de competir internacionalmente, muito por causa da grande quantidade de ginastas que a Rússia tem. Mesmo assim, ainda participaram juntas em alguns torneios internacionais onde ganharam algumas medalhas.

De "arma secreta" a campeã do mundo

Também nos primeiros anos como sénior, Dina e a irmã competiam em apenas alguns torneios internacionais, porque faziam parte da equipa de reserva, visto que apenas as ginastas da equipa principal é que são chamadas às competições mais importantes.

A partir de 2016, começou a ganhar mais protagonismo dentro da equipa nacional russa, o que a levou a participar numa série de Taças do Mundo e Grande Prémios, ganhando várias medalhas nessas competições. Os bons resultados levaram a Irina Viner, a principal treinadora da Rússia, lhe chamasse de “arma secreta”.

Com o início de um novo ciclo olímpico, Dina passou a ser uma das líderes da equipa nacional, permitindo-a representar a Rússia nas competições mais de elite. Só em 2017, Dina ganhou nove medalhas entre os campeonatos do mundo e da Europa, nos quais apenas três foram de prata. Mesmo com estes momentos altos, a jovem ginasta admitiu “estar um pouco nervosa” durante os campeonatos do mundo de Pesaro, competição onde Dina e Arina se afirmaram como as novas estrelas no mundo da ginástica rítmica.

Domínio absoluto

O ano de 2018 provou ser mais desafiante, muito por causa de lesões que a chegaram a colocar de fora dos campeonatos da Europa de Guadalajara, a uns quilómetros de Madrid. Dina tinha apenas competido na Taça do Mundo de Pesaro, até viajar até a Alemanha para tratar de uma lesão, como é mostrado no documentário russo, “Irina” ("Ирина", em russo). Contudo, uma lesão grave da sua compatriota, Aleksandra Soldatova mudou a sou sorte. “A treinadora perguntou-me se eu conseguia competir e disse que sim. Estava simplesmente grata e feliz por poder participar e, depois, fiquei ainda mais quando a Arisha [Arina] ganhou”, contou em entrevista à Federação Internacional de Ginástica (FIG) no final desse ano. Dina, então com 23 anos, ficou em segundo lugar.

Entre o final desse ano e a temporada de 2019 ganhou mais dois títulos de campeã do mundo no all-around (concurso geral), juntando-se assim a grandes ex-campeãs da modalidade como Maria Petrova (BUL), Mariya Gigova (BUL), Evgenia Kanaeva (RUS) e Yana Kudryavtseva (RUS). Tornou-se apenas na quinta ginasta na história a conseguir ganhar três títulos mundiais no concurso geral (fê-lo entre 2017 e 2019).

Dina com fita nos campeonatos da Europa de 2017, em Budapeste
ATTILA KISBENEDEK

Paragem forçada e novos objetivos

Mas todo este domínio foi posto em pausa quando a pandemia da covid-19 obrigou ao cancelamento ou adiamento de várias competições internacionais. Nessa mesma altura, foi-lhe diagnosticada uma lesão nas costas (que pode precisar de cirurgia), o que a tem obrigado a competir com uma cinta ortopédica.

Mesmo em confinamento, toda a seleção russa continuou a treinar no centro de treinos em Novogorsk, uma pequena vila na região de Moscovo, e não houve grandes alterações ao horário pré-pandemia. Esta paragem forçada levou a que as ginastas alterassem alguns dos seus exercícios: Dina alterou três dos seus quatro exercícios (as ginastas têm quatro exercícios, um para cada aparelho: arco, bola, maças e fita).

Dina regressou ao circuito internacional ganhado as Taças do Mundo de Tashkent e Pesaro. Também foi chamada para os campeonatos da Europa que decorreram em Varna, na Bulgária, onde conquistou quatro medalhas de ouro, uma de prata e outra de bronze.

O seu domínio ao longo dos últimos anos fizeram com que fosse as favorita à conquista do ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio, mas na final foi surpreendida pela israelita, Linoy Ashram, que acabou por se tornar na nova campeã olímpica. A derrota das russas levou a uma onda de protestos, principalmente por parte de Viner, mas a FIG já comunicou que todos os resultados nas finais de grupos e individual “foram justos e imparciais.”

Dina executando um dos seus elementos característicos com o arco
Laurence Griffiths

Mesmo com a derrota, Dina e a restante seleção russa que participou nas olimpíadas deste verão tiveram uma calorosa receção na chegada ao seu país, algo que a surpreendeu. “Não esperava ver tantas pessoas a quererem dar-nos as boas-vindas e os parabéns. Estão cá muitos fãs que nos ofereceram flores e fotografias”, disse quase em lágrimas à televisão russa, “Matchtv.”

Acrescentou ainda que todo o apoio a motivou para continuar a lutar pelos seus objetivos. Para já, esses objetivos passam por Kitakyushu, onde a jovem de 23 anos procura tornar-se na ginasta com mais medalhas em campeonatos do mundo. A longo prazo, gostaria de tentar chegar aos Jogos Olímpicos de Paris em 2024 e estudar Economia.

Apoio incondicional de Arisha

Mas qualquer que seja a sua decisão, a líder da equipa nacional russa poderá contar sempre com o apoio incondicional de Arina, vencedora de 11 medalhas só em mundiais. A mais velha das irmãs gémeas é um pouco introvertida, mas tem uma grande admiração pela sua irmã. “Dina é forte, quase como uma chama. Faz sempre a coisa certa”, confessou à FIG em 2018.

Embora as gémeas Averina sejam extremamente parecidas, são ao mesmo tempo muito diferentes. “Temos carateres opostos, mas complementamo-nos uma à outra”, disse Dina no documentário lançado este verão, “Rússia, o império da rítmica”. Dina, muito mais expressiva e impulsiva que a irmã, é conhecida por ser “um demónio, muito pela sua determinação e força de vontade”, afirmou Arina, a mais calma, entre risos.

Têm feito todo o seu caminho juntas desde pequenas e são “únicas pela sua relação e amizade”, como refere a treinadora das gémeas. Mas, no início, essa amizade era um pouco mesclada com zangas e birras de crianças. “Durante a nossa infância, não era preciso uma razão para discutirmos”, disse Arina, com riso malandro, ao “Olympic Channel”.

Arina Averina (esquerda) e Dina Averina (direita) nos campeonatos do mundo de Bacu em 2019
Natalia Fedosenko

Disse ainda que agora como estão mais crescidas, entendem-se melhor. Este amor mútuo leva a que as duas partilhem quase um “sexto sentido” ou o poder de telepatia, ao “saberem o que a outra necessita sem ser preciso falar”, revelaram ambas ao “Olympic Channel” antes dos últimos campeonatos do mundo, que decorreram em Bacu, a capital do Azerbaijão.

Esta relação quase invejável leva a que as duas tirem o melhor de si próprias, algo que transparece nos resultados competitivos das duas, mesmo que não celebrem as suas vitórias. “Não existe nenhuma competição entre nós, apenas apoio. Quando uma não consegue, cabe à outra ganhar pela família Averina e pela Rússia”, disse Dina numa entrevista à FIG.

Podem não celebrar as vitórias e até terem personalidades diferentes, mas encaram cada competição e cada época como uma "tela em branco", para assim poderem “surpreender as suas rivais e mostrar o seu melhor.” Agora, isso passa novamente pelo Japão, onde darão o seu melhor e tentar manter o “ouro numa questão familiar.

*este texto foi escrito por Mariana Alves Antunes e editado por Diogo Pombo.

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