Para explicar o que se passou esta noite, em Kiev, é preciso recuar no tempo.
24 de maio de 2014, Estádio da Luz, Lisboa. O Real Madrid vence a Liga dos Campeões, frente ao Atlético de Madrid (4-1), com a seguinte equipa: Casillas, Carvajal, Ramos, Varane, Coentrão, Modric, Khedira, Di María, Bale, Benzema e Ronaldo (e ainda entram Marcelo, Isco e Morata).
28 de maio de 2016, Estádio de San Siro, Milão. O Real Madrid vence a Liga dos Campeões, frente ao Atlético de Madrid (5-3 após penáltis), com a seguinte equipa: Navas, Carvajal, Ramos, Pepe, Marcelo, Casemiro, Modric, Kroos, Bale, Benzema e Ronaldo (e ainda entram Danilo, Vásquez e Isco).
3 de junho de 2017, Estádio Millennium, Cardiff. O Real Madrid vence a Liga dos Campeões, frente à Juventus (4-1), com a seguinte equipa: Navas, Carvajal, Ramos, Varane, Marcelo, Casemiro, Kroos, Modric, Isco, Benzema e Ronaldo (e ainda entram Bale, Asensio e Morata).
26 de maio de 2018, Estádio Olímpico, Kiev. O Real Madrid vence a Liga dos Campeões, frente ao Liverpool (3-1), com a seguinte equipa: Navas, Carvajal, Ramos, Varane, Marcelo, Casemiro, Kroos, Modric, Isco, Benzema e Ronaldo (e ainda entram Bale, Asensio e Nacho).
Os nomes deles estão a negrito, por isso notam-se bem e facilitam o entendimento do que aqui se pretende dizer: eles são sempre os mesmos. Esta noite, aliás, foram exatamente os mesmos do ano passado. E foi por eles serem os mesmos que Klopp já tinha dito, na antevisão da final, que a "experiência" e a "frieza" dos jogadores do Real Madrid era "uma enorme vantagem" para hoje.
E foi mesmo.
Apesar de ter havido um a. S. e um d. S.
Antes da lesão de Salah, o Liverpool foi a melhor equipa. Entrou pressionante, como se esperava, com o trio atacante Salah-Firmino-Mané a condicionar a construção adversária, e foi ganhando duelos e confiança quase ao mesmo ritmo alucinante com que trocava a bola e se ia aproximando da baliza de Navas.
Firmino tentou, Ramos desviou, Alexander-Arnold tentou, Navas defendeu.
Mas, à meia-hora de jogo, tudo mudou.
O homem que já tinha marcado 44 golos esta época sentou-se e desatou a chorar compulsivamente. Num lance dividido com Ramos, Mohamed Salah caiu mal - Ramos imaginou-se, como habitualmente, num ringue de wrestling e puxou o adversário para o chão com ele - e lesionou-se no ombro.
Para Salah, a final da Champions acabou ali. E, para o Liverpool, também.

A lesão de Mohamed Salah na final da Liga dos Campeões
Matthew Ashton - AMA
Com a entrada de Adam Lallana, a equipa de Klopp nunca mais foi a mesma e o Real Madrid, com a frieza que lhe é característica, foi crescendo no jogo. Agora mais tranquilos com bola, os defesas começaram a conseguir encontrar os médios, os médios começaram a conseguir encontrar os avançados e, no final da 1ª parte, já havia um golo de Benzema - anulado por fora de jogo, depois de um cabeceamento de Ronaldo travado por Loris Karius.
Naquela altura, o guarda-redes alemão ainda estava a milhas de fazer com os adeptos do Real Madrid se lembrassem do seu compatriota Sven Ulreich. O guarda-redes do Bayern de Munique, nas meias-finais frente ao Real Madrid, deu um brinde a Karim Benzema quando falhou, com os pés, a interceção de uma bola fácil.
E, no início da 2ª parte da final da Liga dos Campeões, Karius decidiu imitar Ulreich: toma lá, Benzema. O guarda-redes do Liverpool tinha a bola controlada nas mãos, mas, ao querer passá-la rapidamente, atirou-a contra Benzema. Resultado: provavelmente o pior golo da história das finais da Liga dos Campeões.

É provável que nunca mais a esqueça, mas Lorius Karius teve uma final da Liga dos Campeões para esquecer
Nick Potts - PA Images
Ainda assim, pouco depois, o Liverpool ainda conseguiu responder. Num canto, Lovren desviou a bola na área e Mané fez o 1-1. A equipa de Klopp voltou a ganhar ânimo - assim como os adeptos ingleses, absolutamente excecionais no apoio à equipa -, mas a festa durou pouco.
É que depois entrou Gareth Bale.
E o galês, aos 64', dois minutos depois de ter entrado em campo, marcou, depois de um cruzamento perfeito de Marcelo, de bicicleta (sai da frente, Ronaldo), aquele que é provavelmente o melhor golo da história das finais da Liga dos Campeões (desculpa, Zidane).
É que o Real Madrid tem isto: com bola, demore mais ou menos, é provável que chegue, algures no tempo e no espaço, ao golo. Porque dispõe de jogadores com recursos técnicos ímpares e algum deles é capaz de criar uma jogada qualquer que vá dar num golo qualquer.
Na reta final do jogo, Ronaldo (não marcou, mas foi o melhor marcador da prova, com 15 golos, e tornou-se no primeiro homem a conquistar cinco Ligas dos Campeões na era moderna da competição) ainda apareceu isolado, mas Robertson roubou-lhe o golo, e Mané quase empatou, mas o poste travou-lhe as intenções.

Já são cinco Ligas dos Campeões para Ronaldo
VI-Images
E, no final, algures no mundo, Sven Ulreich terá suspirado de alívio. É que Karius não borrou a pintura só uma vez: voltou a errar de forma incrível, ao deixar entrar um remate de longa distância de Bale, à figura.
3-1, numa final da Liga dos Campeões que, às tantas, fez lembrar um episódio inverosímil de "Oliver e Benji". Mas aconteceu mesmo. Com o vencedor do costume.