É uma das poucas histórias em que o desporto dá prioridade às mulheres e não aos homens, mas aconteceu. A natação artística, também conhecida como natação sincronizada, está no programa olímpico desde 1984, mas os atletas masculinos foram sempre barrados das competições de elite. Para os mais distraídos, nenhuma equipa mista ou masculina alguma vez disputou os Jogos Olímpicos.
Mas isso vai mudar já em 2024. Em Paris, os homens vão competir pela primeira vez em natação artística. O Comité Olímpico Internacional (COI) aprovou que até dois homens possam ser escolhidos no evento de oito equipas. A notícia chega sete anos depois da primeira participação masculina nos Mundiais.
O italiano Giorgio Minisini, medalha de ouro nos Mundiais, recebeu a notícia com satisfação. “A evolução do nosso desporto em direção à inclusão está a avançar rapidamente”, disse à “BBC”. “Esta decisão do COI e da World Aquatics vai ajudar-nos a tornarmo-nos um exemplo para todo o movimento olímpico”.
Bill May, o primeiro campeão mundial de sempre no lado masculino, sublinhou a realização de um sonho. “A inclusão de homens foi em tempos considerada o sonho impossível. Isto prova que todos nós devemos sonhar em grande. Os atletas masculinos resistiram. Agora, através da sua perseverança e da ajuda e apoio de tantos, todos os atletas podem ficar ao lado uns dos outros de forma igual, alcançando a glória olímpica”.
Numa prova de natação artística, os atletas têm poucos minutos para mostrar a sua força, flexibilidade e resistência aeróbica. Se, até hoje, os homens não competiram nos Jogos Olímpicos, é porque nunca foram vistos com características ideais para a prática da modalidade. Não negando a força que naturalmente têm, são, na maioria dos casos, mais pesados, o que os torna menos flexíveis e lhes dificulta a tarefa de flutuar. Esta foi sempre a visão geral.

Giorgio Minisini é italiano, tem 26 anos e já foi três vezes campeão mundial, além das quatro medalhas de ouro que conquistou em Europeus de natação artística (ou sincronizada)
Mondadori Portfolio/Getty
As próprias nadadoras a quem a participação nunca foi negada já assinalaram isso mesmo. A antiga campeã mundial russa Varvara Subbotina disse ao “Sport Express” que a “estética” das pernas dos homens significava que era melhor que a modalidade fosse exclusivamente feminina.
Esta é a opinião de muitas para os lados da Rússia, na verdade. “A minha atitude em relação à natação sincronizada masculina é muito negativa”, disse Anastasia Ermakova, quatro vezes campeã olímpica. “Sou categoricamente contra os homens no nosso desporto”, disse Svetlana Romashina, tricampeã olímpica.
Estas críticas, assim como alguns estereótipos que resultam de praticar um desporto “de mulheres”, são alguns dos comentários com que os atletas do género masculino foram lidando ao longo das suas carreiras. Em vez de aceitá-los ou ignorá-los, decidiram quebrá-los.
Minisini explicou à “CNN” que “ser homem não significa que se tenha de ser um certo tipo de homem”, acrescentado: “Ser mulher não significa que se deva ser um certo tipo de mulher. Podem ser o que quiserem”.
No fundo, trata-se de uma dança na água. Se o lado da elegância e estética tem peso, o lado coreográfico também tem. Ou talvez tenha ainda mais. Se com os pés no chão a dança, mais ou menos clássica, tem um lugar para todos, dentro de água é exatamente o mesmo.
“Penso que estas diferenças fazem a beleza [da vida]. Devemos encorajar esta diferença”, concluiu.
Alexander Maltsev, também ele russo, garante que o único motivo pela qual se reage de forma negativa à inclusão dos homens na natação artística é porque ainda não se consegue colocar uma imagem no momento. Por ainda ser difícil de visualizar. “Muitas pessoas simplesmente não o conseguem imaginar. Mas quando veem, mudam de ideias. Sempre tive muitos adversários. Participei em encontros não competitivos, porque não tínhamos uma categoria oficial, mas a receção do público foi sempre calorosa”, contou à “BBC”.
O que se espera é que assim seja, já a partir de 2024, em Paris.