Cai uma chuva de bradar aos céus nesta manhã de sábado em Tóquio. Os canoístas fazem da água e das pagaiadas o seu modo de vida, mas dispensavam bem a que lhes cai em cima, que vem como que em golfadas e depois pára, intercalada com um sol maluco que queima: os Jogos estão para acabar e a meteorologia na capital nipónica não há meio de se decidir.
A final do K4 500 acontece, curiosamente, numa dessas abertas. Ainda há pouco chovia, agora há sol, mas o sol metafórico não nasceu este sábado para Emanuel Silva, João Ribeiro, Messias Baptista e David Varela. Estão na pista oito, numa das pontas, o que é mau para controlar a corrida e os adversários. As meias-finais também mostraram que os rivais estão fortes, muito fortes. Principalmente a Alemanha e a Espanha, que bate o recorde olímpico ainda nas eliminatórias. No tiro, o tempo de reação está na média, mas a embarcação portuguesa rapidamente perde o comboio da frente. Chega em 8.º lugar, a mais de três segundos da frente.
A prova olímpica é apenas a segunda que o quarteto português faz desde que se qualificou nos Mundiais de 2019. Entretanto meteu-se a pandemia. Fizeram a Taça do Mundo de Szeged, em maio, e ficaram perto das medalhas. O último teste estava marcado para os Europeus deste ano, em junho, mas um problema renal de Emanuel Silva impediu a participação e mais uma referência de comparação com os rivais.
João Ribeiro, que também esteve no K4 que foi 6.º no Rio, há cinco anos, diz que a falta de provas nem é uma questão, lembrando que a embarcação australiana, que terminou em 6.º, estava sem competir desde o Mundial de 2019.
Os quatro estão visivelmente abatidos. Chegaram a uma final olímpica, garantiram mais um diploma para Portugal, mas o 8.º lugar não era claramente o que queriam. “Às vezes fazer tudo bem e estar no nosso melhor não chega”, desabafa Messias Baptista, o mais novo do quarteto, com 22 anos e a fazer a estreia olímpica. David Varela também se estreia em Tóquio. Garante que os quatro acabaram “sem nada”, mas que isto é “uma final olímpica, estão os oito melhores barcos do Mundo”.
“É uma prova de quatro em quatro anos e toda a gente aponta para o mesmo. Não podemos ter vergonha do que fizemos”, conta.
JOSÉ COELHO/LUSA
Emanuel Silva é o líder, o mais velho e experiente do grupo, uma medalha olímpica no currículo e cinco Jogos Olímpicos às costas. Não está feliz com o que aconteceu na pista do Sea Forest Waterway de Tóquio.
“Obviamente que está a custar digerir. Nós passamos mais de 250 dias fora de casa, isto aqui é a segunda família. Queríamos mais? Claro que queríamos mais. Vínhamos com ambição para mais? Vínhamos com ambição para mais. Nós treinamos a pensar numa medalha olímpica, nós competimos a pensar numa medalha olímpica, nós descansamos a pensar numa medalha olímpica, nós abdicamos de tudo a pensar numa medalha olímpica”, dispara, antes de dizer que, apesar da desilusão, está de “consciência tranquila”.
E continua: “O foco para uma final olímpica desgasta bastante e as pessoas têm de entender que é uma luta conseguir alinhar emoções, sensações e determinação de quatro atletas dentro do mesmo barco, numa final olímpica. São quatro atletas com estilos e pensamentos distintos. Têm de estar os astros alinhados, as energias têm de estar positivas. Tem de estar tudo sincronizado. Quatro atletas dentro do mesmo barco é muito difícil. Hoje ficámos em 8.º não quer dizer que daqui a três anos o K4 que se apresente não consiga melhorar”.
Emanuel tem 35 anos, anda nestas vidas desde Atenas 2004. Esse K4 500 de Paris vai ser um K4 com Emanuel Silva? Ele diz que tem vontade, mas para já não querer adiantar muito sobre Paris, que seria a sua 6.ª participação olímpica. (“Acabei a final há 15 minutos…” ). Fala que é algo que terá de ser ponderado em família.
“A minha continuidade vai ser decidida à mesa com a família, quando chegar a Portugal. Num bom jantar em família, a falar dos prós e dos contras. Se continuar muito bem, se não continuar só quero agradecer a estes três elementos que acreditaram em mim, na minha experiência, que depositaram confiança na minha estratégia de prova, na minha liderança. Só tenho de lhes agradecer. Fizeram-me acreditar que eu conseguia levar este K4 o mais rápido possível até à meta”, diz o atleta de Braga, prata em Londres 2012 com Fernando Pimenta.
A família, diga-se, é mesmo a prioridade. Os quatro sabem que mesmo sem medalha ao peito ela vai lá estar por eles, em Portugal, à espera no aeroporto.
JOSÉ COELHO/LUSA
“Nós não começámos da melhor maneira em Tóquio, provavelmente muita gente não acreditava que chegávamos à final olímpica, mas a nossa família e os nossos amigos acreditaram sempre e sempre nos apoiaram isso é o mais importante”, diz Emanuel, visivelmente emocionado, antes de dizer que agora é tempo de aproveitar o que resta e a cerimónia de encerramento. Se é ele que vai levar a bandeira portuguesa? Diz não saber, mas que também não o quer fazer.
“Acho que deve ser levada por um destes elementos que estão aqui à minha esquerda, dar a primazia aos mais novos”, frisa.
Uns Jogos diferentes
Emanuel Silva, João Ribeiro, Messias Baptista e David Varela foram dos últimos portugueses a competir em Tóquio. Neste momento, moram numa aldeia olímpica praticamente deserta, já que a maior parte dos atletas deixaram Tóquio mal terminaram as suas provas, ao contrário do que acontecia em outros Jogos Olímpicos.
“A aldeia olímpica está muito mais vazia agora nesta parte final. No Rio nos últimos dias já muita gente fazia a festa e estava em momento de descontração, o que perturbava um bocadinho o descanso dos outros atletas. Neste momento só estão os atletas que estão a competir e dá para manter mais o foco”, sublinha João Ribeiro.
Para Emanuel Silva, com muita, pouca ou nenhuma gente, nada disso é importante quando o que está na cabeça dos atletas é um objetivo.
“Eu costumo dizer que nós atletas somos animais de combate e então às vezes viramos pedras sem sentimentos. Dá igual se está muito ou pouca gente na aldeia, o que nós queremos é competir, nós queremos é ganhar, nós queremos é rebentar com estes gajos. Queremos viver o espírito olímpico e lutar de igual para igual. Nós somos gladiadores caraças! Vamos ali para o campo de batalha, para a arena”, diz.
Mal o quarteto desmobiliza, o céu volta a abater-se sobre as nossas cabeças. Mas voltará a fazer sol para o K4 500.