Nos seus tempos de jovem, Jorge Pichardo foi um bom atleta em Cuba. “Competi até aos juvenis. Com 16 anos fazia 2,10 na altura, 7,39 no comprimento e 14,79 no triplo”. O problema era só um: “É que em Cuba havia Javier Sotomayor…”.
Sotomayor foi campeão olímpico do salto em altura, ainda hoje é recordista mundial e o pai de Pedro Pablo Pichardo seguiu outro caminho. Que passou por moldar o filho a tornar-se um atleta de elite. Jorge Pichardo fala sem filtros depois do filho subir ao pódio para receber a medalha de ouro do triplo salto e ouvir-se “A Portuguesa” pela quinta vez em Jogos Olímpicos. Pedro chega quando o pai está a falar dos seus feitos enquanto adolescente. Ri-se a olhar para Jorge. “Ele acha que só ele é que era bom”, brinca o novo campeão olímpico português. O pai tem resposta pronta: “Com 14 anos ele fazia 14,45 e eu fazia 14,79 no triplo. O mau era ele ou eu? Ah pois é…”.
Pedro já tinha avisado que Jorge não iria ficar muito satisfeito com o seu salto, apesar do ouro, e o pai Pichardo confirma. “A estratégia que traçámos era quebrar o recorde olímpico, mas ele teve uma pequena queixa na perna… agora é recuperar em Portugal e continuar a apontar ao recorde”, diz, frisando ter a certeza que o filho tem nas pernas uma distância estratosférica.
“Se ele está com 18,40? Sim, sim, 18,40 e mais! O nosso plano apontava aos 18,60”, revela. Uma marca que superaria em 31 centímetros o recorde mundial de Jonathan Edwards, que dura desde 1995. Jorge acha que é uma questão de tempo e oportunidade até lá chegar, é algo que trabalham desde 2019, o mesmo ano em que Pedro Pablo Pichardo foi autorizado a competir por Portugal, depois de ambos chegarem ao nosso país em 2017. Jorge estava na altura a trabalhar na Suécia, num clube local, após bater de frente com o INDER, o Instituto Nacional do Desporto de Cuba. Impedido de treinar o filho pelas autoridades locais, ambos decidiram que Pedro Pablo desertar. E Jorge Pichardo não tem paninhos quentes quando lhe perguntam se esta medalha de ouro do filho não é a vingança que andava há anos à espera de servir a Cuba.

Jorge com Pedro Pablo Pichardo
Adam Nurkiewicz/Getty
“Sim, é uma vingança. Em 2014, chegaram mesmo a suspender o Pedro por seis meses e cumpriu dez meses sem saltar. A mim despediram-me do trabalho, disseram que não estava capacitado para trabalhar com ele. Disseram que tinha de sair do INDER”, diz, atirando-se ainda a Alberto Juantorena, antigo atleta e ex-presidente da federação de atletismo de Cuba, agora com responsabilidades na federação internacional.
“Foi ele que me disse que eu não era mais treinador do INDER. Estava ali sentado perto de mim, não me disse nada. Eu se falasse com ele era só para lhes mostrar aquilo que perderam. Disse-me que nos ia ajudar depois da sanção do Pedro em 2014 e ainda estamos à espera… É difícil em Cuba que os responsáveis façam algo pelos atletas, entendem?”, desabafa.
A escolha de Portugal
Depois de ouvir o hino ao lado da comitiva portuguesa numa bancada bem junto ao pódio onde o filho estava no lugar mais alto, Jorge Pichardo fala de “orgulho” e agradece o apoio que têm recebido.
“Portugal foi o país que escolhemos para competir, mas tínhamos propostas de vários países. Portugal foi a nossa escolha. Quando chegámos ao país receberam-nos bem, deram-nos os recursos, os meios, toda a dedicação. E estão aí os resultados”, explica. A questão do clima, diz Jorge, foi importante na hora de assentar arraiais em Portugal. “No verão é parecido com o de Cuba. E escolhemos Portugal também pela tranquilidade. É um país tranquilo e a nós o que nos convém é tranquilidade. E escolhemos bem, não?”, diz, bem-disposto, apesar de, tal como o filho, referir que é um homem de poucas emoções.
Apesar do filho ser considerado um traidor em Cuba, Jorge garante que o seu feito está a ser falado no país de origem. “Se em Cuba vão falar disto? Estão a falar, a minha esposa comentou isso comigo quando falámos. Não quis perguntar o que estão a falar porque em 2014 é que tinham de falar, não agora. Quem perdeu foram eles, não fomos nós…”.
Tal como o filho, Jorge vai receber um prémio monetário pela medalha de ouro conquistada em Tóquio. São 50 mil euros para Pedro e 25 mil para o pai. Jorge, continuando na toada do bom humor, garante que é tudo para ele. “Ele vai dar-me o dinheiro, são 75 mil euros para mim”, atira, entre sorrisos.
Mais sério, Pedro Pablo Pichardo diz que ainda não sabe o que vai fazer com o prémio. Aliás, nem sabia que o ia receber. “Nunca ganhei os Jogos, como poderia saber? Quando chegar à minha conta logo vejo o que faço com ele”.