Mal coloca o apoio, vê-se o esgar na cara. Nélson Évora levanta-se, leva a mão à virilha direita. Os últimos Jogos Olímpicos do campeão em Pequim 2008 talvez tenham acabado mal começaram. Nelson vai à segunda tentativa, marca 15.39. Não chega, claramente, a marca de qualificação passa dos 17 metros. Ao terceiro salto, novo nulo. Évora levanta os braços e diz adeus a um Estádio Olímpico de Tóquio vazio.
Mas com muitos rivais, uns mais novos, outros com quem lutou nas pistas. A todos dá um abraço sentido. Bem, não a todos. Por esta altura, já Pedro Pablo Pichardo se qualificou, foi aliás o melhor da qualificação, disputada em condições difíceis, com chuva, calor, humidade a pique. Não há muitos atletas a passar os 17.05 pedidos para a qualificação, Pichardo é um deles. E por muito: faz 17.71. E mal os faz, vai à sua vida.
“O Pichardo há-de aprender com a vida. Espero que lhe corra muito bem”, diz, quando questionado pela ausência do colega de seleção daquela espécie de cerimónia de despedida espontânea. E se Pichardo ainda não tivesse conseguido a qualificação, será que abracaria Nelson? “Não me iria abraçar. Não sei porquê. Não é por mim, não sou eu que tenho de ir abraçá-lo”, diz Évora na zona mista do Estádio Olímpico de Tóquio.
Quanto aos outros, lembra que “foram muito respeituosos”.
“Muitos deles aprenderam a saltar com vídeos meus, como eu aprendi com outros mais velhos e isso vale muito mais do que qualquer medalha. Claro que as medalhas dão estatuto, mas o respeito de todos foi reconfortante”, diz.
Nem de propósito, passa atrás de si Benjamin Compaoré, francês, outro dos veteranos destas andanças do triplo-salto. Dá-lhe um abraço e lança para os jornalistas: “Grande campeão”.
O desabafo foi feito no meio de muita dor, Nelson pára para falar mas está inquieto, há muitas emoções na sua voz e o desconforto na virilha continua. A despedida dos Jogos Olímpicos não foi a ideal, a esperada.
“Foi um bocado sentido porque não esperava que me fosse saltar a virilha no primeiro ensaio logo, nem tive tempo de poder saltar. Saio triste mas de cabeça erguida”, conta, sublinhando que se continuou foi para homenagear todos os que o acompanham.
JOSÉ COELHO/LUSA
“Tentei saltar pelos portugueses, porque sei que há muita gente que esteve a acompanhar e aguentei as dores. Aguentar um dia de dor não é nada. Aguentar uma competição com dor não é nada. Por isso tentei. Tentei até ao fim. Infelizmente o meu corpo não me permitiu”, diz, antes de desabafar: “Estou cheio de dores”.
Ainda assim, Nelson Évora, nos seus quartos Jogos Olímpicos, garante que pior que a dor física é “dececionar” quem o acompanha. “Por isso chorei”, diz. E os seus olhos voltam a encher-se de lágrimas.
Évora pede desculpa, durante um momento tem um nó na garganta e nada sai. Pede apenas desculpa: “Queria fazê-lo bem, mas não pude. Lamento”.
Este é um adeus aos Jogos Olímpicos (“Sem dúvida, tenho 37 anos e tenho de fazer agora o percurso de sair”), mas não da carreira. Isso ainda não está em cima da mesa, diz, até porque se sente bem e tinha boas indicações, talvez até uma presença na final. O problema foi aquele apoio e aquela virilha.
“Não tenho nada a provar, apenas queria divertir-me. O que me deixou mais emocionado foi logo no primeiro ensaio doer-me da forma como doeu e não pude desfrutar”, lamenta.
Nelson Évora ainda não sabe o que vem a seguir em termos de competição, quer apenas regenerar o corpo, ouvi-lo, respeitá-lo. Recuperar da frustração.
Mas a despedida ainda pode esperar.