Patrícia é a contenção voadora. Um pulo e dois e vão três, ela salta a meia dúzia de tentativas a que tem direito sendo robótica na postura atlética, não a desmancha por nada, nem o olhar abandona a impassibilidade quando os 14.91 metros da sua primeira tentativa desmancha o recorde nacional. E ela nada, que se prossiga, há um trabalho a ser feito.
Patrícia mantém-se como a comporta humana que parece ser para aguentar que o caudal da sua emoção transborde, só a poderia ter aos hectolitros, ser uma barragem cheia, porque à quarta tentativa salta 15.01 metros. É outro recorde nacional que deixa cravado na areia e nem aí, quando uma medalha fica palpável, se desfaz.
Só aterrado o derradeiro salto e colados os últimos grãos de areia ao corpo é que Patrícia Mamona berra e curva-se ligeiramente, essa primeira libertação de euforia é para si, as palmas frenéticas que bate com as mãos simetricamente retas já são para o ar. O sorriso rasgadíssimo é para toda a gente. A português é a nova prata olímpica no triplo salto.
Agarra-se a uma bandeira de Portugal e demora-se na pista de tartã, estes êxtases existem para uma raridade ínfima de humanos que se gastam em sacrifícios contínuos e Patrícia desfruta do momento. Quando chega à zona do estádio onde a "RTP" a espera, para a primeira auscultação à vice-campeã, claro que está ofegante, óbvio que reforça as comportas para segurar as lágrimas, naturalmente que está um pranto de emoção.
A primeira reação
"Estou nas nuvens, sem palavras. Estou feliz, obviamente, Estou a tentar acalmar-me, tudo parece super surreal. As pessoas que me vão na cabeça são o meu treinador, a minha família e este grande país.
Senti-me muito confiante na qualificação, sempre muito tranquila, sabia que era um momento muito especial, são 5 anos a trabalhar para este momento, aliás, são 20 anos no triplo salto. Estou orgulhosa de todos nós. Ainda há pouco disseram que Portugal é um país pequeno, mas conseguimos fazer coisas grandes. Estou muito emocionada".
O que lhe passou pela cabeça durante a final?
"Foi uma competição em que só pensei em dar tudo, deixar tudo, dar o meu melhor. Foi uma prova em que foi batido o recorde olímpico, foi duro, mas só pensei em dar o meu melhor em saltar. Não quero chorar mais. Só quero agradecer a toda a gente. Fazer parte da equipa dos 15 metros... Isto é estúpido, mas uma pessoa lembra-se de como começa.
Disseram-me que era muito pequena, não tinha perfil de triplo salto e agora sou vice-campeã olímpica, tenho a segunda melhor marca do mundo. Estou a tentar ganhar consciência."
Pensou em medalhas depois dos 15.01 metros?
"Nunca. Sabia que tinha de responder, as minhas competidoras são fenomenais. Estive sempre em modo de responder, porque sabia que a qualquer momento alguém podia saltar mais do que eu, não pensei em marcas, não pensei em nada. Queria sentir que podia ir para casa descansada, nestes momentos o importante é dares tudo de ti."

Christian Petersen/Getty
Isto é uma viragem para o desporto português?
"Não posso dizer de todo o desporto português, mas sem dúvida do triplo salto. Temos a grande inspiração que é o Nélson Évora, que vai terminar a sua carreira nestes Jogos. Sempre foi uma grande inspiração e tenho de dar continuidade a isso. Paris já só está a três anos, dizem que já estou velha, mas agora quero desfrutar deste momento."
Os obrigados (e José Uva, o treinador)
"Quero agradecer a todos os que estão aí em casa e que isto sirva de inspiração, porque isto não é só talento, é trabalho, se acreditares mesmo que consegues. Neste momento, só quero ver o meu treinador [José Uva], acho que também deveria estar no pódio comigo, é a pessoa que me viu a correr na escolinha, em nova, que viu em mim algo de especial. Quero falar com a minha família.
Muito obrigada a Portugal, somos pequenos, mas somos grandes!"