“Yeah”, diz, mas o coloquialismo parece um disfarce, uma fuga possível para aparentar que tudo está bem usando os lábios para uma amostra de sorriso. “Tentei duas piruetas e meia e acabei por fazer só uma e meia, fiquei um pouco perdida no ar, foi realmente infeliz”, resume, esquivando-se do embaraço das perguntas que farejam vulnerabilidades, mantendo uma mão perto do auricular que tem no ouvido. Simone Biles tem a postura formal de quem tenta lidar graciosamente com a confrontação da falha e, mais do que isso, do inusitado.
A americana é imperfeita por ser humana como toda a gente. É quem a questiona na sala de imprensa de Tóquio após ela se retirar da prova por equipas da ginástica artística, ou quem a vê, há anos, a ser incrível ao ponto de roçar o inalcançável pelas suas pares, que imputará tacitamente a perfeição à atleta que vacilou na aterragem da sua primeira tentativa no salto, que nem saiu como pretendia. “Não fazia ideia de onde estava no ar”, confessaria, situando onde poderá estar a origem de toda a auto-proteção que se seguiu.
Simone Biles retirar-se-ia dessa prova e do all-around, o concurso completo individual, explicando que tem “demónios” com os quais lidar, que está “a lutar contra a própria cabeça”, quer “fazer o que está certo” e a forcar-se na sua saúde mental. Mas ao atribuir, pelo menos em parte, a insegurança a “uma branca ou um bloqueio no meio de uma pirueta”, analisa Pedro Roque, isso “comporta uma perceção de risco real à integridade física, sendo natural que sinta uma enorme ansiedade e dificilmente consiga voltar a focar-se na tarefa”, acrescentou, à Tribuna Expresso, o diretor-desportivo do Comité Olímpico de Portugal, que foi treinador de ginástica artística feminina durante mais de 25 anos.