Chamam Formosa à Baía onde Ítalo veio ao mundo, fica no Rio Grande do Norte, no noroeste do Brasil, é terra de águas temperadas e meios humildes para a família Ferreira, cujo filho se interessou pelo surf aos 8 anos, queria fazer-se ao mar, às ondas e à sorte, mas, de início, os pais não tinham hipótese de lhe dar uma prancha com quilhas para se servir da água salgada.
Então, Ítalo pegava nas tampas das caixas onde o pai pescador vendia peixe, feitas de esferovite, e lá ia ele, pequeno e ousado nas tentativas com que começou a abordar paredes de água bem maiores do que ele. Nisto, as coisas pouco mudaram. As ondas continuam a superá-lo quase sempre em tamanho e Ítalo ainda é a pequeneza e a ousadia que sempre despista, em algum troço, uma rampa de lançamento aquática.
Assim o fez em Chiba, na praia de Tsurigasaki, banhada por águas castanhas e de trombas mal-dispostas, cheias de inconstância devido aos efeitos de um tufão furibundo no Pacífico que obrigou a organização a antecipar o dia das finais do surf para a madrugada desta terça-feira. Ventoso, chuvoso e desordenado estavam as ondas, mas Ítalo Ferreira assentou a sua ordem.
O brasileiro, claro, voou ao encontro da sua vontade, desde que aterrou no Japão que se fartou de dizer "eu vim para vencer" ou alguma variante desta frase, ninguém o terá acusado de apontar a voos com altitude a mais porque Ítalo é, desde há vários anos, um dos surfistas de quem convém esperar o melhor por ele tão insistentemente querer melhorar-se acima de toda a gente.
Ítalo Ferreira chegou à final e deparou-se com Kanoa Igarashi, o japonês meio americano e com algumas costelas fabricadas em Portugal, onde tem casa na Ericeira e fala português como se nada fosse. O brasileiro derrotou-o com 15.14 pontos, insuflados por um aéreo rodopiante, como um helicóptero a girar sobre o próprio eixo e a aterrar sem esforço. Kanoa ficou com 6.60 pontos e a medalha de prata.

Olivier Morin - Pool
A de ouro irá ao pescoço de Ítalo Ferreira para o Brasil. O pequeno, musculado e decidido surfista que não cede a "tentações" e rejeita "baladas com amigos", como disse o ano passado, em entrevista à Tribuna Expresso, é o primeiro campeão olímpico da história dos humanos que se fazem de pé às ondas.
Após as lágrimas de alegria, jorradas cara fora enquanto subia a praia, o surfista de 27 anos falou à "TV Globo": "Eu vim com uma frase para o Japão: diz amém que o ouro vem. Eu treinei muito nos últimos meses, mas só tenho que agradecer a Deus por tudo isso. Meu intuito é ajudar as pessoas e as famílias. Eu queria que a minha avó estivesse viva para ver isso. Sou muito feliz pelo que me tornei, pelo que fiz pelos meus pais. Sempre pedi para que esse sonho fosse realizado e ele aconteceu".
A última medalha ficou para Owen Wright, que foi dos mais efusivos a sair da água no Japão. Em dezembro de 2015, o australiano caiu enquanto surfava em Pipeline, no Havai, embateu no recife, sofreu uma concussão e lesão cerebral. Teve de reaprender a caminhar e demorou mais de um ano a voltar a competir. Aos 31 anos, venceu Gabriel Medina no heat pelo bronze.
O bicampeão mundial brasileiro saiu de Chiba a queixar-se dos critérios dos juízes, ele o mais disruptivo dos surfistas nascidos no mesmo país e que, na última década, foram embrulhados na alcunha de Tempestade Brasileira. Ítalo Ferreira foi o olho dessa tempestade no meio do tufão que agitou as águas salgadas do Japão.