Jogos Olímpicos de Paris 2024

O choro de Messias Baptista, o consolo de João Ribeiro, a espera de Luís Montenegro: o 6.º lugar trouxe “tristeza por não chegar à medalha”

O choro de Messias Baptista, o consolo de João Ribeiro, a espera de Luís Montenegro: o 6.º lugar trouxe “tristeza por não chegar à medalha”
HUGO DELGADO/Lusa

Depois da muita discutida prova de K2 500 metros, com menos de um segundo a separar o 2.º do 6.º lugar, o mais jovem canoísta da dupla nacional ainda tentou conter as lágrimas, mas elas acabaram por surgir. Ribeiro, veterano já com quatro diplomas olímpicos, foi o ombro de apoio para Messias, numa dor assistida, ao longe, pelo Primeiro-ministro. “Acho que fizemos tudo bem, mas houve cinco barcos melhores”, resumiu João

Há poucos desfiles fisicamente mais imponentes que uma parada de canoístas saindo da água. A estampa impõe respeito, os músculos trabalhados indicam o esforço e sacrifícios inerentes a uma vida a pagaiar, a água que ainda escorre pelos corpos dá à imagem um toque ainda mais impressionante.

Minutos depois da final de K2 500 metros, os 92 quilos e 1,89 metros de Messias Baptista aparecem, em toda a sua imensidão, na zona mista do estádio náutico de Vaires-sur-Marne. O vila-condense vem acompanhado de João Ribeiro, mas surge contraído, como uma garrafa a tentar fechar uma tampa que quer desesperadamente abrir-se.

João Ribeiro faz a maior parte das despesas da conversa com os jornalistas. Messias fala pouco, dizendo que ambos “já sabiam" que a prova seria muito renhida e que fizeram “os possíveis”, mas houve “cinco barcos melhores”, restando “dar os parabéns”. As contidas palavras do canoísta, que está de óculos de sol, são ditas já com uma voz que prenuncia a tristeza.

Terminada a presença na zona mista, a tampa da garrafa abriu-se. Messias ficou sozinho num bocado de relva que há numa das margens do estádio naútico. Virou costas ao resto do mundo, levou mãos à cara. Não dava para conter mais as lágrimas, a tristeza. O choro.

João Ribeiro apercebeu-se da dor do companheiro de embarcação. O mais veterano dos dois — 34 anos, face aos 25 de Baptista — foi consolar Messias. Durante alguns segundos, a dupla esteve unida no conforto, quase uma extensão das horas e horas e horas que passam juntos dentro do caiaque.

O consolo de João pareceu ser o conforto de que Baptista precisava, o ombro do irmão mais velho para ajudar a processar o momento. Durante aqueles segundos, os canoístas, campeões do mundo, estavam de costas voltadas para o mundo, numa bolha só deles. Quando se viraram, deu para ver um ligeiro sorriso que trocaram.

HUGO DELGADO/Lusa

Toda a cena foi presenciada, a alguns metros de distância, por Luís Montenegro. O Primeiro-ministro veio a Paris para os dias em que Portugal tem opções mais fortes de medalha. Estará, dentro de algumas horas, no Stade de France, seguindo a final de Pedro Pablo Pichardo no triplo salto.

Com uma longa comitiva atrás de si, na qual estavam, entre outros, Marco Alves, chefe da missão nacional em Paris 2024, Montenegro esperou pelo fim do momento entre João Ribeiro e Messias Baptista. Diana Gomes, adida olímpica e antiga nadadora em Atenas 2004 e Pequim 2008, foi, depois de Ribeiro, a seguinte a dar apoio a Messias, com quem trocou algumas palavras.

Por fim, os canoístas lá se dirigiram para o grande grupo liderado pelo Primeiro-ministro. Nesse encontro, tal como em todo o pós-prova, João Ribeiro fez de capitão, de elemento mais experiente.

A final foi um exercício de equilíbrio entre a maior parte dos participantes. A dupla alemã que venceria o ouro, composta por Jacob Schopf e Max Lemke, rapidamente se destacou, para alegria de Olaf Scholz, o chanceler que estava nas bancadas, sentado a escassas cadeiras ao lado de Luís Montenegro.

Entre os restantes, a igualdade reinou. Os húngaros Bence Nadas e Sandor Totka ficaram em 2.º, mas dentro do mesmo segundo que o 6.º lugar dos portugueses. O bronze, vencido pelos australianos Tom Green e Jean van der Westhuyzen, ficou a 53 centésimas de segundo de Ribeiro e Baptista.

João Ribeiro sente que a embarcação nacional partiu “um bocadinho atrás” em relação a quem estava mais próximo, num arranque de prova que até costuma ser um ponto forte dos dois portugueses. Ainda assim, o experiente canoísta não se esconde em muitas desculpas: “Acho que fizemos tudo bem, mas houve cinco barcos melhores.”

HUGO DELGADO/Lusa

Quando João Ribeiro começou a pagaiar em Gemeses, Esposende, a mãe não achou, inicialmente, muita piada. Havia alguns mitos sobre a possibilidade de afogamento na zona do rio onde Ribeiro se iniciou na canoagem, receios que atormentavam a cabeça da mãe do atleta que começou a competir no Grupo Cultural e Recreativo de Gemeses.

Convencida a mãe, João tornou-se num dos mais consistentes olímpicos nacionais. Este foi, já, o seu quarto diploma em Jogos.

Após conseguir mais um lugar entre os oito primeiros, o que pesa mais, o orgulho por esta consistência ou a frustração por não ter conseguido uma medalha? “É a tristeza por não chegar à medalha. Era o nosso objetivo, queríamos muito, trabalhámos muito para chegar aqui na nossa melhor forma”, confessa Ribeiro, garante de que a dupla sabia “ao milímetro” tudo “o que era preciso fazer”, desde “o que comer”, ao que “fazer para recuperar ou o que fazer na competição”. Mas não deu para o pódio.

“Agora impera a tristeza por não chegar à medalha. Daqui a uns dias, estarei certamente orgulhoso por tudo o que fiz até hoje para representar Portugal”, diz João Ribeiro.

Enquanto o mais velho ia falando, Messias estava contido, ainda na altura em que controlavam as lágrimas. Antes de abrir a torneira das emoções, o vila-condense não esclareceu se, no próximo ciclo olímpico, a aposta desta dupla no K2 500 metros se manterá: “Só o futuro o dirá. Foi um processo muito bonito, com muitas alegrias e tristezas. Espero continuar a contar com a experiência do João para o futuro.”

Messias Baptista afastou-se então para um bocadinho de relva onde as lágrimas, há largos minutos a quererem sair, saíram.

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