Gustavo Ribeiro vai de skate aos Jogos Olímpicos. História da “paixão absoluta” que pode dar uma medalha a Portugal
TIAGO MIRANDA
Aos 5 anos, disse à mãe que queria ser skater. Em 2024, representa Portugal nos Jogos Olímpicos nesta modalidade. Quem é e o que move Gustavo Ribeiro, um dos melhores skaters do mundo
Rezam as crónicas que, no Natal de 2006, os brinquedos mais procurados na Europa eram a nova versão do boneco eletrónico Tickle Me Elmo (que provocava as crianças para lhe fazerem cócegas e ria de forma contagiante quando isso acontecia) e as consolas de jogos PlayStation 3 e Wii. Mas o tio dos gémeos Gustavo e Gabriel não foi em modas. Depois de conversas em família sobre a forma como os miúdos, então com quatro anos, se divertiam com os seus ténis de rodinhas, Miguel ofereceu um skate a cada um.
“Sabes quando experimentas uma coisa nova e percebes logo que é aquilo que queres? Foi assim com o skate, foi uma paixão absoluta, só queria aprender mais”, confessa Gustavo Ribeiro, recuando àqueles primeiros dias depois do Natal de 2006. “Com 5 anos disse à minha mãe que queria ser skater. Bom, com 5 anos dizemos estas coisa, mas muitos miúdos mudam de ideias… Eu não, nunca tentei sequer outra modalidade!” Escreveu-se assim o primeiro episódio da extraordinária história que pode trazer uma medalha olímpica para Portugal em Paris 2024.
Tóquio 2020 trouxe o skate para o cenário olímpico e um português esteve na final de street. Gustavo Ribeiro estava lesionado e terminou no oitavo lugar. Ficou-lhe “atravessado”... Em Paris quer lutar pelas medalhas e será o primeiro a ter oportunidade de hastear a bandeira de Portugal no pódio. A história de Gustavo será sempre, também, a história de Gabriel, seu irmão gémeo, parceiro do skate e cúmplice para a vida. Ainda não foi desta, mas eles mantêm vivo o sonho de se tornarem o primeiro par de gémeos a disputar uma prova olímpica.
A adesão dos miúdos à prenda de Natal do tio foi imediata e o seu entusiasmo contagiou a família. “Tenho memórias dessa altura. Não são muito claras, mas tenho. Lembro-me de ir para o quintal com o skate, o meu pai na semana seguinte construiu um corrimão e uma box, para treinarmos”, recorda Gustavo Ribeiro, 22 anos e um dos candidatos às medalhas olímpicas da especialidade street nos Jogos Olímpicos de Paris, onde chega no sexto lugar do ranking entre os atletas que vão estar presentes nas provas a disputar na Praça da Concórdia a 27 e 28 de julho.
A família apoiou esta paixão, até porque depressa percebeu que os dois gémeos tinham um dom natural para a modalidade… “Entre o Natal e os anos deles, em março, já faziam flips (manobra que consiste em saltar e fazer com que a prancha gire 360 graus sobre o seu eixo longitudinal). Foi natural e nós ‘demos corda’… Andavam sempre com o skate atrás. Ou melhor, skates, porque passaram a ser vários por ano, com muitos ténis estragados e calças rasgadas pelo meio”, explica o pai, Paulo Ribeiro, agora selecionador nacional da modalidade, depois de se ter tornado especialista de skate na esteira da carreira dos dois filhos.
O povo diz que não há amor como o primeiro. Ou será que não? “Onde está esse primeiro skate? Bom, nós tínhamos tudo guardado, mas entretanto mudámos de casa… deve estar por lá”, avança Gabriel, o irmão gémeo de Gustavo e que também tentou o apuramento olímpico (acabou na 31ª posição entre mais de 2 mil candidatos, fora do lote dos 22 que estarão em Paris, depois de ter falhado o apuramento para Tóquio 2020 devido a uma lesão num pé). Então e a prancha original, em que ficamos? “Tenho de perguntar à minha mãe…”
Gustavo esteve em Tóquio, na estreia do skate como modalidade olímpica. Era, já então, aos 20 anos (por causa da covid-19, os Jogos só foram realizados em 2021), um jovem fenómeno em ascensão, mas as coisas não correram bem. “Não foi o resultado que eu queria”, garante. “Fui para o Japão com um ombro deslocado [teve de implorar ao médico que lhe desse alta] e até fiquei feliz com um lugar na final, só que aí sofri uma queda e acabei em último.” Último entre os finalistas, reforce-se, o que valeu ao português um diploma olímpico (reservado aos atletas classificados do 4º ao 8º lugar). “Fiquei dececionado, mas estas coisas fortalecem-nos, as derrotas fazem com que queiramos trabalhar mais. Foi o que fiz. Vou estar melhor em Paris.”
E o que se pode esperar de Gustavo Ribeiro em Paris? “Meti na cabeça que iria trabalhar para chegar a uma medalha. Os últimos campeonatos de qualificação correram bem, fui segundo há dois meses em Paris, agora quero ganhar.” Fica a determinação, em nada afetada pela certeza de que enfrentará concorrência fortíssima, nomeadamente de japoneses, norte-americanos e brasileiros. “Parece que todos os skaters abriram mais os olhos, no sentido de serem mais profissionais. Qualquer um do top 20 tem hipóteses de chegar às medalhas, até porque este não é um campeonato normal: há bastante pressão, muita política, carregas um país às tuas costas… Pode deitar um bocadinho abaixo; a cabeça vai ser decisiva”, analisa Gustavo.
Nos últimos tempos, ele tem passado muito essa mensagem, a da importância da preparação psicológica. Isso tem a ver com facto de a mãe ser psicóloga? “Pode ter, sim. Ela aconselhou-me, não é uma questão de estar doente e ir ao médico, trata-se de ter mais um apoio. Com ela, claro, não dava, por ser a mãe, mas quando me mudei para os EUA, há dois anos e meio, comecei a fazer esse trabalho.”
O lado mental é mais uma peça no cenário da preparação olímpica, que tem corrido sobre rodas, passe-se o trocadilho fácil. “Sinto-me bem com o meu corpo, confortável no skate. E estou mais forte do lado psicológico, em Tóquio foi o que não correu tão bem. Podes estar preparado no skate, mas se a cabeça não funciona…” Se a garra competitiva está afiada como nunca, sobra ainda espaço para outro tipo de expectativas, mais pessoais: “Em Tóquio, por causa da covid, havia regras muito apertadas, não havia público, os atletas quase não podiam estar juntos, era cada um na sua ‘bolha’, não houve grande espírito olímpico. Em Paris será diferente; estou ansioso!”
“Gugu” e “Gaga”
A carreira de Gustavo sofreu um impulso definitivo em 2017, quando, aos 16 anos, participou na sua segunda edição dos Mundiais amadores. “Quem ganha aí tem tudo para ser profissional”, situa Gustavo. “E eu consegui ganhar nesse ano, o que me abriu as portas para o que sou hoje. Foi aí que consegui provar a mim mesmo que conseguia chegar onde queria. Atletas com talento há muitos. Eu tinha talento, claro, mas tudo o que consegui foi com trabalho e dedicação. O trabalho é o fator mais importante.” Um discurso que faz lembrar as mensagens de Cristiano Ronaldo… E não é por acaso. O capitão da seleção portuguesa de futebol é o grande ídolo de Gustavo. “Pensei muitas vezes: se ele conseguiu, eu também consigo!”
O título mundial amador valeu ao jovem português uma série de convites e a aposta no profissionalismo tornou-se ainda mais forte. Gustavo concluiu o 11º ano e parou de estudar, para se dedicar por inteiro ao skate. Sempre com o irmão ao lado. “Foi uma decisão difícil e não foi”, recorda Paulo Ribeiro.
“Sempre incentivei que eles fossem aquilo que queriam ser”, reforça. “Eu tenho um curso e a mãe também, mas ter um curso superior que não sirva para nada… na verdade, eles só conseguiram fazer os estudos até ao 11º ano porque entraram em home school, normalmente reservada a filhos de feirantes ou residentes no estrangeiro. A escola pública não está preparada para lidar com alunos desportistas. Agora, o que ficou claro nas conversas em família era que, deixando a escola, tinham de levar o skate a sério. Eles sempre se sustentaram nas suas carreiras e as decisões foram sempre deles, com o nosso apoio. Se as decisões não fossem deles não haveria o compromisso que era necessário para que tudo desse certo.”
Gustavo e Gabriel. “Gugu” e “Gaga”, como eram conhecidos no meio. Porquê? “Porque a primeira coisa que dissemos foi ‘gu-ga’! E os nossos pais sempre nos chamaram assim”, explica Gustavo. E foi assim, aliás, que se identificaram no blogue “Skateboarding Twins”, onde podemos encontrar registos de toda a sua carreira desde tenra idade. “Lembro-me de eles começarem a aparecer nas provas, muito novinhos, aí com sete, oito, nove anos”, recorda Walter Canhoto, um dos pioneiros da modalidade em Portugal e atual diretor de juízes da Federação Portuguesa de Patinagem. E é ele que nos ajuda a perceber como é que dois gémeos idênticos nunca eram confundidos nas provas… “Era muito fácil, porque o Gustavo é goofy e o Gabriel é regular.”
“Qualquer um do top 20 tem hipóteses de chegar às medalhas, até porque este não é um campeonato normal: há bastante pressão, muita política, carregas um país às tuas costas… Pode deitar um bocadinho abaixo; a cabeça vai ser decisiva”, analisa Gustavo
Ou seja, Gustavo anda no skate com o pé direito à frente, enquanto o irmão adota o posicionamento mais comum de colocar o pé esquerdo mais adiantado. “É como se eu escrevesse com a mão esquerda”, compara Gustavo. “Mal pisamos a prancha é completamente diferente, ele vai para um lado e eu vou para o outro.” Como se fossem o espelho um do outro. E em termos de estilo, há diferenças? “Ele tem um estilo mais suave, eu sou mais bruto, aposto mais na velocidade, na potência”, analisa Gabriel. “Por acaso, para o meu gosto pessoal, até prefiro o Gabriel”, confessa Walter: “O Gustavo é uma máquina, um robô, faz tudo perfeito, mas o Gabriel é diferente… acho é que o Gustavo é mais competidor.”
No início, Gabriel cresceu mais depressa. Na primeira prova em que competiram, com seis anos, Gustavo foi terceiro e o irmão primeiro. “Até aos nove, dez anos, ganhou sempre ao irmão”, analisa Paulo Ribeiro. “O Gabriel era mais rápido, aprendia mais depressa. O Gustavo chegava lá com trabalho. Na verdade, ambos são trabalhadores e o Gabriel não está neste momento ao mesmo nível porque sofreu algumas lesões que afetaram a sua progressão.” Gustavo corrobora: “Tenho tido bastante sorte, escapei a lesões graves. Já me partiram a cabeça (foi o skate de um amigo que me atingiu), parti um pulso e desloquei o ombro… mas em 19 anos de skate é uma lista de azares bem pequena!”
OK, então em cima de um skate ninguém os confunde. E cá fora? “No dia a dia está sempre a acontecer”, revela Gabriel, que deixa uma ajudinha: “Até a barba é parecida, mas o Gustavo usa o cabelo um pouco mais comprido, para se verem os caracóis por baixo do boné da Red Bull. Eu não tenho boné…” Talvez esta informação ajude, mas não vai impedir que as situações se sucedam. “No princípio, era o Gustavo a ser confundido com o Gabriel; agora, por causa da exposição, é mais o contrário. Até pode ser uma coisa chata, mas os gémeos habituam-se”, garante Paulo Ribeiro. E, às vezes, até dá jeito, como numa situação recente em que o Gabriel usou o cartão de cidadão do irmão para resolver uma situação comercial e, no fim, até tirou uma foto com a pessoa que o atendeu. E que é fã… de Gustavo.
É também nestes episódios que se forja uma cumplicidade inabalável. “Andámos sempre na mesma escola, na mesma turma, mas já passámos um pelo outro”, confessa Gustavo. Quando competem, é cada um por si, mas sempre em comunhão. “No início deste ano estivemos juntos no apuramento olímpico. Já não acontecia há algum tempo. Ele estar lá é uma sensação incrível, dá-me uma força incrível”, explica Gabriel.
Mas, em Paris, eles não estarão juntos na pista. “Fiquei triste, mas dá-me mais motivação”, garante Gabriel. “Acho que tudo isto nos fortalece. Sei, de certeza, que nos próximos Jogos, em Los Angeles, estaremos os dois e vai ser magnífico”, reforça Gustavo. Se assim for, eles farão história. “Seremos os primeiros gémeos a competir na mesma prova olímpica! Nunca houve um caso assim”, frisa Gabriel, que não deixará de apoiar o irmão em Paris. “Já combinámos jantar na noite antes da prova e vou estar na bancada, claro!”
Gosto pela cozinha
Quando Gustavo rumou aos EUA, deixou toda esta química familiar para trás. “Aos 21 anos arranjaram-me um work visa e eu fui, sozinho, sem pensar duas vezes. Depois, quando me vi lá, foi muito difícil. Sou muito apegado à família (para além de Gabriel, Gustavo tem mais quatro irmãs, todas mais novas), foi a fase mais complicada da minha vida, mas fez-me crescer. Há males que vêm por bem, estive triste e sozinho, mas todos os sacrifícios são recompensados.”
TIAGO MIRANDA
Em Huntington Beach, Califórnia, onde se instalou, o skater português cumpre uma rotina diária com poucas variações. “De segunda a sexta, é igual: acordo por volta das 7h30; das 9h às 10h30 estou no ginásio da Red Bull, que tem umas instalações gigantes, onde tenho tudo o que preciso; entre as 11h e as 12h trabalho nutrição, mental performance, faço gelo ou sauna; depois almoço por lá e passo a tarde toda em cima do skate.”
Quando regressa a casa, já perto da hora do jantar, sobra pouco espaço para mais do que jantar e dormir, mas Gustavo descobriu uma vocação nesse espaço doméstico. “Cozinho todos os dias. Quando estou stressado e não posso andar de skate, que é a minha ‘terapia’, ponho-me a cozinhar. O meu pai cozinhava em casa e eu sentava-me na cozinha a vê-lo. Com nove anos, eu e o Gabriel fazíamos o jantar das sextas-feiras para toda a família — e queríamos que eles adorassem a nossa comida!” E quanto a pratos favoritos? “Para comer, sem dúvida um cozido à portuguesa. Para cozinhar, é mais difícil escolher… uma carne estufada com vegetais, que é coisa para várias horas, em que é preciso meter bastante carinho na cozinha e é o prato da minha avó; talvez jardineira; ou feijoada, isso, feijoada. Passa a feijoada para primeiro!”
Na primeira prova em que competiram, com seis anos, Gustavo foi terceiro e o irmão primeiro. “Até aos nove, dez anos, ganhou sempre ao irmão”, analisa Paulo Ribeiro. “O Gabriel era mais rápido, aprendia mais depressa. O Gustavo chegava lá com trabalho”
Este gosto pelos tachos já vinha de trás (em entrevistas anteriores confessou que o filme favorito era “Ratatouille”, a história infantojuvenil protagonizada por um rato cozinheiro) e sustenta um dos seus sonhos: abrir um restaurante “ou algo ligado à gastronomia”. O outro sonho é “criar uma escola de skate”, partilhar a sua experiência com os meninos e meninas, que agora são cada vez a andar de skate em Portugal. “É incrível; um dos meus sítios favoritos era o Parque das Gerações, em S. João do Estoril, estava mais vazio, podia andar-se a qualquer hora… Agora está sempre cheio, com pessoas de todas as idades e muitas meninas – elas dantes nem apareciam. Fico superfeliz, este é o melhor desporto do mundo!”
Talvez alguma da “culpa” seja do próprio Gustavo. Não há nada como um herói para atrair a atenção do público. “Tento não pensar muito nisso, mas talvez seja verdade. Nunca houve um português a este nível… Gostava de estar acompanhado, mas acho que estou a abrir portas.” A começar pela base da pirâmide. Walter Canhoto: “O Gustavo ajudou bastante com a sua presença em Tóquio. Muitos miúdos entram na modalidade com um ídolo: o Gustavo! Há cada vez mais meninos e meninas a experimentarem a modalidade, abrem escolas… este ano, na minha, em Peniche, com o apoio da Câmara Municipal, apareceram 40 miúdos!”
A modalidade está a evoluir a um ritmo frenético — manobras que seriam radicais há 20 anos são agora dominadas por pré-adolescentes de 12 anos. Gustavo acha que este processo terá tendência para abrandar. Ainda assim, mantém a mente aberta: “Vai ser difícil manter o ritmo dos últimos cinco anos. Mas se há uns tempos me perguntassem, eu diria que o que está a acontecer não seria possível. A verdade é que está a acontecer. Os mais novos veem-nos a fazer manobras e querem superar-nos. É o processo normal.” Um olhar para o futuro implica sempre uma referência forte no passado. E Gustavo, que confessa ter em casa “talvez umas 60 ou 70 pranchas prontas para entrarem em ação”, faz questão de guardar todas as tábuas em que conquistou primeiros lugares. Um dia pode dar um museu. E, quem sabe, ao lado do material com que conquistou o título mundial de 2022, no Rio de Janeiro, poderá vir a estar a prancha de Paris 2024.
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E daqui a uns anos, como será? “Toda a minha vida foi passada a andar de skate”, garante Gustavo. “Se conheci alguém, foi em cima de um skate; se tive um momento mau, foi num skate; se guardei uma grande memória, foi a andar de skate… O skate é a minha liberdade. Tenho a certeza de que aos 60/70 anos ainda vou andar de skate. Claro que não será competitivo, mas acho que andar em cima da prancha até ser ‘bué de cota’!” Mais cedo ou mais tarde também quer retomar os estudos. “É uma coisa que me puxa bastante. Fiquei no 11º ano, quando se abriram portas na minha carreira. A minha mãe disse-me que sim e, dois meses depois, ganhei o Mundial amador e ela não teve coragem de voltar com a palavra atrás… Mas quero fazer uma formação, talvez na área de hotelaria. Fico sempre a pensar que as pessoas acham que sou burro, por não ter estudos, mas sei que sou inteligente e daqui a uns anos vou tirar um curso.”
Esperança lusitana
Por agora, tudo isso fica para segundo plano. Gustavo partiu para Paris no passado domingo, com amigos e família na despedida, um sorriso na cara e muita confiança na bagagem. A semana anterior tinha sido frenética, com todos os preparativos, várias entrevistas e o treino sempre presente. A partir daí, foco total na prova da Praça da Concórdia, agendada para dia 27 de julho, com eliminatórias de manhã e a final à tarde. Esse calendário levou o skater português a prescindir da presença na cerimónia de abertura, agendada para a noite de 26. “Gostava muito de ir à cerimónia de abertura, mas a minha competição vai ser logo no dia seguinte. A cerimónia dura bastantes horas e vou ficar na Aldeia Olímpica para não massacrar o meu corpo. Vou descansar pernas e cabeça para estar o mais bem preparado possível no dia seguinte”, explicou à agência Lusa.
Gustavo Ribeiro aparecerá de fones nos ouvidos, mas confessa que nesses momentos nem sequer está a ouvir nada: “A música distrai-me em competição, pode levar-me a falhar os tempos. É só para me focar”
Portugal desfilará, portanto, pelas margens do Sena sem uma das suas maiores esperanças para a conquista de medalhas. Mas terá muita gente de valor para a ocasião — na verdade, o nível médio da delegação portuguesa pode bem ser o melhor de sempre. No contrato assinado com o Estado no início desta Olimpíada, em 2021, o Comité Olímpico de Portugal (COP) estabeleceu como meta alcançar, pelo menos, resultados semelhantes aos dos Jogos de Tóquio 2020. Que foram os melhores do historial olímpico lusitano, com quatro medalhas (o ouro de Pedro Pichardo no triplo salto; a prata de Patrícia Mamona no sector feminino da mesma especialidade do atletismo; e os bronzes de Fernando Pimenta, na prova de canoagem K1 1000 m, e de Jorge Fonseca, na categoria do judo -100 kg); mais 11 diplomas, correspondentes a outras tantas classificações entre o 4º e o 8º lugares; e um total de 36 classificações até ao 16º lugar.
Mais especificamente, o COP apontou para a presença de 17 modalidades (estão 15 representadas) e 66 eventos de medalhas (serão 67). O chefe da missão portuguesa, Marco Alves, assumiu, em entrevista à Lusa, que tem de ser encarado como “fracasso” não estar presente em todas as modalidades esperadas, mas destacou o maior horizonte de potencial conquista de medalhas, superando o que foi conseguido em Tóquio. Tudo considerado, o responsável pela delegação lusitana nos Jogos 2024 considera que o balanço “é positivo”. O novo paradigma de compromisso com o Estado implica que, em vez do número total de qualificados, a delegação portuguesa assuma o compromisso de resultados.
Ao todo, estiveram em Tóquio 92 atletas de 17 modalidades — incluindo a equipa masculina de andebol, na primeira presença portuguesa de uma modalidade coletiva de pavilhão num torneio olímpico. Algo que não se repetirá em Paris, pelo que o contingente português terá apenas 73 representantes (se descontarmos os 14 elementos do andebol, os números serão muito próximos). Mais de metade dos atletas portugueses em Paris 2024 estreia-se nos palcos olímpicos e a delegação portuguesa até terá mais mulheres (37) do que homens (36).
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Apesar de várias ausências, como as da lançadora do peso Auriol Dongmo, 4ª em Tóquio, ou de históricos como Nelson Évora, Patrícia Mamona, Emanuel Silva ou João Vieira, há muita expectativa de ver como alguns atletas portugueses poderão, ou não, confirmar os seus desempenhos de topo em Mundiais recentes das suas modalidades — casos, por exemplo, do nadador Diogo Ribeiro (campeão mundial dos 100 m mariposa em 2024), os canoístas Fernando Pimenta e a dupla João Ribeiro/Messias Baptista, o saltador Pedro Pichardo ou o ciclista de pista Iúri Leitão (campeão mundial de omnium em 2023).
Mas há mais, muitos mais, habituados a competir olhos nos olhos com os melhores do mundo. A começar pelo jovem de 23 anos, caracóis a brotar por baixo do boné e indumentária casual, que este sábado vai rolar e voar na Praça da Concórdia. Gustavo Ribeiro aparecerá de fones nos ouvidos, mas confessa que nesses momentos nem sequer está a ouvir nada: “A música distrai-me em competição, pode levar-me a falhar os tempos. É só para me focar, para não ouvir as pessoas a chamarem-me, a gritar o meu nome.” Bom, assim o esquema já foi denunciado… “Pois é [risos], mas, seja como for, como vou com os fones não os posso ouvir!” No pescoço, um colar oferecido por uma das irmãs, para dar sorte. Na despedida, em Lisboa, garantiu que a ideia é trocar o colar por uma medalha antes do regresso a Portugal.
Gustavo Ribeiro pode ser o primeiro português a lutar pelas medalhas em Paris e dar o passo inicial de uma saga lusa de sucesso nos Jogos 2024. Se tudo correr bem e a bandeira portuguesa for içada na cerimónia do pódio, já sabe o que vai fazer para festejar: “Prometi à minha família que, quando fosse um milionário do skate, os levaria a todos (irmãos, pais, avós) para viver nos EUA comigo. Eles, provavelmente, não querem, porque têm as suas vidas em Portugal (risos), mas se ganhar em Paris vou levar toda a gente de férias para a Califórnia! Só o Gabriel, que me visita com regularidade, conhece a minha vida lá. Quero partilhar com eles a minha vida, os sítios que frequento e as pessoas com quem me dou.”