FC Porto pediu anulação do jogo com o Arouca por “má conduta do árbitro”, mas e o VAR? As regras não querem saber de anomalias tecnológicas
FERNANDO VELUDO/Lusa
O Regulamento das Competições da Liga dita que “a ocorrência de anomalia técnica, o incorreto funcionamento, a inoperacionalidade ou inexistência do sistema de vídeo-árbitro não é fundamento de anulação ou adiamento do jogo”, daí os dragões não terem mencionado a falha de ligação do VAR no seu pedido de anulação do jogo com o Arouca. O Conselho de Arbitragem da FPF reconheceu a “quebra de comunicação áudio e vídeo” no FC Porto-Arouca, mas será o Conselho de Justiça da entidade a deliberar sobre a queixa apresentada pelos dragões
O futebol, de vez em quando, tem os seus ares de surrealismo. Mehdi Taremi saltou ao de leve para atacar uma bola, Bogdan Milovanov pulou com ele, o choque dos corpos deu-se, o do iraniano caiu à relva e prrriii é a onomatopeia do som que sinalizou um penálti, aos 90’, que fez o Estádio do Dragão entrar em erupção, mas não descreve a rareza do momento sucedâneo. Durante seis minutos, a sequência dos acontecimentos resume-se nesta cadeia: o árbitro foi chamado pelo VAR, o árbitro correu para ir ver o lance, o árbitro chegou ao local onde está uma caixa com um ecrã à beira do relvado, o árbitro nada viu pôde ver por aparente avaria do equipamento e pôs-se a falar com alguém ao telemóvel.
Findo o telefonema feito durante o jogo e mão lhe sendo possível rever o lance por birra da tecnologia, o árbitro chamou os capitães de FC Porto e Arouca, privaram durante uns jogos, explicou-lhes algo e o prrriii voltou a ouvir-se. Uns seis minutos de pasmo e incompreensão depois, o árbitro anulou o penálti que assinalou sem assistir às imagens da repetição do lance que o VAR o tinha urgido a ir ver. Se não for caso inédito, será raríssimo e o árbitro, palavra mais do que repetida, virou o centro de tudo - e da mira dos dragões, que o visaram mal o jogo terminou.
Pouco depois, o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) confirmou “uma quebra da comunicação áudio e vídeo” que foi “retomada já durante o período de compensação” estendido para lá dos 22 minutos (o árbitro concedera 17). “Será analisada do ponto de vista técnico e as conclusões tornadas públicas”, afiançou a entidade, já com o jogo terminado.
Também pouco após a partida acabar, o clube revelou que pediu “a anulação da partida por má conduta da equipa de arbitragem” e “apresentou um protesto aos delegados da Liga”, justificando a decisão com a “a atuação” do homem do apito “no momento da reversão, na sequência de uma chamada telefónica e sem acesso às imagens do lance, do penálti assinalado pelo árbitro de campo por falta sobre Mehdi Taremi”. Alega o FC Porto que “a ação de Miguel Nogueira constitui uma violação das regras de jogo e um erro de direito com potencial impacto grave no desfecho do encontro”. Em nenhuma palavra do comunicado dos dragões se culpa o VAR.
Porque dita o Regulamento das Competições da Liga de Clubes, no seu artigo 47, que “a ocorrência de anomalia técnica, o incorreto funcionamento, a inoperacionalidade ou inexistência do sistema de vídeo-árbitro não é fundamento de anulação ou adiamento do jogo”. O FC Porto nunca poderia culpar o equipamento para fundamentar o pedido para o 1-1 com que terminou o jogo com o Arouca não contar. E, de resto, nada mais está previsto quanto ao que constitui razão, fundamento ou argumento válido para pedir que uma partida seja anulada e repetida.
FERNANDO VELUDO/Lusa
No mesmo artigo das regras que se aplicam às provas organizadas pela Liga, quanto a “jogos anulados ou mandados repetir”, lê-se ainda que “os jogos que vierem a ser anulados e mandados repetir, por motivo de protestos julgados procedentes, serão disputados nos estádios onde se realizaram da primeira vez, salvo se o estádio não tiver condições regulamentares e não seja possível regularizá-las em tempo oportuno, cabendo, neste caso, à Liga Portugal a designação de estádio alternativo”. E nada mais há em 166 páginas de regulamento quanto à anulação de jogos.
Desconhecendo-se as bases factuais com que o FC Porto alega uma “má conduta” do árbitro, só o treinador do Arouca, na ressaca do jogo, desvendou uns quantos detalhes acerca dos minutos visados pelo protesto. “O árbitro chamou-nos e disse que estavam sem conexão para ver as imagens no campo, embora as imagens tivessem sido analisadas pelo VAR. A indicação que tinha é de que não era penálti e tinha que acreditar no VAR. Disse que não era uma decisão fácil para ele, mas que iria seguir o VAR porque as imagens tinham sido analisadas na Cidade do Futebol”, contou Daniel Ramos na flash interview da “Sport TV”.
Confiando nas palavras do técnico, terá sido uma falha de ligação a impedir que a caixa com o ecrã para o árbitro ver imagens vindas da Cidade do Futebol da Federação Portuguesa de Futebol servisse o seu propósito. Se foi mesmo, então nunca poderá servir de razão para o jogo ser anulado. Mas, perante o torcido nariz da tecnologia, existe algo no protocolo do VAR que sustenha a alegação de “má conduta” que o FC Porto imputa ao responsável pelo apito e dá fundamento a que o jogo seja anulado?
Pelo que está escrito nas regras, “por princípio” não. No documento feito pelo International Football Associated Board (IFAB), a entidade que formula as leis e regras do futebol, um jogo “não é invalidade devido ao mau funcionamento do VAR”, nem “más decisões que o envolvam” ou “decisões de não rever um lance”. Ou seja, quando o FC Porto justifica o pedido de anulação com “o momento de reversão” e o não acesso do árbitro às imagens do lance entre Taremi e Milovanov, isso, por si só, não constituiu causa prevista nos regulamentos para invocar uma anulação do jogo.
O árbitro falar com o assistente responsável pela vídeo arbitragem está até previsto que possa acontecer por “walkie-talkie” caso “apenas o sistema de comunicação” do VAR falhe.