O jogo decorria num relvado lisboeta, e os homens fardados e a bola faziam exatamente os malabarismos e as inevitabilidades que é suposto fazerem numa partida de futebol. Talvez não se ouvissem os pássaros, mas a calma era avassaladora. O vento que assobia em tardes tranquilas mudou quando o árbitro fez soar uma apitadela que congelou almas e esquentou algumas mentes desatadas. Penálti. “Eu ainda tinha 19 anos, o jogador tinha 45. Agarrou-me no braço, cravou-me as unhas. Disse que eram árbitros como eu que estragavam a carreira a jogadores e que se eu não tivesse cara de miúdo me matava ali.”
Miguel Paredes, hoje com 20 anos, ainda tem a convicção de que acertou na decisão. A serenidade é invejável, mas a ligeireza com que recorda o episódio assombra, como se tivesse qualquer ponta de razoabilidade. “Foi complicado. Graças a Deus não fiquei traumatizado nem me perturbou demasiado, mas marcou o meu início de carreira. Foi o único episódio que tive assim mais complicado”, conta, completamente encantado pelo que faz e pelo que este mundo lhe deu. O mundo da arbitragem lida com intolerâncias dia sim dia sim e está sempre sob suspeita, mesmo que sejam jovens que ainda agora começaram a babar o apito ou que ainda estão em formação. No fim de semana passado registaram-se três agressões a árbitros, uma delas por parte de um pai e do seu punho num jogo de sub-10. Só esta temporada, esses atos criminosos contra os senhores do apito superam a dezena, e uma percentagem importante aconteceu nos escalões de formação.