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Morreu Fernando Gomes, o ‘Bibota’

O histórico avançado tinha 66 anos. Antigo jogador do FC Porto, Sporting de Gijón e Sporting marcou mais de 400 golos na carreira e venceu, por duas vezes, o prémio de melhor marcador europeu numa época. Fernando Gomes conquistou a Taça dos Clubes Campeões Europeus pelos dragões e esteve em duas competições com Portugal: o Europeu de 1984 e o Mundial de 1986

Alexandra Simões de Abreu e Diogo Pombo

Peter Robinson - EMPICS

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Em 15 temporadas na I divisão nacional, contou somente três em que não lhe saíram mais de 10 golos do corpo. Tê-lo em campo significava ter a baliza do adversário sempre mais perto. Fernando Gomes, um dos melhores avançados da história do futebol português morreu este sábado, aos 66 anos.

Com um remate em força, colocação mortífera e uma excelente capacidade de cabeceamento, Fernando Mendes Soares Gomes, nascido a 22 de novembro de 1956 no Porto, ficou conhecido como O ‘Bibota’, ainda que não tenha sido o único jogador português a ganhar duas Botas de Ouro, da revista “France Football”, que premiavam o melhor goleador de todos os campeonatos da Europa.
Nascido no Porto, Gomes foi o único de quatro irmãos, três rapazes e uma rapariga, que se dedicou ao desporto. Até ir para o liceu Alexandre Herculano, aos 10 anos, o seu dia a dia era passado entre a Escola Primária e os jogos de futebol, nas ruas do bairro da Campanhã. Quando chegou ao liceu o futebol foi proibido e acabou por dedicar-se ao andebol, onde, segundo o próprio, também foi goleador. Dois anos depois, surgiu no liceu uma equipa de futebol de cinco e Gomes brilhou imediatamente na equipa.
Aos 14 anos ingressou no FC Porto, mas durante o primeiro ano apenas treinou. Nos dois anos seguintes mostrou os seus dotes de goleador e subiu aos seniores. O técnico brasileiro Aimoré Moreira foi quem o lançou, aos 18 anos, num encontro com a CUF que os portistas venceram por 2-0, com golos do jovem avançado. Um ano depois fez a estreia na seleção A, no Brasil.

Fernando Gomes semeou o que mais alegrias motiva no futebol por todos os lugares onde passou: germinado para a bola nos dragões, muitos disparos lhe saíram das botas entre 1974 e 1980, conquistado dois campeonatos nacionais. Os sobrolhos que arregalou por tantos golos marcar fizeram-no mudar-se para Gijón, então por 60 milhões de pesetas.

No primeiro jogo contra o Oviedo marcou cinco golos, deixando antever uma época de sucesso, mas uma lesão no Tendão de Aquiles pouco depois, tornaram os dois anos em Espanha num calvário, com cirurgias que não pareciam resolver a lesão. Fez a maior parte dos jogos “a 50% da forma”, admitiu, e só jogou 60% dos jogos da Liga, mas mesmo assim foi o melhor marcador da equipa, com 12 golos.

Peter Robinson - EMPICS

Quando Pinto da Costa se tornou presidente do FC Porto, uma das suas prioridades foi trazer Gomes de volta ao Porto. Seguiram-se mais três Bolas de Prata e duas Botas de Ouro (1983 e 1985), que ajudaram, e muito, o FC Porto a conquistar títulos e duas finais europeias. Em 1985, ainda na sequência da conquista da segunda Bota de Ouro, o capitão do FC Porto foi distinguido com a medalha de Bons Serviços Desportivos, concedida pelo então secretário de Estado dos Desportos, Miranda Calha.

“Nunca me passou pela cabeça vencer uma Bota de Ouro e muito menos duas. Quando optei pela carreira de futebolista, o meu grande sonho era vestir a camisola do FC Porto. As coisas foram acontecendo e, olhando para trás, sinto um orgulho tremendo por ter contribuído positivamente para a história de um grande clube como o FC Porto. Creio que a minha primeira Bota de Ouro contribuiu decisivamente para o início daquilo que hoje é o grande FC Porto”, disse, em declarações ao site do FC Porto, anos depois.

O regresso à casa de partida revestiu-se de ainda maior glória: em 1987, era um dos avançados da equipa portista que se agarrou à primeira taça orelhuda da sua história, conquistado a Taça dos Clubes Campeões Europeus - azarado, lesionou-se uma semana antes da final e não pisou a relva em Viena. Na época anterior esteve com a seleção no México para o Mundial de 1986, já depois de jogar no Europeu de 1984, em França.

A proeza que o alcunhou para sempre como ‘Bibota’ dividiu-se por 1983 e 1985, anos que o laurearam com o prémio de melhor marcador europeu. Foram as épocas do seu apogeu goleador — na primeira, saíram-lhe 50 do corpo em 39 jogos e, na outra, fez 46 em 42 partidas. “A minha missão era marcar golos e eu marquei-os. Cumpri a minha missão”, foram as sucintas frases com que o FC Porto o citou, ao revelar, “com enorme tristeza e consternação”, a morte de um dos seus maiores nomes.

A última das épocas em que distribuiu por redes de baliza foi 1990/91, ao serviço do Sporting, onde preencheu o derradeiro par de temporadas da carreira. Tinha 35 voltas ao sol contadas e energia de sobra para estar em meia centena de partidas, nas quais deixou 29 golos.

A primeira época ao serviço dos leões ficou marcada pela grande penalidade falhada em Nápoles e que impediu o Sporting de passar a 1ª eliminatória da Taça UEFA em 1989/90. Mas na época seguinte, a última como jogador, ainda apontou 22 golos no campeonato e foi fundamental na carreira europeia do Sporting até às meias-finais da Taça UEFA. Assumindo que o goleador deve ser egoísta, acabaria por confessar que “se o fosse marcaria muitos mais golos”, mas que só o era “depois de a equipa ter garantido o resultado”.

Reformado dos campos, Fernando Gomes foi tendo cargos na estrutura do FC Porto, entre a formação, o scouting e administração da SAD. Era a cara recente do clube, por exemplo, nas apresentações de Relatórios e Contas, ou em sorteios de competições. Nos últimos anos, incapaz foi de fugir ao infortúnio da vida como escapara a defesas adversários e marcações alheias.

Pai de três filhos, Filipa e Martim, frutos do primeiro casamento com Silvia Gomes, e de Maria Luísa, de apenas dois anos e meio, Fernando Gomes sofrera um duro golpe há apenas dois anos, com a morte misteriosa da filha Filipa, formada em Design de Moda, aos 32 anos.

Em 2019, diagnosticaram-lhe um cancro no pâncreas e já este ano, em outubro, teve de ser hospitalizado após sofrer um enfarte. Aos 66 anos, a saúde debilitou-o. O legado que deixou no futebol perdurará sem prazo.