A voz embargou especialmente quando sentenciou que Fernando Chalana partiu cedo demais. “É mais novo que eu, caramba”, diz, do outro lado do telefone, Jaime Pacheco, de 64 anos. O verbo no presente não passa despercebido.
O ex-futebolista e treinador, agora comentador na "RTP", não sabe se viu Chalana pela primeira vez pela televisão, num jogo da seleção, talvez contra a Dinamarca, ou se olhos nos olhos naqueles eternos Porto-Benfica. Mas também vestiram a mesma farda muitas vezes e especialmente naquele tão recordado Euro 1984. Pacheco recorda o companheiro com um inegável carinho e quando, naquele jeito protocolar que se transpira nestas ocasiões, apresenta as condolências à família e aos benfiquistas, corrige-se.
“... E se calhar a todos os portugueses, até porque ele era um jogador da seleção nacional e todos os portugueses gostavam do Chalana como jogador.”
Jaime Pacheco, um futebolista que passou pelo FC Porto e Sporting, teve sempre no Benfica o maior rival. Do outro lado estava aquele jogador “genial”, alguém com uma personalidade tão vincada, tão vincada, que isso servia como espelho para o homem que era fora do campo e que levava para dentro do relvado.
“Ele era daqueles que se estivesse a chover, estava a chover. Se estivesse a fazer sol, estava a fazer sol. Se estivesse nevoeiro, era nevoeiro. Era um bocado à minha imagem”, parece dizer com alguma satisfação. “Não estava ali com rodeios. Qualquer problema ou qualquer necessidade de falar com treinador, diretor ou presidente, com a Federação, ele era muito frontal, direto e concreto. Não era de jogadas, com ele não havia dúvidas, ou sim ou sopas. Em qualquer situação de grupo ou de trabalho, de interesses coletivos, ele tinha ideias próprias e expunha as suas ideias. Tal como o Bento, por isso foram dos melhores, tem a ver com o caráter depois dentro do campo. Eram homens com caráter e valores.”
Mais à frente na conversa, Jaime Pacheco, paciente e bom conversador, volta a lamentar a idade com que Chalana dá a derradeira finta. “Isso é o que dói mais”, suspira.

Jaime Pacheco dentro do quadrado mágico francês
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Sobre o jogador, o estilo e arte, este ex-futebolista não é poupado nos elogios. “Foi um privilégio ter jogado com, pelo menos que eu conheci, um dos maiores jogadores de todos os tempos. Era excecional”, empolga-se. “Não teve uma carreira assim muito regular, porque teve muitas lesões, mas era um jogador excecional. Sempre que lhe passávamos a bola, ele era diferente de todos, era genial. Era virtuoso, excecional com a bola”, diz. Nesta coisa de escrever artigos, as repetições de ideias e as palavras repetidas são quase uma afronta à profissão, mas aqui, para se jurar fidelidade às palavras de Jaime Pacheco, traduz-se sobretudo como um tirar de chapéu a um mago, a um excecional mago.
“Contra a França fez aquilo que toda a gente viu e que ficou na memória de todos os portugueses. Era excecional. Era com o pé direito e com o pé esquerdo. Era daqueles jogadores que, entre passar a bola a ele ou a outro, passávamos a ele porque sabíamos que dali saía coisa boa”, garante. E, lá está, parece ser consensual, não parece haver um ínfimo desamor relativamente ao homem que partiu esta quarta-feira, num dia 10, claro.
“Os adversários do Benfica – ou Bordéus, Estrela e Belenenses – gostavam dele como jogador. Quando se tem essa qualidade, essa genialidade e esse virtuosismo, os adversários rendem-se. Aconteceu com toda a gente. Não conheci uma pessoa que dissesse que o Chalana não era um ótimo jogador, mesmo os que não gostavam do Benfica ou das outras equipas. Era excecional”, reforça.
Sobre aquelas bulhas entre lisboetas e portistas que dividiram o balneário da seleção, em 1984, e que provocou a convocatória de um número surreal de treinadores, Chalana esteve sempre à parte. “É engraçado, aí está... na seleção, era muito reservado, ficava no campo dele, era de brincar, entrava na brincadeira, mas a maior parte do tempo era muito reservado”, recorda. “Remetia-se um pouco ao seu mundo, era como o Jordão, muito reservado. No meio dele, era extrovertido, mas enquanto eu e o Carlos Manuel éramos extrovertidos o dia todo, ele era só duas horas ou três. Estava no seu mundo e no seu espaço.”
O “pára-arranca”, aquela manobra dribladora que derrete os joelhos e a paciência dos defesas, era clássico nele. Nos tais FC Porto-Benfica, uma das alíneas da pauta era simples: “Procurávamos que a bola não chegasse a ele”, diz Pacheco, rindo. E acrescente. “Com os bons jogadores não é marcá-los, é não deixar a bola chegar a eles. Era isso que procurávamos fazer, uma pressão muito maior e rigorosa para a bola não chegar ao Chalana. É um jogador inesquecível, um colega inesquecível”, desabafa, outra vez recorrendo ao tempo verbal imortal.
E se um miúdo lhe perguntasse quem foi Fernando Chalana? “Diria que era dos maiores de todos os tempos em Portugal ou genial, era muito diferente do normal. Era rápido, fintava para dentro e para fora, bola no pé. Ele até no meiinho quase não ia ao meio, porque era ótimo…”