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Dragões cheios de fogo queimam o Natal das águias

O FC Porto derrotou (3-0) o Benfica, garantindo presença nos quartos de final da Taça de Portugal. A equipa de Conceição - que, tal como Jesus, viu o jogo da bancada - entrou com tudo na partida, chegando aos 3-0 aos 31 minutos graças a um futebol que conjugou a agressividade coletiva com o talento de Vitinha ou Luis Díaz. Em cima do intervalo, Evanilson, autor de um bis, foi expulso, mas o Benfica nunca mostrou capacidade para dar a volta ao resultado

Pedro Barata

Octavio Passos/Getty

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Há jogos que, por desde o começo nos mostrarem o que serão, parecem declarações de honestidade. No Estádio do Dragão, ainda nem um minuto havia decorrido quando o FC Porto, na sequência de um lançamento de linha lateral, colocou a bola na área do Benfica. O que se seguiu foi um prenúncio do que estava para vir: a agressividade e sentido de baliza da equipa da casa a contrastar com a passividade, apatia e incapacidade em desfazer as jogadas dos visitados.

Poucas dezenas de segundos tinham passado e já Evanilson havia apontado o 1-0, abrindo caminho para largos minutos em que, com contornos diferentes, veríamos sequelas das virtudes de uns e defeitos de outros que levaram ao desfecho daquela tão premonitória primeira jogada.

O FC Porto derrotou com contundência (3-0) o Benfica, passando aos quartos de final da Taça de Portugal e acentuando uma tendência recente: há sete clássicos seguidos que as águias não batem os dragões. Das últimas 17 vezes que se defrontaram, o Benfica só por duas saiu vencedor. E, na noite do Dragão, desde cedo que o desafio, honesto e transparente, nos avisou que o guião poderia repetir cenários vistos recentemente.

Com o 1-0 de Evanilson a surgir antes dos 40 segundos da partida, ainda o apito inicial do árbitro ecoava nas nossas cabeças quando foi substituído pelo primeiro rugido do público do Dragão. E, longe de despertar o Benfica, o golo inaugural apenas contribuiu para reforçar a timidez dos visitantes, por oposição ao conforto do FC Porto no embate.

Sempre muito agressiva em cada disputa, a equipa de Conceição chegava com rapidez à área do Benfica, onde se deparava com um adversário com muitas dificuldades para terminar com as investidas do FC Porto. Não raras vezes, os dragões tiveram vagas constantes de ataque, justamente devido à incapacidade manifestada pelas águias em serem contundentes a afastar o perigo. Foi assim no 1-0 e voltou a ser assim escassos minutos depois.

Aos 7', João Mário, em novo lance de insistência, viu Helton Leite anular-lhe o golo. Do canto resultou uma nova acção em que o Benfica, por duas ocasiões, não conseguiu assinar a sentença de morte dos ataques da equipa da casa, com Helton a socar a bola para as proximidades. E é aí que este relato de agressividade de uns e passividade de outros se detém nos pés de um talentoso jogador.

A bola, saltitante, foi parar aos pés de Vitinha. As circunstâncias não eram as melhores para o remate: Helton estava fora da baliza, no entanto o lance chegou ao médio algo sujo, com alguns jogadores pela frente e a bola numa trajetória rebelde. Mas Vitinha acariciou-a, fazendo-a sobrevoar Otamendi com um subtil toque em arco, indo ela adormecer - já convenientemente amestrada - a um canto das redes da baliza do Benfica.

Octavio Passos/Getty

Na única aproximação com perigo do Benfica na primeira parte, Darwin viu um golo ser-lhe anulado por um fora de jogo de escasso centímetros, mas essa ação foi uma excepção a um panorama de profundo desconforto das águias no jogo. Com Weigl, João Mário e Taarabt a actuarem juntos, de início, pela primeira vez desde agosto, Jorge Jesus terá visto na bancada algo muito diferente do que idealizou.

O Benfica nem conseguia ligar o jogo em posse, nem era capaz de contrariar as virtudes do adversário. Se nos primeiros minutos foram lances de bola parada - e a incapacidade das águias em desfazê-los - a darem em golo, foi nova conjugação de uma virtude do FC Porto com o talento de um dos seus protagonistas a levar ao 3-0.

A equipa de Conceição valeu-se de forças coletivas bem conhecidas para ser superior, mas para que essas virtudes fossem tão pronunciadas foi fundamental o papel de vários individualidades em grandes momentos. Se Vitinha é uma, Luis Díaz é outra.

Aos 31', Uribe, sem pressão, lançou o irrequieto colombiano na profundidade, uma arma do FC Porto de Conceição que, no passado recente, tantas dores de cabeça deu ao Benfica. Díaz fez, então, uso de todo o seu repertório de recursos, ganhando na velocidade a Almeida, fintando-o com técnica, parando para decidir com critério e executando com eficácia, servindo Evanilson para um 3-0 que deixava os visitantes a olhar para os quartos de final quase como uma miragem.

Octavio Passos/Getty

Com o Benfica sem resposta, Luis Díaz voltou a explorar o espaço nas costas da defesa para criar o pânico na defesa das águias, mas, após superar Helton Leite, o colombiano quis assistir Taremi e o lance perdeu-se.

Em cima do intervalo, deu-se a primeira contrariedade para o FC Porto. Evanilson viu o segundo amarelo e foi expulso, completando um primeiro tempo de emoções fortes. O 3-0 no marcador parecia ser uma grande distância entre as equipas, mas a inferioridade numérica dos da casa e a possibilidade que os visitantes tinham de, ao intervalo, fazerem correcções poderiam abrir espaço para uma inesperada mudança de guião.

Mas, apesar do cenário na segunda parte ter sido de domínio do Benfica, o contexto geral do jogo não mudou. Everton e Yaremchuk entraram por Taarabt e Gilberto, voltando as águias ao 4-4-2 de outros tempos, mas a equipa de Jesus quase nunca conseguiu criar perigo.

Na etapa complementar, o Benfica instalou-se nas imediações da área do FC Porto, mas nunca conseguiu penetrar na defesa da casa, abusando dos cruzamentos e das más decisões, pecados que levaram a que Marchesín quase nunca fosse verdadeiramente incomodado.

Em sentido oposto, apesar de os dragões terem estado longos minutos a 60 ou 70 metros de Helton Leite, quando partiam para a transição revelavam-se bem mais perigosos, não tendo o Benfica antídoto para a velocidade, repentismo e permanente desejo de baliza de Luis Díaz. Aos 56', Zaidu ofereceu o 4-0 a Taremi, mas o iraniano, que anda divorciado do golo - não marca desde 26 de outubro -, atirou ao poste.

DeFodi Images/Getty

O segundo tempo foi muito quezilento, com muitas das paragens e pequenos conflitos que, infelizmente, marcam os nossos clássicos, levando a constantes perdas de tempo. Com o encontro a acercar-se do fim, só em lances de futebol aéreo conseguiu o Benfica aproximar-se do golo, com Yaremchuk a obrigar Marchesín a defesa segura e Otamendi a cabecear por cima. No meio disto, sempre que a bola chegava a Vitinha havia a certeza de que os da casa a poderiam guardar com critério durante alguns instantes.

Aos 82', Otamendi chegaria mesmo a bater o seu compatriota da baliza do FC Porto, mas, após consulta do VAR, o golo foi anulado por fora de jogo de Pizzi. No regresso ao Dragão, o argentino, que foi muito assobiado, não teve noite fácil, acabando por ser expulso num dos últimos lances da partida.

O clássico, sempre muito honesto, acabou como começou: com o FC Porto perto da baliza do Benfica, incomodando o adversário e castigando a sua apatia. Após nova arrancada de Luis Díaz - neste momento, nenhum jogador no futebol português tem a sua capacidade para fazer o campo tremer quando pega na bola -, Zaidu viu Helton Leite evitar-lhe o 4-0, pouco antes de um tento ser anulado aos dragões por fora de jogo de Fábio Cardoso. Como no início, a equipa de Conceição acabou o jogo em cima dos homens de Jorge Jesus.

O primeiro de dois clássicos seguidos recordou-nos das dificuldades que, ultimamente, o Benfica tem tido para vencer o FC Porto. Os dragões valeram-se das virtudes tão do agrado de Conceição - a agressividade, a pressão bem coordenada, as bolas paradas e a exploração da profundidade - e juntaram-nas ao talento de Vitinha e Díaz, numa receita incontrolável para o Benfica. Entre as dúvidas suscitadas pelo nível exibicional da sua equipa e a constante especulação em torno do futuro do seu treinador, as águias vão passar um natal escaldadas pelo fogo do dragão.