Será desta, João? Passados cinco anos de avanços, recuos e empréstimos, Félix troca o Atlético pelo sobrepovoado Chelsea

Jornalista
Uma apresentação no Museu do Prado. As comparações com Kaká ou Cristiano Ronaldo. O entusiasmo inicial. Aquela primeira grande jogada contra o Getafe. Os meses vibrantes no outono de 2020, que revelar-se-iam fundamentais para a conquista da La Liga 2020/21. Pormenores, detalhes, bons golos, bons momentos.
E… Pronto. Adiós, hasta siempre.
É assim, em frases curtas, com recordações distantes, com lembranças de pedaços de vida, que se escreve a história de João Félix no Atlético de Madrid. A contratação mais estrondosa dos colchoneros no século XXI, €127 milhões que fizeram daquela compra ao Benfica na quinta mais cara da história do futebol, resume-se, cinco anos depois, ao alívio do clube por vendê-lo a menos de metade do preço.
Num mundo paralelo, tudo teria corrido bem. João não se teria lesionado nos momentos em que parecia estar melhor, agarrando nessa onda positiva para se afirmar definitivamente; a relação entre o português e Simeone nunca se teria assemelhado à de um professor desconfiado com um aluno diferente dos demais, sendo, em sentido inverso, um casamento de benefícios e crescimento mútuos, estilo Griezmann-Cholo versão 2014-2018.
Mas não foi assim no mundo real. Com o peso das expetativas e dos €127 milhões sempre presente, o entusiasmo inicial transformou-se em dúvida. Félix tornou-se, desde cedo, num caso, num paradigma de não cumprimento de potencial, num símbolo do falhanço do Cholismo tardio, na personificação da incapacidade em conseguir criar equipas ao nível dos melhores anos do Atlético de Simeone.
Dos tempos da ilusión passou-se para os anos da frustração, da irregularidade com Simeone. E, daí, foi-se para o pára-arranca dos derradeiros 18 meses, período em que se viveu um muito particular ciclo João Félix: o Atlético não contava com ele, mas ninguém pagava o valor de transferência pretendido. Então, renovava-se o contrato, forma de diminuir o impacto do português nas contas do clube, para em seguida o emprestar, numa operação normalmente só concretizada em cima do fim do mercado, fechando semanas de rumores, instabilidade, falatório.
O empréstimo de Félix ao Chelsea, no inverno de 2023, só se concluiu perto do fim do mercado. A cedência de Félix ao Barcelona, no verão de 2023, só se concluiu perto do fim do mercado.
Na última fase do triste casamento entre João e o Atlético, a relação parecia um divórcio à espera da concretização, como se a burocracia e a logística fossem fardos que impediam a concretização do ponto final. Sim, estamos fartos um do outro, mas já viste o trabalhão que dá tirar de casa este sofá que comprámos?
E assim se chegou a mais um verão, a mais um período de incerteza. Nas últimas semanas, o triste casamento terá chegado, depois dos dias do entusiasmo, do pára-arranca e dos empréstimos, à fase mais absurda.
O Atlético não queria João Félix, mas sabia que tinha de o ir mantendo no plantel à espera da melhor oferta. Simeone não queria João Félix, mas ia utilizando-o em amigáveis e até o convocou para a primeira jornada da La Liga. João Félix não queria o Atlético, mas continuava a vestir a camisola vermelha e branca.
Ninguém queria estar ali, mas estavam. A apresentação no Museu do Prado era uma recordação distante, como que parte de outra vida. Terá mesmo acontecido? Bem, se calhar ter sido num museu foi o prenúncio de que tudo não passaria de uma experiência que nunca viveríamos na primeira pessoa, mas sim numa peça de arte de inegável valor, de indiscutível talento, mas que os nossos olhos nunca veriam, realmente, em ação em Madrid.
Cinco anos. 131 jogos, 34 golos, 16 assistências. Mais vezes emprestado (duas) do que títulos ganhos (um). E…pronto. Adiós, hasta siempre.
A relação que começou com a expetativa de ver o adolescente da moda do futebol mundial acaba com o alívio mútuo pela conclusão. O divórcio chega com o alto patrocínio do Chelsea, que paga, segundo a imprensa inglesa, cerca de €52,23 milhões ao Atlético de Madrid
Ganhar espaço no balneário do Chelsea será o primeiro obstáculo que João Félix terá de superar. Não, não se recorre aqui a uma frase feita do futebolês. É mesmo preciso ganhar espaço em Stamford Bridge.
Quando o consórcio liderado por Todd Boehly sucedeu a Roman Abramovich como dono do Chelsea, o invulgar ritmo de chegada de reforços causou logo problemas: no primeiro mercado de inverno dos novos proprietários, em 2023, foram contratados nove jogadores, o que obrigou, de acordo com uma notícia do “The Guardian”, a realizar obras de expansão da dimensão do balneário no centro de treinos do clube.
Todd Boehly, a face visível desta gestão do Chelsea, auto-intitula-se como “um disruptor”. As ondas de choque têm tido pouco êxito desportivo, já que pegou numa equipa que, um ano antes, vencera a Champions e levou-a a ficar numa temporada em 12.º e na outra em 6.º na Premier League. No entanto, a nível de contratações, a “disrupção” não cessa: 12 aquisições na época passada, 10 nesta.
Com a chegada de João Félix, o plantel dos blues passa a contar com 42 futebolistas na equipa principal. Este número é relativo à hora a que se anunciou a chegada do português, havendo a certeza de que, dentro de pouco, estará desatualizado.
Num ano e meio, Boehly, o grande disruptor, a face deste projeto norte-americano que enche Stamford Bridge de jogadores e o esvazia de estabilidade, já contratou 31 futebolistas. E a calma também não reina no banco.
Thomas Tuchel, campeão europeu no clube, foi despedido poucos meses depois da chegada dos novos proprietários, começando uma agitada dança de treinadores. Graham Potter substituiu o alemão, mas só durou sete meses, sendo substituído por Frank Lampard, que ocupou o cargo dois meses. Seguiu-se Mauricio Pochettino. Entre tanta instabilidade, pareceu começar a construir uma equipa, apurando o Chelsea para as competições europeias e chegando à final da Taça da Liga e às meias-finais da FA Cup. Bons progressos, Mauricio, obrigado, estás despedido. Para a nova temporada chegou Enzo Maresca, o homem que subiu o Leicester do Championship para a Premier League na temporada transata.
É a este reino sobrepovado que chega João Félix, assinando até 2030 com os londrinos. O grande desafio será, desde logo, ter continuidade.
O ex-Benfica faz 25 anos em novembro. O tempo, o maior dos ditadores, avança implacavelmente. Com a passagem dos ponteiros do relógio, a ideia de “agora ou nunca” ganha força.
Nestas cinco temporadas desde que saiu de Portugal, fica a ideia de um João Félix nunca concretizado, eternamente adiado. Os números dão corpo à sensação: a nível de clubes, o criativo só cumpriu os 90 minutos em três jogos seguidos por uma vez nestes cinco anos. Foi em fevereiro de 2023, pelo Chelsea. Quer isto dizer que, pelo Atlético de Madrid, o máximo que Félix teve foram dois encontros completos de forma consecutiva.
O viseense nunca fez mais do que 28 partidas a titular nesta mão-cheia de épocas. Fora de Portugal, nunca marcou mais do que 10 golos numa campanha, ele que só entre janeiro e maio de 2019, na fase da explosão no Benfica, marcou 17 vezes.
Acabou a tóxica relação Félix-Atlético. O que começou no Prado termina de forma fria, quase indiferente. Começa a relação Félix-Chelsea, um início que é, na verdade, um recomeço, desta feita em definitivo. O português, à procura de estabilidade, vai para o mais instável dos clubes, mas já sem estar agarrado ao pára-arranca de Simeone. Será desta, João?
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