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Abel para a eternidade: Palmeiras revalida título do Brasileirão e português consolida estatuto lendário

Abel para a eternidade: Palmeiras revalida título do Brasileirão e português consolida estatuto lendário
Pedro Vilela

Os paulistas chegaram à última jornada como virtuais campeões, confirmando o triunfo com um empate contra o Cruzeiro (1-1). Abel Ferreira chega aos nove títulos pelo Verdão, ganhando o Brasileirão após uma reviravolta inacreditável, beneficiando do colapso do Botafogo. Sobre o futuro, o penafidelense mantém a incógnita

Abel para a eternidade: Palmeiras revalida título do Brasileirão e português consolida estatuto lendário

Pedro Barata

Jornalista

“Não atravessei o Atlântico para passar férias”. A frase, dita por Abel Ferreira no dia da sua apresentação como novo treinador do Palmeiras, a 4 de novembro de 2020, soa, três anos e um mês depois, a qualquer coisa entre a promessa e a premonição. No seu 230.º encontro no comando do Verdão, o português empatou com o Cruzeiro, vencendo o Brasileirão pelo segundo ano seguido.

Os agora bicampeões chegaram à última jornada da competição como virtuais triunfadores. A vitória ou o empate garantiam, automaticamente, a conquista do Palmeiras, sendo que mesmo uma derrota da equipa de Abel permitiria manter o primeiro lugar, desde que os paulistas mantivessem a vantagem na diferença de golos, que antes da derradeira ronda era de oito.

Sem precisar de ir a contas tão complicadas, o Palmeiras empatou a um, com mais um golo do menino Endrick, acabando com mais dois pontos que o Grémio, que teve Luís Suárez, na despedida, a bisar contra o Fluminense. Em quinto, fora dos lugares de acesso direto à Libertadores e após perder (3-1) contra o Inter, terminou o Botafogo, protagonistas de uma debacle histórica.

Líder durante boa parte da competição, a equipa carioca só somou 13 pontos nas derradeiras 15 rondas, o penúltimo pior registo da prova. Na jornada 27, o Botafogo venceu o América por 2-1, a 10 de outubro. Foi o último triunfo da equipa, que desde então só somou seis pontos.

Ricardo Moreira/Getty

Nessa jornada 27, o Palmeiras era quinto, a 14 pontos do Botafogo. Ali começaram as trajetórias inversas de ambos os conjuntos: os paulistas terminaram com oito vitórias, dois empates e uma derrota, os cariocas afundaram-se entre traumas vários, como frente aos novos campeões, quando venciam por 3-0 ao intervalo e foram perder por 4-3, diante do Santos, permitindo o empate aos 90', ou com o Coritiba, quando chegaram ao 1-0 aos 98' para cederem a igualdade aos 99'.

O colapso do Botafogo

O Botafogo, que não é campeão desde 1995, começou em grande, sob o comando de Luís Castro. Nas 12 primeiras partidas, antes da saída do técnico para o Al-Nassr, a equipa em que brilhou Tiquinho Soares somou 10 triunfos, o que a fez ter sete pontos de vantagem para o Grémio, então segundo classificado.

Sem Castro, Claudio Caçapa orientou três partidas, mantendo o fulgor da equipa ao obter três triunfos. Assim, à jornada 15, antes de Bruno Lage assumir o Botafogo, a vantagem era de 12 pontos.

Com Lage, a vantagem dos cariocas começou a esfumar-se. Em 10 rondas, o ex-Wolverhampton ou Benfica só venceu três, num total de 13 pontos averbados. À jornada 25, a vantagem encolhera para sete pontos, quantidade, ainda assim, promissora, tendo em conta que restavam 13 jogos.

Mas eis que veio o desastre absoluto. Com Lúcio Flávio e Tiago Nunes, o que já estava mal tornou-se pior, numa sucessão de pontos perdidos que deixa a sensação de que este Brasileirão foi tão ganho pelo Palmeiras como estrondosamente perdido pelo Botafogo.

Mais história para Abel

Na ponta final da época, o técnico português virou-se para Endrick, o adolescente de 17 anos que já assinou pelo Real Madrid e se tornou no quarto mais novo de sempre a atuar pela seleção do Brasil. A relação entre ambos nem sempre foi fácil, mas seis golos nas últimas oito jornadas tornam o moleque numa das figuras desta recuperação.

Para Abel, as tais férias que não o são seguem recheadas de glória. São já nove títulos para o treinador no Palmeiras, só atrás dos 10 erguidos por Oswaldo Brandão.

Além destes dois triunfos no Brasileirão, as duas Libertadores, em 2020 e 2021, marcam um percurso de ouro que tem, também, uma Taça do Brasil, dois Paulistas, uma Recopa sul-americana e uma Supertaça do Brasil.

São recordes atrás de recordes: treinador com mais títulos além-fronteiras pelo Palmeiras (três); técnico com mais finais disputadas pelo clube (11); maior série de invencibilidade pelo Palmeiras na história da Libertadores (18 partidas); maior sequência sem perder fora de casa na história da Libertadores (22 encontros).

Na maior competição de clubes do continente, Abel só perdeu quatro vezes em 44 partidas. Depois das vitórias em 2020 e 2021, nas duas derradeiras campanhas bateu na trave, caindo nas meias-finais em 2022 frente ao Athletico Paranaense e, nesta edição, sendo derrotado, na mesma fase, pelo Boca Juniors, no desempate por penáltis.

As dúvidas sobre o futuro

Paralelamente à chuva de êxitos, os anos de Abel do outro lado do Atlântico têm, também, sido marcados pelo desgaste que a loucura do futebol brasileiro causa. Arbitragens, relvados ou o calendário, muitos têm sido os motivos de queixa e as frentes de confronto do penafidelense.

Para atestarmos a exigência do calendário, basta constatar que, frente ao Cruzeiro, o Palmeiras chegou aos 73 encontros em 2023, numa época que arrancou a 14 de janeiro e termina a 6 de dezembro. Em 2022, foram 74 partidas, começando a 23 de janeiro e acabando a 13 de novembro, um final precoce devido ao Mundial do Catar. Em 2021 foram uns pornográficos 91 jogos, entre 6 de janeiro e 10 de dezembro.

Abel e Endrick, os dois protagonistas do título do Palmeiras
Alexandre Schneider

Usemos Rúben Amorim como forma de comparação. O técnico do Sporting estreou-se pelos leões a 8 de março de 2020, dias antes de a pandemia da Covid-19 obrigar à interrupção das competições.

Assim, desde 4 de junho de 2020, quando o futebol recomeçou, Amorim orientou o Sporting em 178 jogos; já Abel Ferreira, estreou-se seis meses depois pelo Palmeiras, a 5 de novembro, e desde então realizou 230 partidas, o que significa que, em menos meio ano que Amorim, acumulou mais 52 encontros.

Toda esta exigência leva a que, diante do Cruzeiro, Ferreira possa ter terminado este lendário percurso. Com contrato até dezembro de 2024, o antigo lateral tem esquivado as perguntas sobre o futuro, deixando-o em aberto. As notícias sobre o interesse do Al-Sadd, do Catar, que estará disposto a tornar o português num dos treinadores mais bem pagos do mundo, aumentam a indefinição.

Independentemente de estarmos, ou não, perante o ponto final na relação entre o homem nascido há 44 anos em Penafiel e o Palmeiras, o êxito atingido no meio da montanha-russa da bola no Brasil já ninguém tira a Abel Ferreira. Depois das duas Libertadores seguidas e do Brasileirão de 2022, eis novo título, este erguido após a mais surpreendente das reviravoltas.

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