Na Libertadores entre Boca e Fluminense joga-se (quem sabe à porta fechada) legado contra o inédito sonho
Wagner Meier
A violência e a emboscada, na praia de Copacabana, a adeptos e famílias do Boca Juniors levou a Conmebol a admitir organizar a final da Libertadores, o torneio mais importante da América do Sul, à porta fechada. Em 2018, por exemplo, a segunda mão da final entre River e Boca foi disputada em Madrid. O palco da próxima final, agendada para as 20 horas de sábado, é o mítico Maracanã
Existe por estes dias um homem com uma missão que trai o seu coração. Germán Cano, um argentino que celebra o pináculo do seu ofício levantando um “L” dos filhos Lorenzo e Leonella (sim, por essa razão), é o grande artilheiro do Fluminense. Leva 12 golos na Libertadores, os mesmos que o Boca Juniors, o monstruoso rival da final no torneio, no sábado, no Maracanã.
Cano, protagonista em certas lutas na sociedade, tem uma série de ligações ao Boca. Não são apenas algumas células com a cor da bandeira da Suécia no coração, mas também alguns amigos e familiares, principalmente o cunhado, que já chorou pelo clube. Quando o Flu visitou Buenos Aires para jogar contra o River, um adversário a que Germán fez um hat-trick, ele e o eterno Marcelo trocaram camisolas e fotografias com Juan Román Riquelme, o vice-presidente e lendário futebolista dos xeneizes. Riquelme, o mago dos magos e candidato à presidência do clube, ganhou ali a Libertadores em 2000, 2001 e 2007. Por esse gordo legado, o Boca Juniors pode no sábado transformar-se em céu, igualando o Independiente, com sete triunfos na competição. Certo é imitar o Peñarol com 14 finais do torneio.
Juan Román Riquelme jogou contra o Fluminense para a Libertadores, em 2008
El Grafico
Nas últimas 22 edições da Copa Libertadores, os brasileiros venceram metade. Se aproximarmos o zoom para os últimos cinco anos, os craques do Brasil, confirmando as diferenças que se notam em relação ao campeonato argentino, garantiram quatro vitórias, sendo que apenas o River se intromete nesta história recente, com a tal vitória contra o Boca, no Santiago Bernabéu, em 2018, a última a duas mãos.
A final da maior competição sul-americana em Madrid soa a aberração atroz. E é mesmo, povos e heróis com um oceano pelo meio. Essa opção da Conmebol deveu-se à violência observada no segundo jogo da final. Um dos autocarros foi recebido por um dilúvio de pedras que matam. O River Plate, o eterno rival da cidade, foi mais forte do que o Boca e aí começou o jejum argentino.
A violência tem marcado os dias que antecedem a final entre Boca Juniors e Fluminense. Os meios argentinos têm dado conta de uma emboscada aos adeptos xeneizes na fan zone da prova, na praia de Copacabana. Há relatos de famílias agredidas, assaltos e até passaportes desaparecidos. Ver o vídeo das agressões e das correrias no areal é desolador.
“O caminhar ameaçador, os gritos de guerra e uma atitude bélica no avanço da multidão davam conta de que se tratava da barrabrava do clube carioca”, escreveu o jornalista Gonzalo Suli no “Olé”, o diário desportivo mais popular do país onde nasceu Diego. “A acompanhá-los estavam dezenas de polícias, em carros patrulha e motos, em teoria para evitar os distúrbios.” Este jornalista dá conta que depois entrou em ação a polícia militar, que disparou balas de borracha, lançando também gás lacrimogéneo. Foram registados também insultos racistas.
O “Olé” conta também que a direção do Boca Juniors mostrou-se preocupada com as agressões e confrontos entre adeptos e terá pedido uma reunião de urgência no hotel com as autoridades argentinas.
Na ressaca do capítulo violento em Copacabana, a Conmebol publicou um comunicado, admitindo até uma final à porta fechada. “[Convocamos] todos os adeptos de Boca Juniors e Fluminense a compartilharem os momentos de alegria e celebração que o nosso futebol nos proporciona. Os valores do desporto que mais nos apaixona devem inspirar comportamentos de paz e harmonia. Por esta razão, repudiamos os atos de violência e racismo que possam ocorrer no âmbito desta final.”
A Conmebol agendou para esta sexta-feira, na Barra da Tijuca, uma reunião entre as federações argentina e brasileira e também entre dirigentes do Boca e Fluminense, revela o “Globo Esporte”. O objetivo é claro: evitar que a escalada de violência conduza ao encerrar de portas do Maracanã na final.
O embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, também surgiu em público para pedir uma intervenção da entidade que rege o futebol sul-americano. “Que exija mais firmeza quanto à atuação da polícia. A Conmebol é quem organiza a final e interage com as autoridades brasileiras”, disse, numas declarações que se podem ler no “Globo Esporte”. O diplomata alertou que as vítimas dos ataques eram “adeptos de futebol” e “não um grupo de delinquentes”.
Em sentido contrário a esta tentativa de apaziguamento ou pelo menos de resolução ou controlo do conflito, estão algumas declarações dos líderes da “La 12”, a mais tradicional claque do Boca Juniors, com elementos muitíssimo violentos, que já prometeram resposta na chegada ao Rio de Janeiro (“venham buscar-nos”).
Esta final, com mais de 100 mil adeptos do Boca no Rio, é uma tragédia por acontecer.
História contra sonho
Mas voltemos ao futebol. O Fluminense, atualmente na oitava posição do Brasileirão, foi finalista vencido em 2008. Com Thiago Silva, Conca e Thiago Neves, os cariocas caíram aos pés da LDU Quito, nos penáltis. Há, portanto, contas por ajustar com a história. O maior argumento da rapaziada do Fluminense vive na cabeça do treinador, que implementou um modelo de jogo que respeita os tempos idos do futebol brasileiro e, porque não?, do futebol mesmo. À base do toque, da mobilidade, da liberdade e inventividade, gente como Ganso, André e Arias fazem mossa a quem se atravessa pela frente. Não tem sido o caso recentemente, pois o desempenho no Brasileirão, longe da liderança, tem caído de uma forma preocupante.
Valentín Barco
Marcelo Endelli
O Boca Juniors, treinado por Jorge Almirón e sempre competidor independentemente de jogar bem ou mal (segue na sétima posição da Liga Argentina), o que comprova a eliminatória contra o Palmeiras de Abel Ferreira, tem em Edinson Cavani a maior bandeira da ambição bostera. A encantar os olhos de quem os vê está Valentín Barco, um lateral canhoto daqueles que responde aos anseios da modernidade e portanto da versatilidade, com apenas 19 anos.
“A qualquer lado que vamos, é sempre tudo do Boca, cheio de gente, são muito fanáticos, estão loucos”, disse nas últimas horas o jovem zurdo. “Sentimos muito esse apoio das pessoas na hora de disputar estes jogos. Sentimo-nos em casa em todos os lugares. Eles jogam bem, mas nós também jogamos. Então, vamos para vencer”, prometeu a jóia da Bombonera.
O Boca Juniors, um clube onde atuou gente como Diego, Caniggia e Batistuta, mas também Banega, Fernando Gago e Carlitos Tevez, foi à final em 1963, 1977, 1978, 1979, 2000, 2001, 2003, 2004, 2007, 2012 e 2018. É uma história imensa que une este clube a esta competição.
Mas do outro lado, enfiado numa camisola tricolor, o Fluminense navega numa nuvem do sonho, da possibilidade, do jogo que respeita as origens e a estética. A obra de Fernando Diniz, o selecionador brasileiro interino, terá aqui, contra todas as probabilidades, o momento mais alto. Veremos se no final grita, como tantas vezes gritou enquanto espetava os dois dedos que fazem o “V”, “vitória Fluminense”.
“É o jogo mais importante da história do Fluminense”, declarou recentemente Diniz. “A gente sabe disso desde o começo, a gente sonhou com isso. Os jogadores se dedicaram muito para chegar a este momento. A gente tem um adversário extremamente duro e difícil, multicampeão da Libertadores. Então vai ser um jogo muito emblemático e legal de assistir…”
A final da Copa Libertadores joga-se sábado, a partir das 20h00, no Maracanã, e tem transmissão em direto na SportTV2.